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Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

Menos Um Carro

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Peão, cidadão de terceira

MC, 23.07.20

https://pbs.twimg.com/media/EdisETbXsAEX3OM?format=jpg&name=small

Cruzamento da Av Eua com a Av Roma, dizem que é uma zona nobre e central de Lisboa. Um carro aqui *nunca* tem de esperar por mais que um semáforo para atravessar. Uma pessoa pode chegar a esperar por seis; por quatro passa sempre. Quem desenhou assim a cidade, está a dizer ao peão "o teu tempo é me indiferente comparado com o do carro", "és um cidadão de terceira", "se não quisesses esperar, que andasses de carro".

E as pessoas obedecem, fugindo dali!

Com as passadeiras são 8 travessias que um peão faz num único cruzamento. Isto funciona como uma barreira invisível, mas bem real, para as pessoas. Apesar do muito comércio e habitação da zona, vê-se um décimo do que haveria se a cidade fosse desenhada para as pessoas.

Isto é tão comum nas nossas cidades, e feito de tantas formas, que duvido que alguém que passe ali, repare nesta injustiça E se o houver, deve encolher os ombros e pensar que o carro como máxima prioridade é a ordem natural das coisas

Acalmia de Tráfego na Abade Faria em Lisboa

MC, 27.01.20
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Todas as ruas secundárias deveria começar e acabar como a Rua Abade Faria em Lisboa
1. É o carro que tem de galgar o passeio para circular, em vez de ser o peão a atravessar o alcatrão. É mais confortável para o peão, e obriga o carro a abrandar.
2. O piso no cruzamento é calçada e não alcatrão, transmitindo a ideia que aquele espaço é do peão e não do carro.
3. O percurso do carro antes do cruzamento é apertado, desacelarando o carro .
4. Nesses metros não há estacionamento, para que os peões sejam bem visíveis.
Muito bem Camara Municipal De Lisboa!
 
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Na primeira metade de 2018, as mortes de peões aumentaram 50%

MC, 14.05.19

Na primeira metade deste ano foram assassinadas 50 pessoas, pelo facto de andarem a pé.
Num mundo em que todos andássemos a pé, não haveria um único peão assassinado. Por muito "negligente" que seja um peão, ele nunca morreria se não houvesse alguém que tivesse escolhido andar de carro. Os automobilistas têm uma responsabilidade extra para com os outros, tal como médicos e enfermeiros têm.
Infelizmente o sentimento de impunidade é grande, e estes números continuarão a envergonhar-nos.

https://www.tsf.pt/sociedade/interior/mortes-de-peoes-aumentaram-50-nos-primeiros-seis-meses-do-ano-9900804.html

Acabou a maior vergonha no desenho do espaço público lisboeta

MC, 16.01.17

Escrevi sobre várias vezes sobre o caso vergonhoso da Av. Fontes Pereira de Melo. Numa das principais e mais centrais avenidas lisboetas, era impossível descer a avenida a pé de um lados porque não havia passeio. E não foi uma situação temporária que se prolongou, foi uma decisão consciente feita há décadas atrás.

0001_M.jpg

Foto de 1967 do Arquivo Municipal, nos últimos anos em que foi possível caminhar pelo passeio

O edifício do Imaviz e o arranjo urbano foram inaugurados no início dos anos 70, e durante mais de 40 anos os peões que caminhavam a avenida pelo lado do Imaviz tinham de caminhar pelo alcatrão (o que fazia a grande maioria), ou por um passadiço do próprio edifício que acabava numas escadas inclinadas. Tudo isto acabou graças à remodelação do eixo central. Abaixo imagens do antes e do depois:

Picoas B.jpeg

Peões na estrada antes, no passeio depois

picoas A.jpg

O passeio acabava sem alternativa, hoje há uma pequena zona verde onde era o mini-passeio

Picoas C.jpeg

O passeio junto à avenida era interrompido bruscamente e os peões tinham de atravessar duas ruas secundárias pela direita para poder continuar; hoje o passeio é contínuo

 

Muito obrigado António Costa e Fernando Medina pelo fim deste pesadelo.

Distrações

MC, 25.02.13

Hoje de manhã, ao atravessar uma rua, por muito pouco não fui atropelado por um automobilista. Eu ia a pé e tinha verde, ele que virava tinha um amarelo intermitente... mas "distraiu-se". Nem pediu desculpa. Eu já contava com a "distração", mas se não contasse poderia ter ido desta para melhor. Por "distração" do automobilista.
Na situação inversa, se um peão "distraído" atravessar quando está verde para o automobilista, também é o peão que vai desta para melhor.


