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Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

Menos Um Carro

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Requiem por uma pistola

TMC, 16.02.11

Quando estava a tirar a carta de condução, um dos meus professores disse o seguinte durante uma aula de código:

 

Vocês não estão a tirar uma licença de condução. Estão a tirar uma licença de porte de arma.

  

A brutalidade de um acidente de viação, visto ou vivido, lembra-nos o que o conforto da cabine do carro vai paulatinamente apagando: uma tonelada e meia a 50km/h ou mais tem efeitos mortíferos. A responsabilidade de um condutor perante a própria vida e a vida dos outros é enorme. Perante tanta publicidade automóvel na imprensa, nas rádios e nas televisões, deveria haver uma quota parte de prevenção rodoviária: metade a cada campo (ou, como já defendi, que se banisse a publicidade automóvel, como a do tabaco); os vendedores seduzem-nos para as curvas e velocidades; o estado alertar-nos-ia para o efeito da sinistralidade, e de forma violenta e chocante. Porque é essa a realidade: vidas acabadas subitamente e de forma absurda, cadeiras de rodas e mazelas emocionais que já não deixarão as vítimas e uma justiça complacente.

 

Não sei se é a própria língua portuguesa que contribui para o alheamento da responsabilidade dos condutores. Parece que por chamarmos acidente ao facto de um autómovel embater com outro ou com um peão tornamos a situação acidental. Se eu guiar um carro, posso controlar a probabilidade da ocorrência de acidentes através de uma condução defensiva. Devo ser incitado a fazê-lo e penalizado se não o fizer. Não há nada de acidental na ocorrência de um acidente se eu conduzir de maneira desleixada. Não há como desculpar o condutor porque ele controla, como ser humano com livre arbítrio, as probabilidades de ocorrência de acidentes violentos.

 

No actual estado de coisas, não é assim que acontece. Se quiserem matar alguém, usem um carro. Sairão ilesos. Mesmo que tenham guiado a 100km/h dentro de uma cidade. Mesmo que tenham vindo de uma festa. Mesmo que tenham morto duas pessoas inocentes.


Na quinta-feira, no centro social do Regueirão dos Anjos em Lisboa pelas 20h, haverá um jantar vegetariano com o apoio do GAIA, seguido de uma mostra de filmes sobre bicicletas e intervenções no espaço público.

 

 

E no Domingo pelas 15h (o cartaz diz 17h mas podem e devem aparecer antes) a ciclo-oficina de Lisboa muda-se para o mesmo espaço, onde estará abrigada do previsível mau tempo. É divulgar e aparecer para um serão ou uma tarde bem passadas!

 

 

Acerca das revistas portuguesas

TMC, 09.02.11

Todas as revistas portuguesas são revistas pornográficas. São pornográficas porque instigam no leitor o desejo por objectos que ele realmente não necessita, enquanto adornando (e por isso iludindo) esses objectos como desejáveis: as suas imagens são promessas de prazer, sucesso e estatuto imediatos à distância de um pedido de crédito. Muitos destas vítimas julgam-se modernos mas incorrem no mesmo gesto dos povos primitivos: ter um símbolo da coisa é ter a própria coisa.

 

O que as revistas realmente vendem são imagens, mascaradas por palavras. Por outro lado, quando o leitor compra publicidade automóvel, tem também tem a sorte de ler notícias e artigos sobre a actualidade política, artística e científica.

 

Como os portugueses já provaram serem incapazes de se protegerem voluntariamente contra esta infecção, a publicidade automóvel, tal como a do tabaco, deve ser banida. Se isso implicar o fim do finaciamento de revistas sobre política, arte e ciência, paciência. Há bibliotecas cheias de livros que nunca ninguém leu.

Radares

TMC, 20.04.10

 

Quando surgiram, os radares foram apelidados de, e cito de memória, um “atentado aos direitos dos condutores”, uma “caça à multa” e outros protestos quejandos, vindos de um grupo de pessoas que, não sendo automobilista profissional, pretendia fazer finca-pé dessa regalia de usar algumas ruas de Lisboa e Porto como pistas para os bólides. Uns protestaram porque achavam tudo muito natural, outros, mais temerários, até se atreveram a falar em ganhos ou perdas de tempo e até de produtividade. Enfim. Compreende-se este alarido. Para o curioso, não deixa de ser extremamente irónico haver um grupo de pessoas dispostas a perder tempo a defender os direitos dos automóveis. Mas não é assim tão simples.

