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Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

Menos Um Carro

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Apita o comboio

TMC, 17.12.10

É o adeus ao comboio, já anunciado nos vários PECs. A salvaguarda do direito à mobilidade a nível regional penderá cada vez mais para o automóvel particular. Um cidadão, um voto, um automóvel.

 

Para viajar entre muitas cidades e povoações será exigido um carro. Veremos, daqui a uns anos, se a administração da CP sofria de má gestão crónica, caso algum operador privado veja sustentabilidade financeira e decida investir emr algum troço.

 


A cidade do país cuja autarquia é responsável por ter entronizado e coroado o automóvel como paradigma da mobilidade também nos surpreende com exposições destas. Outra declaração de boas intenções, mas vale a pena espreitar o que estamos a perder se tivéssemos ruas feitas para todos. No MUDE - Museu do Design e da Moda - em Lisboa está presente a exposição A Rua é de Todos Nós, até dia 20 de Fevereiro de 2011. Nesse mês também haverá um simpósio dedicados aos temas da mobilidade suave e do urbanismo. A não perder.

 

O fim do automóvel?

TMC, 21.05.10

Há uma enorme diferença de percepção entre os agentes que teimam em promover o automóvel e a de diversos especialistas académicos que assinalam, quando o não o seu fim, pelo menos o seu inevitável declínio.

 

No programa da TSF "Mundo Novo", responsável por assinalar as invenções humanas que mais marcam a nossa vida, falou-se do automóvel. A professora Ana Bastos resume bem quais as ferramentas que dispomos para refrear o uso de comportamentos de mobilidade ligados em exclusivo ao uso do automóvel.

 

E será o automóvel um mal necessário? Poderemos eliminá-lo completamente? A especialista é da opinião de que há deslocações que se têm de fazer obrigatoriamente de carro. Claro que falta dizer que foi a possibilidade das distâncias serem abatidas por via da velocidade de um automóvel que potenciou a construção de edificado...que só pode ser acedido por automóveis! Como já foi dito várias vezes por aqui, o automóvel modificou os próprios conceitos de urbanismo e arquitectura. Talvez seja por isso impossível uma cidade sem automóveis, tais como as conhecemos.

 

Mas a questão nunca deve ser posta em termos de tudo ou nada; deve-se sim assinalar que há vários graus de carro-dependência e que temos todos a ganhar em sermos uma sociedade que não dependa tanto do automóvel.

 

Dica: porque é que um programa sobre as melhores invenções tecnológicas deveria incluir a bicicleta? Respostas para aqui.

 


 

Estudos sobre a viabilidade da bicicleta em meio urbano são cada vez mais frequentes. Queiram ajudar o autor deste inquérito! Tem muitas perguntas pertinentes e maduras, o que já assinala que o andar e o fazer andar de bicicleta está a tornar-se mais complexo: já começa a haver uma cultura da bicicleta em meio urbano.

  


  

Ao andar de autocarro e com o aumento das temperaturas tenho visto cerca de 20 ciclistas por dia. Cerca de 10 à ida e outros 10 à vinda. O trajecto é em muitas partes contíguo a ciclovias por isso é suspeito estar a dizer que as ciclovias potenciaram mais ciclistas. Mas tenho para mim que em muito ajudaram, sendo por isso fundamentais para o aumento de ciclistas: digo isto porque o uso da bicicleta, na cidade, está muito ligado à percepção da segurança própria. Ora, é comum observar os ciclistas, na ausência da ciclovia, a continuarem o périplo no passeio. Talvez ignorância do código da estrada, talvez jogando pelo seguro. O que me parece certo é que, para além de faltar educação para a bicicleta, sem as ciclovias nunca haveria sequer a opção pelo uso da bicicleta de modo diário para tantas pessoas.

O mercado da bicicleta

TMC, 07.05.10

Um argumento fraco contra a perda de predomínio do automóvel nas cidades é o seguinte:

 

"Sem o automóvel muitas actividades económicas na cidade ficariam enfraquecidas. Até correriam o risco de desaparecer. Muitas garagens e oficinas de mecânicos fechariam".

