A primeira cidade sustentável e inteligente da Europa?
Portugal vai ter em Paredes a primeira cidade sustentável e inteligente da Europa. Vai?
Segundo a imprensa, é o caso. Terá o DN ido a reboque do empolamento necessário a este tipo de eventos e criado pelos assessores das empresas promotoras? Aparentemente, não há razões explícitas que digam porque será a futura cidade "sustentável e inteligente". No jornal i, parece haver contudo algumas razões:
[...] a multinacional prevê desenvolver milhões de sensores para esta cidade inteligente, um projecto único no mundo. É aquilo a que chama de "smart connected communities". "O que teremos é a próxima geração da internet, que é a internet das coisas e teremos tudo interconectado"
Nesta cidade haverá informação em rede e toda a comunidade estará ligada em tempo real. E deu um exemplo: "Poderemos ter um médico por telepresença e isso também é melhorar a qualidade de vida das pessoas."
Atenção. Não estou contra este investimento. Os números são ambiciosos e prometedores: 12 mil empresas, 20 mil empregos, um investimento até 2015 de 10 mil milhões de euros e um modelo de negócio integrado que pode vir a significar 5% do PIB.
O que questiono é a relativa e imediata equivalência com que o assunto é mediatizado e a habitual confusão entre tecnologia moderna e "inteligência" de cidades ou de outros artefactos.
Uma cidade não precisa de ser criada de raiz para ser inteligente. Tampouco de uma febre tecnológica que a conduza a melhores destinos. Nem a reconstrução de algumas das suas partes, por ser mais recente, implica mais inteligência e sustentabilidade. Pelo contrário. Foi precisamente a trapalhada da construção de subúrbios desagregados e da sua conectividade à cidade já existente que tornaram Lisboa e Porto pouco sustentáveis e inteligentes. Foi a incúria de arquitectos e urbanistas que criaram uma cultura de residências e edifícios sem qualquer sustentabilidade e respeito pelos usos do espaço. Temos a ideia habitual de que na história humana acumulamos mais conhecimento ao longo dos anos, o que não deixa de ser verdade. Mas esse conhecimento, usado para a resolução de problemas, aumenta por sua vez a magnitude e a complexidade dos problemas criados pela introdução das novas soluções, que nunca são definitivas.
O que estou a tentar dizer é que já existem soluções para tornar as cidades mais sustentáveis e inteligentes. Não tenho nada contra a tecnologia mas acho excessivo estarmos sempre a usá-la como se fosse uma panaceia para todos os males do mundo. Não é e não faz sentido estarmos a esperar apenas por mais soluções tecnológicas para os problemas actuais.
Concretizando:
- A arquitectura bioclimática é hoje uma das soluções arquitectónicas que se baseia no enquadramento do edifício com o lugar e as redondezas. Este nome pomposo é só um chavão para aquilo que os nossos antepassados, por serem obrigados a usarem os recursos da melhor maneira possível, usavam nas suas casas. Um exemplo simples são as portadas das janelas das casas alentejanas, cuja cor, estrutura e materiais permitem uma gestão da temperatura consoante a época do ano. Hoje constrói-se à toa e os problemas de clima interior são remediados pelo ar condicionado. Ver, a este respeito, a comunicação sobre Arquitectura Tradicional e Sustentabilidade.
- O bairro de Vauban em Freiburg, Alemanha, é livre de carros. Ver aqui imagens e aqui um testemunho. Isto porque a sua estrutura, compacta, também proporciona a rejeição do automóvel. As lojas de bens essenciais estão perto, não havendo por isso a necessidade de criar deslocações desnecessárias a centros comerciais. Tudo isto é...inteligente e exequível sem tecnologias impossíveis ou onerosas. E no entanto, em Portugal os subúrbios expandem-se na dependência do automóvel e dos seus centros históricos com tectos. O estacionamento é com frequência gratuito ou muito barato.