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Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas
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A diferença no afã de investimento público deste govern para os anteriores é a verborreia justificativa. Compreende-se, uma vez que mais auto-estradas e acessos tornam-se cada vez mais suspeitos num país habituado a projectos tão visionários. De resto, todos os governos têm partilhado a mesma paixão pelo asfalto e a ilusão sinonímica entre "desenvolvimento" e "acessos". Falta-nos imaginação.
Começa-se a ler ingenuamente uma notícia com esperanças de uma visão nova para o interior e a sua desertificação e saem-nos pérolas destas:
[...]] toda a vida ter visto a região do Pinhal ser esquecida, fazer esta adjudicação significa que a minha vida política não foi em vão.
Parece portanto que o principal problema do Pinhal Interior é não ter acessos e ter sido, por isso, esquecido. A receita para o interior está dada: alarguem os IPs para auto-estradas e levem-nos até às cidades do interior e para várias aldeias que o desenvolvimento chegará num ápice. Claro que isto também é uma coincidência e põe-me logo a pensar no que seria Portugal daqui a uns anos se um certo ministro das obras públicas tivesse ido para uma empresa como a CP ou a REFER em vez de ter aterrado numa empresa especializada em estradas e pontes. As nossas ligações ferroviárias definham, e claro que nem são consideradas como soluções.
É a fragilidade óbvia desta "solução" para o interior e a facilidade com que ela vinga que me assusta. Fico com a impressão que a sociedade portuguesa não é capaz de questionar estas escolhas de desenvolvimento para o seu território apesar delas cheirarem cada vez pior e serem cada vez mais mal desculpadas.
É um círculo vicioso: convidam, através do mercado imobiliário e acesso gratuitos, as pessoas a saírem de uma Lisboa cada vez mais desagradável; a circulação automóvel desenvolve-se e vem na sua maioria de concelhos límitrofes e aos poucos deixa de haver alguém para defender, enquanto afectado, a qualidade de vida de um certo bairro: boas iniciativas como esta vão voltar a esbarrar no que substituiu os habitantes de Lisboa.
A votação para o Orçamento Participativo da cidade de Lisboa acaba dia 15 e notou-se muita revolta contra o protagonismo do automóvel. Pessoalmente, fiz algumas propostas em torno da defesa do peão (o ano passado ganharam as bicicletas) e não queria por isso deixar de apelar ao voto numa delas e noutras que considero muito pertinentes:
1) Pedonalização da Rua Garret
2) Alargamento dos passeios da Rua do Arsenal
3) Descongestionamento da circulação pedonal no Chiado e Camões
Só há um voto. A escolha é vossa mas votem!
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A metáfora que encara a cidade como corpo tem várias qualidades interpretativas. Para além do mais, não devemos só apreciar o seu valor metafórico; uma cidade deve ser, tanto quanto possível, um corpo, nomeadamente, um corpo orgânico.
E porquê? Um corpo orgânico tem unidade; as suas partes não são completamente autónomas, antes necessitam de colaborar para que o conjunto possa funcionar; um corpo não é apenas o conjunto dos seus orgãos, das suas partes, mas sim uma certa maneira destes funcionarem. Uma qualquer maleita é rapidamente restaurada localmente enquanto que um dano mais grave numa certa parte pode, de facto, afectar todo o corpo, torná-lo doente.
(clique na opção Ver imagem do FireFox para ver maior - talvez o maior nó rodoviário do país; o planeamento não existe: o que há é uma camada de estruturas adicionadas a outras em diferentes momentos: agrícola urbana, rodoviária, eléctrica: os interstícios sem uso e função assinalam este modo de construír)
Ora, as nossas cidades, no seu desenvolvimento, assemelham-se a tudo menos a um corpo. Ameaçam tornar-se numa amálgama disforme de partes sem qualquer conexão, um conjunto híbrido sem identidade; são apenas um amontoado de pessoas, de prédios, de vias de ligação. Ao chamarmos-lhes cidades pressupõe-se de imediato a sua unidade (porque agregamos tudo isso num substantivo), mas, como atestam os conflitos entre peões e automóveis e a dispersão urbana, as cidades s parecem ser mais modos descontrolados de crescimento de certas partes de um conjunto de coincidências espaciais.