Não querer perceber esta assimetria, e pôr em pé de igualdade as "distrações" de uns e outros, é criminoso.


Repito aqui uma imagem antiga.Um peão, que apesar de ter verde, pára, olha para verificar que não vem nenhum automóvel, e só depois avança. Basta passar uns segundos num cruzamento para ver peões a ter este comportamento. Poderíamos passar anos no mesmo cruzamento, e não veríamos um automobilista perante um verde a parar, verificar que não vêm peões, e a avançar depois. Apontar o dedo à "distração" dos peões como causa de atropelamentos é criminoso.



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Vídeo recomendado de hoje,um vídeo do Passeio Livre sobre O automóvel sagrado e o estacionamento ilegal.




Praças: prioridade exclusiva aos automóveis?

MC, 19.12.11

O blogue A Nossa Terrinha, em mais brilhante post, descobriu que há um local na Praça do Saldanha (umas das praças centrais de Lisboa) onde o peão tem de esperar por SEIS semáforos para atravessar uma rua apenas. É mais uma prova que o espaço urbano lisboeta é pensado com um objectivo exclusivo: facilitar a circulação automóvel.

Nessa zona da cidade comparei há uns tempos o mesmo percurso feito de carro, e a pé. Resultado: o peão espera 17 vezes mais pela passagem dos automóveis, do que o automóvel espera pelo peão. Argumentar que facilitar a passagem dos peões atrasaria a circulação automóvel, é por isso um absurdo (ou sinal de alguns valores morais trocados).

 

O Marquês de Pombal (Lisboa) é outro exemplo assim. Atravessa-lo a direito (o que já foi permitido em tempos) seriam apenas 125m para os peões, mas neste momento eles são empurrados para bem longe da praça. Numa das travessias (Av. Liberdade) o peão nem pode contornar a praça, sendo obrigado a caminhar até ao quarteirão seguinte para atravessar! Nas outras, o peão é obrigado a várias esperas e afastar-se da praça. Resultado: o peão demora 8 minutos a atravessar a praça de um lado ao outro. 

 

Mas será que a solução lisboeta é incontornável? Será que as praças cheias de trânsito são obrigatoriamente inimigas dos peões?

Veja-se o que se passa no Arco do Triunfo em Paris (bem maior que o Marquês e o Saldanha): 

 

 

Em todas as saídas, o peão pode atravessar directamente sem se afastar da praça, e apenas com um semáforo.

Então e na Praça de Espanha, em Barcelona? 

 

 

Atravessamento na praça só com um semáforo.

E na Columbus Circle em Nova Iorque?

 

 

Atravessamento na praça só com um semáforo.

 

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A LER:

A Agência Europeia para o Ambiente volta a avisar: o sector automóvel continua a ter o pior contributo e esforço no combate às alterações climáticas na Europa.

 

 

 

 

 

O pior de Lisboa

MC, 20.05.11

A CML aprovou há dias a proibição de circulação de carros muito poluentes (Euro 1) na Baixa, medida demagógica sobre a qual já falei aqui. Há algo que me aflige bem mais no centro histórica da cidade, que não será certamente a poluição, nem a falta de ciclovias ou de estações de metro. Nem é a falta de fiscalização do estacionamento ilegal ou legal, nem fiscalização do respeito pelos peões ou o respeito dos limites de velocidade.

O que me deixa chocado no centro da cidade é isto:

 

 

Ontem participei numa corrida/gincana nocturna com centenas de pessoas, e era ridículo ver aquele mar de gente a tentar esgueirar-se pelos pouco centímetrozitos que têm os passeios no centro. A grande maioria dos passeios nem espaço tem para uma pessoa poder caminhar normalmente, quanto mais um casal, uma cadeira de rodas, um idoso, um carrinho de bebé. Estes passeios são tão pequenos, que uma amiga lhes chama "os para-choques dos prédios", porque é esse o único propósito que têm: evitar que os carros não colidam com os prédios. Isto numa zona com duas linhas de metro, dezenas de autocarros, e um parque de estacionamento em cada esquina.