 

Aqui parece dar-se a confusão entre o transporte e o transportado. Exceptuando a entrega de mercadorias e bens, quem realmente produz riqueza é o transportado, não o transporte. É a pessoa que é responsável pela criação de riqueza. Mesmo que fosse verdade que algumas oficinas de mecânicos encerrariam, a adopção da bicicleta como meio de transporte generalizado poderia potenciar outras oportunidades: abertura de mais lojas de bicicletas e acessórios, empresas de encomendas, etc.

 

Um novo meio de transporte potencia também novas oportunidades para a publicidade e para projectistas de imobiliário urbano. Por exemplo, no caso de estacionamentos para bicicletas, chega-nos esta pérola da Front Yard Company:

 

 

 

 

Não tenhamos medo de mudar. Principalmente quando há todas as razões para isso.

Radares

TMC, 20.04.10

 

Quando surgiram, os radares foram apelidados de, e cito de memória, um “atentado aos direitos dos condutores”, uma “caça à multa” e outros protestos quejandos, vindos de um grupo de pessoas que, não sendo automobilista profissional, pretendia fazer finca-pé dessa regalia de usar algumas ruas de Lisboa e Porto como pistas para os bólides. Uns protestaram porque achavam tudo muito natural, outros, mais temerários, até se atreveram a falar em ganhos ou perdas de tempo e até de produtividade. Enfim. Compreende-se este alarido. Para o curioso, não deixa de ser extremamente irónico haver um grupo de pessoas dispostas a perder tempo a defender os direitos dos automóveis. Mas não é assim tão simples.

 

Os resultados até são indesmentivelmente positivos. O efeito psicológico do número 50, envolto numa auréola vermelha lembra esse limite que, no velocímetro, está logo no princípio da escala. 50km/h. É esse, afinal, o limite previsto pelo código da estrada e que tem razão de ser: a partir dessa velocidade, um impacto entre peões e automóveis é quase uma garantia de morte certa para um deles e de pena suspensa ou ilibação para o outro. Há, assim, uma prevenção de segurança por precaução das velocidades praticadas; e os próprios números de sinistralidade, segundo a Polícia Municipal, têm diminuído.

 

Não deixa de parecer absurdo, porém, ao automobilista comum, que o seu bólide, marcando velocidades até, pelo menos, os 120km/h (o limite nas auto-estradas) tenha que se restringir a essa mísera meta de 50km/h nas cidades. Uma miséria. Não se compreende. Se o código da estrada apresenta limites de 50km/h para as localidades e de 120km/h para as auto-estradas – o percurso comum do automobilista comum que reside num subúrbio – porque teriam as empresas construtoras de automóveis construído motores que permitem ultrapassar esses limites sem dificuldades? Porque somos constantemente bombardeados com a potencial rapidez e robustez dos automóveis, escarrapachada de forma quase pornográfica em anúncios de rádio, televisão e revistas?

 

 

Estremunhado, na cama, é frequente ouvir da rádio um anúncio da Autoridade para a Segurança Rodoviária com gritos e música melancólica, logo seguido de outro apelando o leitor a comprar um carro e das respectivas características.

 

Mas os absurdos não acabam aqui e, para mim, nem são sequer os mais graves. Não sei qual dos fenómenos foi responsável pelo outro; desconfio até que sejam mutuamente originantes. Basta olhar para as estradas em que foram colocados os radares. São largas, desérticas, de pelo menos duas faixas em cada sentido, sem edificado e algumas até têm um ou outro peão, que se aventura num ambiente que não é o seu. São autênticas auto-estradas urbanas que rasgam a cidade. Perante este tipo de estrutura, como não acelerar para além de 50km/h?

 

 

Foram os urbanistas que também permitiram, através da forma dada à cidade, que os condutores tenham essa prática espontânea de acelerarem acima do limite legal. As estradas com radares são hoje elementos estranhos ao seu tecido e que foram construídas com o propósito de satisfazer os paradigmas de velocidade e poupança de tempo. Paradigmas falsos.

 

Medidas avulsas como os radares são bem-vindas mas devemos recordar-nos que são remendos possíveis no erro crasso de origem. Como alguém que tendo começado a construir a casa em areias movediças acha que tem de mudar a cor das paredes.

Brasília

MC, 09.12.09

Ainda a propósito da posta sobre auto-estradas urbanas, onde se fala de Brasília, queria contar o que me aconteceu quando tive o (des)prazer de conhecer a capital brasileira - a cidade mais desagradável que alguma vez conheci.