As nossas cidades não funcionam como corpo porque não cresceram num sentido natural: os seus constituinte têm sido construídos de modo avulso. As cidades estão doentes. E tal como não existe um único médico que trate de todas as maleitas de um corpo, dada a sua complexidade, não devemos relegar para as autarquias a elaboração de um plano geral que simultaneamente diagnostique e restaure a saúde da cidade.
(clique na opção Ver imagem do FireFox para ver maior; a famigerada Praça de Espanha, um corpo estranho entre bairros residenciais; talvez esta aberração queira compensar a existência nas proximidades do excelente jardim da Gulbenkian?)
Até porque os urbanistas, arquitectos e responsáveis pelo planeamento, qual corpo médico urbano, têm por hábito a cura de algumas partes como se estivessem desligadas das outras. Isso é totalmente inadmissível. No caso humano, seriam acusados imediatamente de negligência e falta de profissionalismo - por óbvio desconhecimento da anatomia do corpo - mas na cidade, a omissão e o esquecimento de outros constituintes é o que ocorre com mais frequência. Porquê?
A minha opinião é que, tal como um indivíduo não é só a sua mente, também a cidade não pode ser a sua autarquia, o seu corpo dirigente. Há problemas que têm de ser resolvidos e sarados pelo próprio corpo e sem a necessidade de intervenção da mente: uma ferida cicratiza--se sozinha, sem a nossa intenção. Ao mesmo tempo, a autarquia deverá saber quais as partes da cidade a tratar porque, tal como num corpo, a sua pele, o seu sistema nervoso, lhe comunica as respectivas necessidades.
(clique na opção Ver imagem do FireFox para ver maior; Lumiar, Lisboa, séc. .XXI: haverá alguma fotografia que denuncie maior amálgama urbana do que esta? É praticamente possível a um leigo fazer a arqueologia dos seus constituintes)
Seguindo esta metáfora, se os cidadãos são realmente a pele da cidade, o que há, hoje em dia, é um entorpecimento, uma autêntica anestesia geral; ao mesmo tempo, se as cirurgias urbanas se limitarem a obras desligadas do contexto, o que aparecem são baldios, guetos, não-lugares, espaços com apenas uma de várias modalidades possíveis - um corpo não tem constituintes supérfluos, as nossas cidades primam pelo desperdício. À irresponsabilidade dos urbanistas segue-se a despreocupação e o alheamento dos cidadãos. O seu espaço é unicamente o privado e qualquer problema público é relegado em exclusivo para a junta de freguesia ou para a edilidade.
(clique na opção Ver imagem do FireFox para ver maior; Av. Conde Valbom: um bom e raro exemplo em que a parte (tal como um orgão serve o corpo) - existe mas servindo toda a cidade: os automóveis podem circular mas, tal como o piso indica, não há separação entre o espaço dos peões e o espaço dos veículos a motor; há arborização, esplanadas, bancos para relaxar, comércio: estaremos mesmo em Lisboa?)
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Eis outra notícia que assinala a incompetência e falta de preparação dos responsáveis pela rede rodoviária nacional. O Observatório de Segurança de Estradas e Cidades assinala que a própria formação em engenharia civil não salvaguarda todas as considerações para de segurança nas estradas, nomeadamente no fenómeno conhecido como hidroplanagem.
Isto corresponde à minha ideia de que a sinistralidade rodoviária não se deve apenas a hipotéticas distracções humanas ou a esporádicas transgressões do código da estrada. Não estou a argumentar no sentido de que o desenho e o planeamento urbano condicionam totalmente os automobilistas e os peões ao ponto de não ser possível a atribuição de imputabilidade; mas sem dúvida que a própria estrutura física influencia o comportamento.