São ruas com traçado antigo, do século XVIII, dirão alguns. O problema não é esse, porque a rua teria espaço para carros e peões, bastaria que a CML quisesse que Lisboa fosse uma cidade em vez de um parque de estacionamento, aproveitando aqueles dois metros à esquerda como passeio em vez de estacionamento. São decisões do século XXI, não do século XVIII, que criam o problema. E choca-me que as pessoas passem ali sem estranhar, e que me avisem (palavras ou businadelas) que estou a caminhar fora dos centímetros reservados aos peões. Todos aceitam esta mentalidade do automóvel antes da pessoa. Todos os problemas começam aqui.

Se houvesse passeios, dignos desse nome, a cidade seria bem mais amiga dos peões e dos transportes, em vez de convidar o automóvel a entrar, disponibilizando-lhes milhares de estacionamentos. Até para quem está preocupado com a poluição seria melhor.

 

 

Graças às revoluções no mundo árabe, a televisão tem mostrado imensas imagens de cidades árabes. Tenho reparado que nem aí se vêm o triste espéctaculo de Lisboa. Tal como não se vê na Bolívia ou na Espanha, já para não falar do norte da Europa. 

 

 

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O "A Nossa Terrinha" tem quatro excelentes posts sobre isto, cheios de fotos que dizem tudo: 1, 2, 3 e 4.

 

 

O comércio e a rua

TMC, 20.02.11

A crença na necessidade do automóvel para as deslocações em meio urbano não é uma escolha sem consequências para os outros modos de deslocação. Ela é tão preponderante e tão disseminada que se tornou num facto cultural. E por isso afecta outros escolhas de locomoção.

 

Os centros comerciais dos subúrbios são um exemplo desse domínio do automóvel. O parque de estacionamento é enorme e gratuito, ou incomparavelmente barato. O acesso é preferencialmente feito de carro. Como a bagagem do carro dispõe de grande capacidade, é natural que uma ida a um centro comercial se torne numa oportunidade única para reunir várias compras numa só visita, para um período de um mês, por exemplo. Como atrai maioritariamente pessoas que se deslocam de carro, a sua escala de influência é elevada. É pouco provável que encontremos alguém que conheçamos num centro comercial.Tal como é improvável que algum empregado nos reconheça quando lá vamos. Podemos facilmente passar incógnitos enquanto passeamos pela multidão.

 

Por outro lado, alguém que faça as compras a pé ou de bicicleta está limitado pelo peso que os seus braços conseguem carregar e pela limitada distância que consegue percorrer. Como a capacidade de transportar produtos em cada visita ao supermercado é limitada, a frequência das saídas à rua aumenta, para que o abastecimento do lar possa ser mantido. Acresce a isto que, sendo a escala mais pequena, a probabilidade de reconhecer pessoas e vizinhos é bastante maior. A formação de comunidade, a consciência de uma vida para lá do lar ou do trabalho, é facilitada.

 

A crítica comum de que os estabelecimentos de comércio tradicional devem "adaptar-se aos tempos modernos", ou seja, adoptar parques de estacionamento a preços razoáveis, é um ponto de vista daqueles que acham que a deslocação num automóvel é uma solução universal, e por isso extensível a todas as localizações. Para os seus defensores, é aberrante que tenham de caminhar da sua casa ao supermercado, até a uma loja próxima, ou até ao cinema. O centro  comercial passa a ser o padrão de compras e de encontro social, não a excepção. As ruas vão assim cedendo o seu lugar a ambientes artificais.

 

Como catalisadores de tráfego automóvel, uma medida justa a impor aos centros comerciais seria a elevação dos preços dos seus parques de estacionamento. Doutro modo, é natural que muita da especulação imobiliária olhe para prédios devolutos como futuros parques de estacionamento: seguindo o paradigma da deslocação automóvel, a rua deverá tornar-se cada vez mais como um centro comercial.


O simpósio "A rua é de TODOS", da exposição "A rua é nossa" abordou de várias perspectivas o tema da rua. Para os leitores do blogue Menos1carro, fica aqui disponível o registo áudio da intervenção de três dos "key note speakers".

 

Dia 16 - Proximidade e acessibilidade | A vida de bairro e modos suaves - Mário Alves

Dia 17 - O carácter simbólico da rua | Identidade e apropriação - Antoni Remesar

Dia 18 - A rua metropolitana - Álvaro Domingues

  


E para finalizar, algumas fotos da ciclo-oficina de Fevereiro, que teve lugar no Regueirão dos Anjos deste Domingo!

