Nova rede ciclável de Lisboa
(fonte)
Esta semana estive presente na apresentação da rede ciclável de Lisboa. Resumiria as novidades em três pontos. O desenho está bem pensado numa lógica de rede; o foco já não é o ciclista de domingo, que quer ir de um jardim ao outro, mas sim quem quer fazer as primeiras deslocações em bicicleta; insiste-se em demasiados erros do passado.
Primeiro de tudo é preciso perceber o que é se quer dizer com "mais 150km de ciclovia". Quem conhece a Av. Brasil sabe que a ciclovia é descontínua numa dúzia de troços. Ou seja há uns metros, acaba, e reaparece do lado de lá de uma paragem de autocarro, de um cruzamento grande, etc. mas isso é contabilizado como se fosse contínuo... e assim continua a ser (ver abaixo). O próprio conceito de "ciclovia" não é o que muitos pensarão: as laterais da Avenida da Liberdade, onde há apenas uns sinais com uma bicicleta e um automóvel a dizer "via partilhada" (o que levanta a dúvida: quais são as vias não-partilhadas então?) são na realidade ciclovias de acordo com a CML.
Posto isto, parece-me que a rede está bem pensada, com um desenho reticular que atenta aos declives da cidade, tentado cobrir uma grande área da cidade. A prioridade deixou de ser a ligação entre o parques e jardins, ligando agora várias zonas residenciais, comerciais e de trabalho da cidade. Veja-se a importância do eixo central, tal como acontece com a rede viária "normal".
Há inúmeros erros que continuam contudo, do pouco que já se pode ver. Na Av Fontes Pereira de Melo podemos ver que a ciclovia será ao nível do passeio e colado a ele, convidando os peões a caminhar nela (como acontece na Dq de Ávila por exemplo). Também aí percebemos que a ciclovia é tão estreita que impede a ultrapassagem de bicicletas; se um ciclista se tem de desviar de um peão, cai perigosamente (há um desnível) para a via onde circulam os taxis e autocarros. Ainda aí, existem ângulos rectos numa ciclovia estreitíssima; em Lisboa os raios de curvatura para automóvel são tão grandes que se pode circular a 80km/h sem problema, mas os ciclistas são intencionalmente forçados a travar até aos 5km/h se não querem sair da via.
Em Entrecampos vemos que a ciclovia é tudo menos contínua. Sendo que começa do lado esquerdo (!!) da via e sem rampa de subida, o único modo de lá chegar é fazer a travessia de peões a pé, e voltar a montar a bicicleta. A ligação com a ciclovia a norte da praça, é feita atravessando 4 passagens de peões descordenadas entre si (sendo que o carro no mesmo percurso espera apenas uma vez). Sabe-se ainda que esta ciclovia é bidireccional, ou seja quem quer chegar a Entrecampos em vez de ir do lado nascente da avenida (como o resto dos veículos), tem de ir parar ao lado poente (sabe-se lá como) e quando chega a entrecampos, volta para o lado nascente. Por ir no centro da avenida, a ciclovia cruza os automóveis a certa altura através de um semáforo. Não é difícil imaginar o tempo extra que se terá de esperar, em comparação com quem circule pelo alcatrão.
E nem esta nova ciclovia é contínua, sendo uns troços desconexos, interrompidos por locais de forte concentração de peões (que terão todo o direito a estar ali parados à espera do autocarro). Para lá de ser um convite à ilegalidade (que o ciclista circule fora das zonas verdes), é gerenciador de vários conflitos.
Daí a conclusão de ser uma rede pensada para quem experimenta a bicicleta, e não se incomoda com a dezena de problemas que mencionei, por valorizar mais o sentimento de segurança. Quem decidir optar pela bicicleta como meio de transporte, rapidamente perceberá que em média circulará a metade da velocidade que faria no alcatrão. Quem já usa a bicicleta, não aceitará todos estes inconvenientes, quando tem uma alternativa contínua, sem reviravoltas e travessias de peões, que é o alcatrão. E isto é grave. Os automobilistas não perceberão porque é que os ciclistas não usarão os recursos que foram criados.
E nada disto teria de ser assim, basta pensar no desenho das ciclovias na Holanda ou Dinamarca. Elas tanto se adequam ao turista que vai usar a bicicleta pela primeira vez, como ao ciclista habitual que faz velocidades mais elevadas. Bastaria vontade política.
Nota habitual: não sendo um blogue pró-bicicletas, mas sim pró-cidades mais humanas, a promoção activa da bicicleta não é a primeira das nossas prioridades (como é a melhoria dos transportes públicos, planeamento a pensar nas pessoas e não nos automóveis, redução do estacionamento à superfície e das velocidades, etc). E existem coisas bem mais simples que parecem ter um impacto igualmente favorável para a bicicleta: limitar a velocidade a 50km/h nas principais vias da cidade, 30km/h nas secundárias e piso decente.