Ora, quem projecta, elide e delimita as nossas estradas, passeios e edifícios tem uma tremenda responsabilidade: o planeamento urbano deve orientar-se não só pela natureza dos constituintes móveis da cidade mas sobretudo pela natureza das relações que esses constituintes manterão entre si. Se um automóvel é por natureza um veículo que pesa algumas toneladas, alcança velocidades vertiginosas (a base compativa de velocidades deve ser sempre a humana) e o peão é por natureza indisciplinado no sentido que tem muito mais mobilidade - reparem como os automóveis só vão onde as estradas os deixam e segundo o que o código da estrada permite, ao invés que o peão vai onde quer - qualquer modificação na estrutura física da cidade terá de ter estas características em conta.
Se as ruas, os passeios e as praças forem projectadas tendo em conta apenas a natureza de um elemento móvel e não a relação entre os vários elementos móveis, o que acontece é a segregação de uns através do domínio de outros. É o que observamos nas nossas cidades:
- avenidas cuja largura e linearidade convidam a altas velocidades
- passeios diminutos que mesmo assim são galgados
- sacrífico generalizado do espaço público ao espaço automóvel
- domesticação da liberdade pedonal a guetos de atravessamento (também conhecidos por passadeiras)
- falta de arborização: quem está debaixo de um tejadilho metálico já tem sombra; ao mesmo tempo, as árvores na cidade são dissuassoras de altas velocidades para além dos seus inúmeros efeitos benéficos
- os buracos nos passeios, os baldios e jardins abandonados precisam de anos de denúncias para serem restaurados; os buracos nas estradas depois de uma chuvada são arranjados em poucos dias
Estes são os aspectos mais passivos de um planeamento conceptualmente segregador; a interacção física propriamente dita entre os vários modos, quando ocorre, resulta invariavelmente no prejuízo do elemento mais frágil; e entre a morte e o bem-estar há muitos graus de insegurança e incomodidade. Os acidentes não ocorrem apenas devido ao desleixo dos intervenientes; antes, são proporcionados pela sobreposição deficiente da estruturas dos nós rodoviários à estrutura pedonal, uma sobreposição que tomou em conta apenas a natureza de um dos intervenientes.
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Como tentei mostrar aqui, o automóvel não é apenas um objecto banal. Mesmo que apenas o fosse, teríamos de contar com as suas consequências físicas mais directas, como a sinistralidade, o ruído e a poluição atmosférica.
É ao nível do urbanismo que o automóvel tem efeitos mais perniciosos. A sua presença invisível preside à própria expansão urbana e ao planeamento dos respectivos acessos. Gera a fragmentação do território por criar uma assimetria evidente entre os locais de trabalho e locais de residência; o automóvel é a solução universal de mobilidade que nos é imposta mas sem que a razão o justique. Detectar esta responsabilidade dos urbanistas no planeamento do território é descobrir as próprias condições a que temos de obedecer se nos quisermos deslocar para determinado local. Acima de tudo, o território desenhado segundo o automóvel é uma forma de controlo irresponsável.
Graças ao Gabinete de Estudos e Planeamento do IST, estamos em condições de fazer um pequeno exercício. Em todos os anos são feitos inquéritos aos alunos caloiros e uma das perguntas feitas é a sua opção de mobilidade. Antes de vos mostrar os resultados, deixo-vos com umas fotografias aéreas da área de cada campus (Alameda e Taguspark).
IST-Alameda (azul), em plena cidade de Lisboa:
IST-Taguspark (a amarelo), algures em Oeiras:
A diferença de densidade urbanizada é óbvia, apesar da distância a eixos rodoviários principais ser semelhante. As áreas verdes (jardins e arborização) na primeira figura são a excepção enquanto que na segunda são a regra (terrenos aráveis); a área urbana está fragmentada e algo isolada mas é possível sair desse isolamento porque há estradas que a podem ligar ao mundo.
A oferta de transportes públicos para cada um dos diferentes pólos consta da página de apresentação do IST e a diferença é abismal. Apesar do pólo da Alameda possuir vários departamentos de transportes (CESUR e DTEA) e de autoridades académicas em termos de planeamento, transportes e urbanismo, os passeios do próprio campus é usado como um parque de estacionamento. Ainda assim, os resultados são evidentes:
As percentagens ultrapassam os 100% devido às viagens de ida e volta poderem ser feitas de forma diferente e de cada viagem poder ainda ser multimodal. Confesso que esperava um menor peso do transporte público nas deslocações para o Taguspark. Mesmo assim, diga-se que é um autocarro construído para o efeito: serve os alunos e pouco mais, o que é a antítese de um transporte público porque recolhe apenas alunos para os largar todos num destino final; um bom transporte público serve todo o percurso do seu trajecto, não apenas um ponto.