Eu estava num hotel no ponto verde e queria ir ao ponto rosa, que distam 270m em linha recta, a pé. Embora não pareça, a foto não é de um subúrbio mas da zona mais central de todas da cidade (o Teatro Nacional é mesmo ali). O mapa não era grande coisa, pedimos ajuda na recepção, quem nos atendeu teve que chamar mais alguém e depois de uma breve discussão concluiram ambos que o melhor percurso era... ir de taxi. Fomos a pé, tendo que atravessar a correr as vias-rápidas que se aparecem na foto.

O centro de Brasília é uma cidade horrível, sem carisma, sem personalidade. Não há ninguém nas ruas. Não vi uma única loja de rua, apenas centros comerciais. É o resultado do urbanismo centrado no automóvel, vigente nos anos 50 e 60, e que ainda perdura na cabeça de muita gente.

 


A Carbusters (revista da World Carfree Network) tem agora uma versão online. Quem o notícia é o blogue Carfree Blogosphere, também associado à WCN.

Já agora, a WCN também está a sofrer da crise e pediu ajuda financeira. Assinem a revista, que vale a pena.

Auto-estradas Urbanas

TMC, 07.12.09

Uma das consequências mais danosas da implementação maciça do automóvel nas cidades foi a reorientação do planeamento das estruturas de acordo com a sua lógica; uma reorientação que sacrificou muitos dos outros elementos da cidade, nomeadamente o peão e o espaço público.

 

Toda a potencialidade que um determinado terreno tem para assumir uma função, seja um jardim, um parque, um bairro habitacional, comércio, escolas, etc é reduzida apenas a uma função quando se constrói. Voltar atrás é muito difícil porque na cidade não se apaga uma estrutura como se apaga uma assinatura. Mas enquanto se assumir que é legítimo obedecer à necessidade voraz de espaço do automóvel, não questionamos que a potencialidade de um espaço seja frequentemente redireccionada para novas estradas.

 

O ciclo perpetua-se da seguinte maneira: 1) criam-se vias para os automóveis poderem circular 2) facilita-se a aquisição e a guarita do automóvel, através de fiscalização inadequada e de estacionamento quase gratuito 3) numa certa escala de tempo as vias entopem e não escoam 3) obedece-se à procura, mantendo-se a ilusão que automóvel éé sempre sinónimo de ganho de tempo através da velocidade e, voilá, 1) outra vez

 

Já o quase esquecimento do peão é, quanto a mim, muito mais misterioso porque é a forma mais básica de locomoção do ser humano. Andar a pé é inevitável e embora alguns sonhos do urbanismo moderno imaginassem a vida no futuro equivalendo a cidade a um gigantesco drive-in, a medida da negligência do peão nas nossas estruturas só demonstra o quão infecciosa é hoje a presença do automóvel na cabeça dos que planeiam as cidades.

 

Esta negligência do andar a pé está hoje presente nas ditas auto-estradas urbanas: estruturas híbridas e monstruosas que rasgam o tecido urbano, já de si caótico; não são estradas nem avenidas, são apenas um erro crasso de planeamento e a vontade de continuar o paradigma da velocidade: se há congestionamento, criem-se mais acessos, para lá de tudo o que existe e servindo apenas e só o automóvel. 

 

Um exemplo, tirado do blogue Discovering Urbanism e que é delicioso porque mostra precisamente a tal inevitabilidade do andar a pé. A cidade é Brasília, o planeamento é muito moderno mas, teimosamente, lá surge o peão, esse rebelde e que teima em caminhar e criar os seus próprios trilhos, para lá daqueles delineados para o automóvel. A ilusão da velocidade promove o esquecimento do corpo mas é impossível desligarmo-nos dele.

 

 

 

Um peão que circule ao lado das velocidades permitidas aos automóveis nas vias principais não tem uma percepção favorável da sua segurança nem as condições necessárias para andar. Mesmo que seja esse o melhor caminho entre dois pontos e para as suas escolhas de locomoção (o automóvel não é universal).