 

  

 

 

 

 

 

 

Os carros devem ter mais deveres e menos direitos que os peões, explicado às crianças e ao Carlos Barbosa

MC, 21.01.11

Tentem perceber se há algo de estranho na seguinte fotografia:

Vemos uma mulher que abrandou o passo e verifica se os carros estão parados antes de atravessar o verde. Algo de estranho?

Talvez reformulando: apesar de estar verde a mulher, 1. abranda o passo, e 2. verifica se os carros estão parados. Em poucos minutos tirei várias fotos a peões com este comportamento, mas mesmo que tivesse passado um mês no cruzamento, não teria visto um único automobilista a abrandar perante um verde e a verificar se os peões estavam parados. Esta falta de cuidado do automobilista acontece mesmo sabendo que ele tem uma percepção muito pior do que se passa à sua volta - mesmo que abrandasse - em comparação com o peão mais apressado, porque pura e simplesmente o condutor vai a uma velocidade maior. Se alguém precisaria de abrandar para se inteirar da segurança, deveria ser ele e não o peão.

Mas por que é que o peão abranda e olha apesar do semáforo dizer que pode passar livremente (e nem se trata de um semáforo onde o verde dos peões pode coincidir com o amarelo intermitente dos automóveis!)? Porque o peão sabe que a sua vida está em jogo, sabe que um descuido da sua parte ou da parte dos outros o pode pôr tetraplégico. O automobilista está protegido por uma caixa de metal de duas toneladas, e não será sequer arranhado por um peão. É um desrespeito para com os milhares de peões assassinados afirmar que os peões não prestam atenção.

Esta fotografia prova sem a mínima dúvida que em média um peão está muito mais atento ao que se passa e que se comporta com muito mais cuidado do que quem tem a arma potencial nas mãos. Claro que se cometem erros, mas ambos os lados o fazem e nem todos são evitáveis. É exactamente por isso que quem leva a arma deve ser mais escrutinado.

É por o peão ter mais cuidado que campanhas de culpabilização do peão são patéticas, e que no Norte da Europa se atribui sempre a culpa à partida ao automobilista em caso de acidente, cabendo a este provar que tudo fez para evitar o acidente.

 

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Notícia via Lisboa Bike: Só um condutor perdeu a carta por excesso de infracções desde 2008

A importância do acesso automóvel para o comércio local explicado às crianças e ao Carlos Barbosa

MC, 07.01.11

Repare-se na foto acima, com a Rua Morais Soares em Lisboa e uma das suas paralelas. A primeira tem comércio porta sim, porta sim. A segunda muito longe disso. E isto acontece para qualquer rua ou avenida central das nossas cidades, em comparação com as vias secundárias. Mas...

Para quem se desloca de carro, a facilidade de acesso a uma e outra é exatamente igual.

Para quem se desloca de carro, estacionar perto de uma ou da outra é exatamente o mesmo. A rua secundária até tem ocasionalmente a vantagem de se poder estacionar à porta das lojas.

As rendas na rua principal são bem mais altas do que na rua secundária.

 

Como se explica então esta enorme diferença na quantidade de comércio e de consumidores entre uma e outra?

O fundamental para o sucesso do comércio tradicional não é ter carros a passar ou a estacionar à porta, mas ter pessoas a passarem a pé e a pararem ocasionalmente, a verem as montras, a (re)conhecerem uma loja para uma compra no futuro. E os peões estão nas ruas principais porque é mais fácil de caminhar por elas, porque mais facilmente se chega a algum lado através delas, porque há paragens de autocarro, etc. O fundamental para o comércio local não é atrair carros, mas atrair peões.

 

 Exemplos sobre isto não faltam, esta posta antiga tem vários exemplos inclusivé dados que mostram como os próprios comerciantes estão enganados na importância do acesso automóvel.

 

P.S. Um leitor resume bem a questão nos comentários: é melhor abrir uma loja na Rua Augusta ou na Rua do Ouro? Em versão nortenha, Rua de Sta Catarina ou Rua da Alegria?

 

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Esta notícia já é antiga, mas não chegou a aparecer no blogue. O novo método de contagem da sinistralidade, onde as mortes são contadas até 30 dias depois do acidente e não apenas 24h, teve o resultado esperado no que toca aos dados dos peões devido ao tipo de acidente: Nova contagem de mortos na estrada mostra aumento de 91% entre os peões.