Hoje fiquei a saber que a 73ª volta a Portugal acabará em Lisboa, no dia 15 de Agosto. Apoiando o evento, a Câmara Municipal de Lisboa aproveita a página da volta para acrescentar o seguinte:
'LISBOA, BICICLETA E MOÇA...'
Ao associar-se ao maior evento velocipédico competitivo em Portugal, a Câmara Municipal de Lisboa continua a apostar na cultura da bicicleta nas suas mais diversas expressões. As duas rodas a pedal são cada vez mais parte da vida da cidade, agora com mais pistas cicláveis e adeptos deste meio de transporte e de lazer. A bicicleta já não é encarada apenas como instrumento de utilização lúdica ou recreativa, mas como um meio de transporte competitivo, individual e não poluente, tendo vindo a impor-se como alternativa ao transporte particular e um complemento ao transporte público, em percursos de curta distância.
Lisboa está mais ciclável do que nunca com o alargamento da rede de pistas e corredores. São 44 quilómetros cicláveis em segurança distribuídos entre a zona ribeirinha e as áreas e parques urbanos. Nesta política integrada de mobilidade sustentável, o município oferece 40 novos locais de estacionamento. Com capacidade para mais de 300 bicicletas, os parques são públicos e assumem localizam-se em pontos estratégicos da cidade (mercados, espaços culturais, zonas comerciais, interfaces de transportes públicos, parques urbanos).
É verdade que a câmara de Lisboa tem, nos últimos anos, favorecido a empresa de construção de estruturas para bicicletas, como ciclovias, estacionamentos e sinalética. Ninguém contesta isso. Só que infelizmente também ninguém contesta que uma câmara em que 70% do orçamento vai para a resolução de problemas associados ao tráfego rodoviário tenha interrompido o investimento em estruturas cicláveis, sistema de bicicletas partilhado, faixas BUS+BICI e acalmia de tráfego. Parece que quem apoia as bicicletas na câmara aproveita estas ocasiões para substanciar a sua posição com palavras, na ausência de acções concretas. Parece-me até que a empresa municipal que mais tem contribuído para o favorecimento do aumento do número de ciclistas é a EMEL, pois as suas novas políticas de estacionamento terão o efeito de inculcar nos condutores o uso complementar dos transportes públicos ou o desperdício que é trazer o carro para a baixa lisboeta.
O número de ciclistas em Lisboa aumentou, é um dado empírico; mas o número terá aumentado por diversos motivos: aumento do preço dos combustíveis rodoviários e do estacionamento, escolhas éticas ligadas ao ambiente, mudança de paradigmas de vida, aumento do número de empresas associadas à bicicleta, et. A aposta na cultura da bicicleta favorece, claro está, que "as duas rodas a pedal sejam cada vez mais parte da vida da cidade", mas não esqueçamos que não existem números para suportar que essa ajuda deriva exclusivamente das parcas mas significativas ajudas da câmara. E não sabemos se os novos ciclistas apareceram por influência pessoal de amigos ou se por abrirem um dia a janela descobrirem que havia uma pista ciclável à sua porta.
Assim de repente, existem inúmeras associações e voluntários anónimos que têm tido um papel tão ou mais preponderante que a câmara; em boa parte, são eles que mostram todos os dias aos lisboetas que é possível andar de bicicleta em Lisboa. São o apoio vivo das políticas da bicicleta, aquilo que vai justificando as acções da câmara.
A página da volta também está cheia de supresas. A ver se é este ano que consigo assistir à chegada em esforço ao alto do monte da Nossa Senhora da Graça: é já no dia 4 de Agosto.
Outra surpresa é a seguinte e útil imagem (carregar em Ver Imagem para ver maior; se tiver o Internet Explorer, arranje outro):
Porque é que a imagem é importante?
Porque numa época em que cada vez mais pessoas andam de bicicleta, torna fácil e pedagógica a lembrança dos termos (palavras) portugueses para as componentes da bicicleta. O Ricardo Sobral disse-me numa ocasião que uma razão para que a mesma componente tivesse termos diferentes deve-se às mudanças de popularidade que as várias modalidades de bicicleta vão tendo. Um termo de ciclismo de montanha poderia não corresponder ao termo de ciclismo de estrada. Descrever a história do ciclismo em Portugal é também observar a mudança no léxico dos componentes. Uns terão desaparecido, outros vingado. A língua tem camadas e podemos fazer arqueologia com ela. O critério de uso, creio, é sermos criativos e respeitarmos os criadores originais dos vocábulos.
Por exemplo, o termo 2; eu uso sempre garfo. Forqueta parece-me derivar do francês, mas posso estar errado. O termo 6: há quem use cassete, mas já ouvi o termo bastante original de pinhão (aqui o termo terá derivado da analogia com uma pinha, digo eu!).
O erro no termo 26 é flagrante; crenque é a importação de "crank". Já ouvi roda pedaleira e braço pedaleiro para o objecto. Se ninguém contestar o uso corrente de "crenque" acabamos por perder a oportunidade criativa de criar o nosso próprio termo, até que o seu uso familiar no dia-a-dia pareça tão natural como é hoje dizer-se "turismo" (do francês ou inglês "tour", semelhante ao nosso passeio, veraneio, périplo). Porque se doravante usarmos muitas vezes "crenque" ou "marketing" ou "bike buddy", acabamos por habituarmo-nos à "naturalidade" do seu uso, preterindo o enriquecimento da nossa própria língua. Embora se fale de bicicletas, este assunto é bastante sério, porque diz respeito a qualquer área do conhecimento.
Se houver termos com os quais os leitores não concordem, ou dos quais saibam a origem ou a justificação de uso, agradeço informação.
É o uso que faz com que as palavras nasçam. Se mais pessoas andarem de bicicleta, muitas mais recorrerão ao seu arranjo e manutenção; logo, a frequência destes termos ficará mais enraizada no vocabulário de todos. O projecto da cicloficina dos Anjos de construir um manual pedagógico de arranjo e manutenção de bicicletas vai nesse sentido.
A ver: um artigo certeiro de Henrique Pereira dos Santos a propósito da crise, das portagens na ponte 25 de Abril e das birras de alguns.