 

 


Qual é a maneira mais simples  e elegante de criar, simultaneamente, barreiras anti-ruído, ar mais saudável, clima de proximidade e ainda desacelaração de tráfego? Será um sistema inteligente em tempo real geo-referenciado ou qualquer outra parafernália tecnológica? Árvores. Muitas. Uma distância não são dois pontos, é também o preenchimento dos intervalos.

Só mais um carro

TMC, 02.12.09

Continuando a ideia de identificação da posse de automóvel com a riqueza do comprador, eis que nos chega mais uma imagem "pensada" por alguém algures num certo departamento de marketing da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

 

Porque é a publicidade é importante? Decertp não é pelas cores ou pela sua contribuição para a economia (afinal nós precisamos mesmo de comprar tudo aquilo que ela nos recomenda, apesar de não o sabermos) mas porque assinala todas aquelas premissas e tendências não questionadas presentes na sociedade, que de tão tácitas correm sem qualquer crítica.

 

Ora, eu já noto uma mudança ligeira quanto ao uso do carro, pelo menos a nível dos discursos. A questão da extrema necessidade de ter um carro em meio urbano parece-me mais ou menos descontruída, ou em vias disso.

 

Bom, o irónico é a dita cuja estar num transporte público. Ei-la:

 

 

Como diz e bem o Miguel Cabeça, autor da foto:

 

Uma publicidade aos jogos da Santa Casa da Misericórdia em que aparece a palavra AUTOCARRO, e em cima do AUTO um bilhete da lotaria, deixando o resultado: CARRO :-) Mais um perpetuar da ideia de que os autocarros, bem como os transportes públicos são para adolescentes, velhos e pobres, e que o que é óptimo é ganhar a lotaria para poder comprar o carro e deixar de andar nestes transportes "degradantes". Eu até percebo a ideia de aproveitar o meio para adaptar a publicidade, como também sei que a publicidade não é da Carris, mas é nos autocarros da Carris que estão afixados. Tiro no pé?

 


A ver: o programa bioesfera centrou-se na qualidade do ambiente urbano. No começo do programa dá-se um grande destaque aos efeitos perniciosos do uso generalizado do automóvel nas cidades. Se há reconhecimento académico dos seus efeitos nocivos, porquê ainda o presente estado de coisas?

 


A FPCUB, em parceria com a Carris (a empresa que permite publicidade enganosa a automóveis enquanto adoptando o programa Menos Um Carro) desenvolveu uma proposta para acalmar o tráfego da capital. Daí resultou a Carta Ciclável de Lisboa. Podem sacá-la daqui.

A cidade como corpo (II)

TMC, 24.10.09

A metáfora que encara a cidade como corpo tem várias qualidades interpretativas. Para além do mais, não devemos só apreciar o seu valor metafórico; uma cidade deve ser, tanto quanto possível, um corpo, nomeadamente, um corpo orgânico.

 

E porquê? Um corpo orgânico tem unidade; as suas partes não são completamente autónomas, antes necessitam de colaborar para que o conjunto possa funcionar; um corpo não é apenas o conjunto dos seus orgãos, das suas partes, mas sim uma certa maneira destes funcionarem. Uma qualquer maleita  é rapidamente restaurada localmente enquanto que um dano mais grave numa certa parte pode, de facto, afectar todo o corpo, torná-lo doente.

 

(clique na opção Ver imagem do FireFox para ver maior - talvez o maior nó rodoviário do país; o planeamento não existe: o que há é uma camada de estruturas adicionadas a outras em diferentes momentos: agrícola urbana, rodoviária, eléctrica: os interstícios sem uso e função assinalam este modo de construír)

 

Ora, as nossas cidades, no seu desenvolvimento, assemelham-se a tudo menos a um corpo. Ameaçam tornar-se numa amálgama disforme de partes sem qualquer conexão, um conjunto híbrido sem identidade; são apenas um amontoado de pessoas, de prédios, de vias de ligação. Ao chamarmos-lhes cidades pressupõe-se de imediato a sua unidade (porque agregamos tudo isso num substantivo), mas, como atestam os conflitos entre peões e automóveis e a dispersão urbana, as cidades s parecem ser mais modos descontrolados de crescimento de certas partes de um conjunto de coincidências espaciais.