 

Os resultados até são indesmentivelmente positivos. O efeito psicológico do número 50, envolto numa auréola vermelha lembra esse limite que, no velocímetro, está logo no princípio da escala. 50km/h. É esse, afinal, o limite previsto pelo código da estrada e que tem razão de ser: a partir dessa velocidade, um impacto entre peões e automóveis é quase uma garantia de morte certa para um deles e de pena suspensa ou ilibação para o outro. Há, assim, uma prevenção de segurança por precaução das velocidades praticadas; e os próprios números de sinistralidade, segundo a Polícia Municipal, têm diminuído.

 

Não deixa de parecer absurdo, porém, ao automobilista comum, que o seu bólide, marcando velocidades até, pelo menos, os 120km/h (o limite nas auto-estradas) tenha que se restringir a essa mísera meta de 50km/h nas cidades. Uma miséria. Não se compreende. Se o código da estrada apresenta limites de 50km/h para as localidades e de 120km/h para as auto-estradas – o percurso comum do automobilista comum que reside num subúrbio – porque teriam as empresas construtoras de automóveis construído motores que permitem ultrapassar esses limites sem dificuldades? Porque somos constantemente bombardeados com a potencial rapidez e robustez dos automóveis, escarrapachada de forma quase pornográfica em anúncios de rádio, televisão e revistas?

 

 

Estremunhado, na cama, é frequente ouvir da rádio um anúncio da Autoridade para a Segurança Rodoviária com gritos e música melancólica, logo seguido de outro apelando o leitor a comprar um carro e das respectivas características.

 

Mas os absurdos não acabam aqui e, para mim, nem são sequer os mais graves. Não sei qual dos fenómenos foi responsável pelo outro; desconfio até que sejam mutuamente originantes. Basta olhar para as estradas em que foram colocados os radares. São largas, desérticas, de pelo menos duas faixas em cada sentido, sem edificado e algumas até têm um ou outro peão, que se aventura num ambiente que não é o seu. São autênticas auto-estradas urbanas que rasgam a cidade. Perante este tipo de estrutura, como não acelerar para além de 50km/h?

 

 

Foram os urbanistas que também permitiram, através da forma dada à cidade, que os condutores tenham essa prática espontânea de acelerarem acima do limite legal. As estradas com radares são hoje elementos estranhos ao seu tecido e que foram construídas com o propósito de satisfazer os paradigmas de velocidade e poupança de tempo. Paradigmas falsos.

 

Medidas avulsas como os radares são bem-vindas mas devemos recordar-nos que são remendos possíveis no erro crasso de origem. Como alguém que tendo começado a construir a casa em areias movediças acha que tem de mudar a cor das paredes.

Só mais um carro

TMC, 02.12.09

Continuando a ideia de identificação da posse de automóvel com a riqueza do comprador, eis que nos chega mais uma imagem "pensada" por alguém algures num certo departamento de marketing da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

 

Porque é a publicidade é importante? Decertp não é pelas cores ou pela sua contribuição para a economia (afinal nós precisamos mesmo de comprar tudo aquilo que ela nos recomenda, apesar de não o sabermos) mas porque assinala todas aquelas premissas e tendências não questionadas presentes na sociedade, que de tão tácitas correm sem qualquer crítica.

 

Ora, eu já noto uma mudança ligeira quanto ao uso do carro, pelo menos a nível dos discursos. A questão da extrema necessidade de ter um carro em meio urbano parece-me mais ou menos descontruída, ou em vias disso.

 

Bom, o irónico é a dita cuja estar num transporte público. Ei-la:

 

 

Como diz e bem o Miguel Cabeça, autor da foto:

 

Uma publicidade aos jogos da Santa Casa da Misericórdia em que aparece a palavra AUTOCARRO, e em cima do AUTO um bilhete da lotaria, deixando o resultado: CARRO :-) Mais um perpetuar da ideia de que os autocarros, bem como os transportes públicos são para adolescentes, velhos e pobres, e que o que é óptimo é ganhar a lotaria para poder comprar o carro e deixar de andar nestes transportes "degradantes". Eu até percebo a ideia de aproveitar o meio para adaptar a publicidade, como também sei que a publicidade não é da Carris, mas é nos autocarros da Carris que estão afixados. Tiro no pé?