Como ir a pé ou de bicicleta para o Taguspark? É sequer possível?
É óbvio que a possibilidade de ficar apeado no Taguspark é maior para alguém que não tenha automóvel (36% dos utilizadores contra 14% da Alameda); além disso, os horários dos transportes públicos não são tão flexíveis. No fundo foi feita uma escolha de localização para o Taguspark que discrimina valências de mobilidade mais eficientes, justas e acessíveis. O ordenamento do espaço condiciona a maneira como nos deslocamos porque ele foi pensado de acordo com o conceito automóvel...como não andar de carro?
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Populares da Vila da Branca, Albergaria-a-Velha, manifestaram-se esta quarta-feira frente à Assembleia da República contra um traçado da A32 «sem fundamento técnico» que, dizem, vai «dividir a freguesia», noticia a Lusa.
Munidos de bandeiras negras, flores e cartazes onde se liam frases como «três auto-estradas no espaço de 6km não», um grupo de populares da Branca apresentou-se «de luto» pela decisão do Governo de adoptar um percurso da futura A32 que atravessará a freguesia.
Antero Pereira, um dos populares presentes, apontou para «cerca de 450 pessoas» que se manifestam por estar em causa «a qualidade de vida e o património da Vila da Branca».
«As pessoas que estão aqui são pessoas que se deslocaram 300km num dia de semana, perderam, num momento de crise, um dia de trabalho e estão aqui para defender aquilo que é o futuro da Branca», afirmou.
«Nós não aceitamos este traçado, querem impor-nos um trajecto que começa logo por cortar transversalmente a expansão da zona industrial de Albergaria-a-Velha, que tem uma grande importância em termos económicos para a região», continua.
Segundo Antero Pereira o traçado proposto pressupõe ainda «um viaduto de 1km com uma pendência de 6 por cento de inclinação, pendência máxima, que é uma barbaridade», acrescentando que «a paisagem vai sofrer com a inserção de um traçado pesado como o é uma auto-estrada».
«Não precisamos de nada disto»
Antero Pereira referiu ainda em declarações à Lusa que este traçado vai «cruzar no centro de gravidade da estação arqueológica do monte de S.Julião» e lembra que há alternativas que considera mais adequadas.
«O Plano de Desenvolvimento Municipal prevê uma variante cujo corredor podiam aproveitar para implantar esta estrutura sem que se levantasse uma voz que fosse, uma única bandeira a opor-se a uma solução desse tipo», referiu.
«Não precisamos de nada disto: Temos uma auto-estrada A1, está em construção a A29, temos a linha do Norte, estão a querer impingir-nos um TGV também, o que é que nos querem impingir mais?», questiona Antero Pereira.
«A Branca continua de luto»
Estas preocupações são partilhadas por Beatriz Marques que também participou na manifestação garantindo que «a Branca continua de luto até que o senhor primeiro-ministro decida que aquela auto-estrada não faz lá falta».
«Daqui a pouco não temos terreno para semear batatas, para plantar couves para fazer nada! Importa-se, que o país é rico e tem muito dinheiro para importar os produtos que a gente tem de comer», reclama Beatriz Marques.
Segundo Antero Pereira, «a luta continua até que o poder possa subverter esta decisão, a declaração de impacte ambiental proferida possa ser anulada e adoptado o traçado mais consensual, mais de acordo com a razão, mais pacífico, mais tranquilo, que não fira o ambiente, o património e que traga sobretudo paz» à população de Vila da Branca.
Esta notícia será em breve esquecida e desprezada mas é o que de mais directo e concreto sentem as populações locais aos traçados das auto-estradas do desenvolvimento. Torna-se claro que nestas discussões, a qualidade da nossa democracia é que sai lezada. Como rebater o argumento de haver três auto-estradas num espaço de 6km?
Será possível dar qualquer credibilidade aos técnicos e governo que permite que isto suceda?
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