 

As nossas cidades não funcionam como corpo porque não cresceram num sentido natural: os seus constituinte têm sido construídos de modo avulso. As cidades estão doentes. E tal como não existe um único médico que trate de todas as maleitas de um corpo, dada a sua complexidade, não devemos relegar para as autarquias a elaboração de um plano geral que simultaneamente diagnostique e restaure a saúde da cidade. 

 

(clique na opção Ver imagem do FireFox para ver maior; a famigerada Praça de Espanha, um corpo estranho entre bairros residenciais; talvez esta aberração queira compensar a existência nas proximidades do excelente jardim da Gulbenkian?)

 

Até porque os urbanistas, arquitectos e responsáveis pelo planeamento, qual corpo médico urbano, têm por hábito a cura de algumas partes como se estivessem desligadas das outras. Isso é totalmente inadmissível. No caso humano, seriam acusados imediatamente de negligência e falta de profissionalismo - por óbvio desconhecimento da anatomia do corpo - mas na cidade, a omissão e o esquecimento de outros constituintes é o que ocorre com mais frequência. Porquê?

 

A minha opinião é que, tal como um indivíduo não é só a sua mente, também a cidade não pode ser a sua autarquia, o seu corpo dirigente. Há problemas que têm de ser resolvidos e sarados pelo próprio corpo e sem a necessidade de intervenção da mente: uma ferida cicratiza--se sozinha, sem a nossa intenção. Ao mesmo tempo, a autarquia deverá saber quais as partes da cidade a tratar porque, tal como num corpo, a sua pele, o seu sistema nervoso, lhe comunica as respectivas necessidades.

 

(clique na opção Ver imagem do FireFox para ver maior; Lumiar, Lisboa, séc. .XXI: haverá alguma fotografia que denuncie maior amálgama urbana do que esta? É praticamente possível a um leigo fazer a arqueologia dos seus constituintes)

 

Seguindo esta metáfora, se os cidadãos são realmente a pele da cidade, o que há, hoje em dia, é um entorpecimento, uma autêntica anestesia geral; ao mesmo tempo, se as cirurgias urbanas se limitarem a obras desligadas do contexto, o que aparecem são baldios, guetos, não-lugares, espaços com apenas uma  de várias modalidades possíveis - um corpo não tem constituintes supérfluos, as nossas cidades primam pelo desperdício. À irresponsabilidade dos urbanistas segue-se a despreocupação e o alheamento dos cidadãos. O seu espaço é unicamente o privado e qualquer problema público é relegado em exclusivo para a junta de freguesia ou para a edilidade.

 

 (clique na opção Ver imagem do FireFox para ver maior; Av. Conde Valbom: um bom e raro exemplo em que a parte (tal como um orgão serve o corpo) - existe mas servindo toda a cidade: os automóveis podem circular mas, tal como o piso indica, não há separação entre o espaço dos peões e o espaço dos veículos a motor; há arborização, esplanadas, bancos para relaxar, comércio: estaremos mesmo em Lisboa?)

A cidade como corpo (I)

TMC, 20.10.09

Eis outra notícia que assinala a incompetência e falta de preparação dos responsáveis pela rede rodoviária nacional. O Observatório de Segurança de Estradas e Cidades assinala que a própria formação em engenharia civil não salvaguarda todas as considerações para de segurança nas estradas, nomeadamente no fenómeno conhecido como hidroplanagem.

 

Isto corresponde à minha ideia de que a sinistralidade rodoviária não se deve apenas a hipotéticas distracções humanas ou  a esporádicas transgressões do código da estrada. Não estou a argumentar no sentido de que o desenho e o planeamento urbano condicionam totalmente os automobilistas e os peões ao ponto de não ser possível a atribuição de imputabilidade; mas sem dúvida que a própria estrutura física influencia o comportamento.

 

Ora, quem projecta, elide e delimita as nossas estradas, passeios e edifícios tem uma tremenda responsabilidade: o planeamento urbano deve orientar-se não só pela natureza dos constituintes móveis da cidade mas sobretudo pela natureza das relações que esses constituintes manterão entre si. Se um automóvel é por natureza um veículo que pesa algumas toneladas, alcança velocidades vertiginosas (a base compativa de velocidades deve ser sempre a humana) e o peão é por natureza indisciplinado no sentido que tem muito mais mobilidade - reparem como os automóveis só vão onde as estradas os deixam e segundo o que o código da estrada permite, ao invés que o peão vai onde quer - qualquer modificação na estrutura física da cidade terá de ter estas características em conta.