 


A ver: o programa bioesfera centrou-se na qualidade do ambiente urbano. No começo do programa dá-se um grande destaque aos efeitos perniciosos do uso generalizado do automóvel nas cidades. Se há reconhecimento académico dos seus efeitos nocivos, porquê ainda o presente estado de coisas?

 


A FPCUB, em parceria com a Carris (a empresa que permite publicidade enganosa a automóveis enquanto adoptando o programa Menos Um Carro) desenvolveu uma proposta para acalmar o tráfego da capital. Daí resultou a Carta Ciclável de Lisboa. Podem sacá-la daqui.

O sonho que nos venderam!

António C., 21.08.09

Neste fabuloso anúncio que já tem uns anos, pode-se ver a forma como nos foi estimulado o desejo pelo automóvel.

 

Nomeadamente este Citroen Dyane, com o argumento que precisaria de abastecer menos vezes. Um verdadeiro avô do GreenWashing!!

 

 

Gosto especialmente quando o carro passa pela paragem cheia de gente e o garoto faz um espectacular "nhanhanhahanaha" a todos os que esperam na paragem!

 

Isto foi na altura em que Lisboa tinha parques suficientes no centro, em plena praça dos restauradores, como se pode ver aqui:

 

Claro que hoje em dia esta praça tem muito mais lugares, nomeadamente no parque subterrâneo, mas o director creativo da campanha de então deve muito provavelmente passar as manhas nos dias de hoje em cruzamentos semelhantes a este:

 

 

Esta é a realização do sonho que a publicidade automóvel nos vendeu.

Greenwash descarado

MC, 28.06.08

"Para uma condução amiga do ambiente"

 

Que não se subestime a indústria automóvel na sua capacidade de dourar a pílula, de pintar de verde o que não o é, o chamado greenwash.  E são bem eficazes (excepto na Noruega, claro). Ainda há uns tempos num restaurante ouvia uma miúda, com os seus 16 anos, insistentemente a tentar convencer, com espírito evangelista, o pai a comprar um híbrido para o mano mais velho que, como bom jovem português, ia merecer o seu primeiro carro aos 18 ou 19 anos. Ela falava no híbrido como se dum tipo de carro totalmente à parte se tratasse.

 

Ironicamente a fotografia foi tirada numa estação de comboio em Berlim...

A Janela da Vizinha

MC, 26.05.08

Viver numa rua movimentada é estar condenado a sermos constantemente, 24h sobre 24h, a ser incomodados em casa sem o pedirmos. Um forte zumbido constante apimentado com agradáveis e frequentes buzinadelas (proibidas mas nunca penalizadas) e para os mais sortudos com uma buzinadela contínua de 5 minutos, quando alguém estacionou em segunda fila. É termos que aturar um barulho tremendo que não nos deixa descansar, ver a televisão sossegados e que causa em muitos problemas de concentração e ansiedade. A minha vizinha de baixo não se quis sujeitar a isto e teve que pagar 1400 euros para isolar minimamente o som com janelas duplas... apenas 3 salários mínimos. Agora multipliquem isto por todas as casas em todas as ruas movimentadas do país.

Estamos perante um caso em que a vítima é claramente quem acarreta com todas as consequências de um acto provocado por um anónimo, que passa totalmente incólume. É como ser obrigado a insonorizar a casa porque o vizinho organiza concertos às 3 da manhã, pagar o arranjo do  nosso carro quando estávamos parados e levámos com um outro em cima.

 

E aqui fica mais uma razão para portagens urbanas e parquímetros. Porque convidam a não usar o carro na cidade e permitem ao mesmo tempo que quem sofre seja indirectamente compensada, porque a câmara pode baixar outros impostos.

 


Notícia recomendada: a UE quer forçar a publicidade automóvel a ser mais explícita na informação sobre o consumo e as emissões de cada automóvel, e a usar slogans menos agressivos. Os Friends of the Earth alertam que desde 1999 que há uma directiva europeia que obriga a que esta informação esteja bem explícita (uma recomendação de 2007 aponta para 20% do espaço do anúncio), mas a indústria automóvel  voltou a desrespeitar mais esta norma. Esta associação tem uma campanha para denunciar este incumprimento (tendo já conseguido uma condenação na Bélgica), apelando a todos europeus que lhes enviem anúncios onde isto aconteça.