 

Se as ruas, os passeios e as praças forem projectadas tendo em conta apenas a natureza de um elemento móvel e não a relação entre os vários elementos móveis, o que acontece é a segregação de uns através do domínio de outros. É o que observamos nas nossas cidades:

 

- avenidas cuja largura e linearidade convidam a altas velocidades

- passeios diminutos que mesmo assim são galgados

- sacrífico generalizado do espaço público ao espaço automóvel

- domesticação da liberdade pedonal a guetos de atravessamento (também conhecidos por passadeiras)

- falta de arborização: quem está debaixo de um tejadilho metálico já tem sombra; ao mesmo tempo, as árvores na cidade são dissuassoras de altas velocidades para além dos seus inúmeros efeitos benéficos

- os buracos nos passeios, os baldios e jardins abandonados precisam de anos de denúncias para serem restaurados; os buracos nas estradas depois de uma chuvada são arranjados em poucos dias

 

Estes são os aspectos mais passivos de um planeamento conceptualmente segregador; a interacção física propriamente dita entre os vários modos, quando ocorre, resulta invariavelmente no prejuízo do elemento mais frágil; e entre a morte e o bem-estar há muitos graus de insegurança e incomodidade. Os acidentes não ocorrem apenas devido ao desleixo dos intervenientes; antes, são proporcionados pela sobreposição deficiente da estruturas dos nós rodoviários à estrutura pedonal, uma sobreposição que tomou em conta apenas a natureza de um dos intervenientes.

 

Alguns breves apontamentos

TMC, 13.09.09

Para qualquer comportamento na sociedade, há indicadores que nos dizem quais as tendências que orientam a sua frequência. Sabemos que o uso generalizado do automóvel prejudica a sociedade como um todo apesar de cada utilizador individual não ter essa percepção. Há por isso duas estratégias para limitar o uso do automóvel:

 

- educar

- taxar

 

Estamos a falar de inculcar hábitos e comportamentos. Eu sou céptico em relação à primeira mas a longo prazo é talvez a aposta mais segura; sou mais adepto do uso restrito através de taxas e impostos à circulação e estacionamento. No fundo, estou a dizer que acredito mais que as pessoas modificam os seus comportamentos se isso lhes afectar a carteira do que por solidariedade ou considerações éticas. A segunda medida não acontece muitas vezes porque é impopular, especialmente num país onde o automóvel é todo um estilo de vida e onde os seus custos actuais não reflectem os custos reais.

 

Mas podemos simular os efeitos de uma política fiscal analisando o período de subida dos combustíveis e comparar as opções de mobilidade das pessoas. Na minha interpretação, o JN fez isso usando o período de crescimento dos combustíveis como uma espécie de lei fiscal momentânea; creio que os dados corroboram o que disse. Se queremos uma sociedade menos dependente dos automóveis temos de reflectir nas leis fiscais o seu custo real e não os custos do utilizador.

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O título da notícia é enganadora mas se a lerem poderão saber algumas das vantagens para o utilizador que viajar de comboio proporciona. Normalmente associamos comodista a alguém mandrião que não quer fazer nada; no caso da notícia está associada à comodidade e conforto que uma viagem de comboio traz.

 

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Se há um acidente rodoviário num determinado local, atribuímos a causa a pelo menos um dos condutores. Se, contudo, esse dado local, começa a ter um historial de acidentes rodoviários, começamos a suspeitar. Lisboa tem 29 zonas mal desenhadas. Gostava de ver a mesma análise do ponto de vista do peão. Só mais uma prova de que a escolha de um modo de mobilidade é condicionada pelo próprio desenho urbano. Os arquitectos e urbanistas são quem escrevem o tecido citadino e se forem analfabetos, bem, acontecem situações como a Praça de Espanha.

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No reino dos transportes públicos da área metropolitana de Lisboa, as várias capelinhas souberam dividir para reinar. O resultado é uma completa desarticulação complementada com birras e casmurrices gananciosas. Dizer o óbvio fica bem mas não resolve nada.