Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

Michael Hartmann - Autobiografia V

MC, 14.04.09

Quando Michael Hartmann começou a caminhar no meio da rua, a polícia não gostou. Uma coisa é um carro enorme a ocupar o diminuto espaço do peão parado durante horas ou dias, algo que a polícia de Munique há 20 anos - e a nossa hoje - sancionava quando o rei faz anos, outra completamente diferente é um peão a ocupar uma pequena parte do enorme espaço dos automóveis durante alguns segundos, nem estando sequer parado. A primeira tolera-se, agora a segunda é um crime contra a humanidade. O Michael pediu várias vezes que lhe fosse passada uma multa equivalente à do estacionamento no passeio, mas sem sucesso. Como não havia enquadramento penal à altura do crime hediondo de Michael, a polícia começou a prendê-lo, para logo a seguir o ter que libertar por não haver fundamentos legais para a prisão.

O passo seguinte foi prendê-lo duas vezes num hospital psiquiátrico, alegadamente por ter comportamentos suicidas. Era portanto alguém que durante meses caminhou na estrada, e  que a qualquer momento poderia querer suicidar-se, mas estranhamente ainda não tinha encontrado nenhum modo de o fazer durante as caminhadas entre veículos de uma tonelada a alta velocidade. Mais uma estratégia da polícia que fracassou por falta de fundamento legal.

Pouco depois foi atropelado com alguma gravidade. O chefe da esquadra local passou no local do acidente e comentou "pois então, afinal não é assim tão seguro caminhar na rua".

Michael Hartmann - Autobiografia IV

MC, 08.04.09

No primeiro caso em tribunal que Michael Hartmann enfrentou (onde foi condenado a pagar uma multa e uma indeminização por ter amolgado um automóvel), o juiz não aceitou como válido o argumento da defesa, onde se dizia que o Michael só tinha caminhado por cima do automóvel, porque ele estava parado na zona de circulação do peão. O juiz contrapôs que ele poderia ter contornado o carro pela direita ou pela esquerda.

Baseado nesta argumentação "legal" o activista decidiu ocupar então a rua, comendo um pão no meio de uma avenida, num local onde os automóveis o podessem contornar sem problema. Escusado será dizer que as autoridades deixaram de concordar com o argumento do juiz, a partir do momento em que se troca as palavras "peão" e "automóvel".

Michael Hartmann - Autobiografia III

MC, 07.04.09

(adaptado da introdução)

 

Quando um peão, que esteja no espaço reservado ao automóvel, é "danificado" acidentalmente por um automobilista, a culpa é do peão.

Mas quando um automóvel está no espaço reservado ao peão, e é acidentalmente danificado por um peão, a culpa também é do peão!

 

(E convenhamos, os danos no primeiro caso costumam ser um pouco mais graves)

Michael Hartmann - Autobiografia I

MC, 04.04.09

A autobiografia do activista alemão pró-peões (ver posta anterior) está cheia de observações muito simples mas muito perspicazes, que mostram bem como as nossas cidades vivem sobre a ditadura do automóvel sobre os outros modos de transporte sem que nos apercebamos.

Diz ele que um carro (e é mesmo só a caixa de metal, nem tem uma pessoa lá dentro) que esteja parado no local destinado à circulação dos carros, ocupando muitas vezes apenas uma pequena parte da rua, é normalmente rebocado levando uma multa elevada.

Mas o mesmo carro estando parado no local destinado à circulação dos peões, onde normalmente ocupa uma grande parte senão a totalidade do passeio, apenas leva uma multa pequena.

Michael Hartmann - Autoschreck

MC, 04.04.09

Há muitos anos que ouvi falar de Michael Hartmann, um conhecido activista pelos direitos dos peões em Munique. Soube na altura em que um tribunal tinha decretado que ele não deveria ser penalizado por caminhar em cima dos automóveis estacionados no passeio, porque não o fazia com o intuito de danificar.

Exactamente, caminhar sobre os carros estacionados no espaço do peão. Um dia em que ia pelo passeio com a namorada, fartou-se de estar constantemente a interromper a conversa e afastar-se dela, por os carros estacionados ilegalmente impedirem a passassem de duas pessoas lado a lado. Fartou-se e foi em frente, tal como era suposto. Por se irritar com a ocupação do espaço dos peões por caixas de metal, decidiu também passar a ser peão no local reservado para as caixas de metal.

Já há uns tempos que descobri na net um documentário famoso sobre ele, o Autoschreck (algo como  Susto do Automóvel) de 1995, um "clássico" do activismo pró-peão e anti-automóvel, mas sempre tive receio de o referir. Convenhamos que o senhor tem um pouco de doido, e  ninguém gosta de associar doidos à sua causa. Mas à parte da sua figura, será que faz realmente sentido acharmos que alguém que decide caminhar pelo alcatrão é doido? Qual é a diferença entre um peão a ocupar a zona dos carros e um carro a ocupar a zona dos peões? Ainda por cima um carro que está na zona dos peões nem tem uma pessoa lá dentro, é apenas uma caixa de metal. Parece-me que o doido é o outro.

Como o documentário mostra (e nem precisava de mostrar), um peão a ocupar o alcatrão é violentamente maltratado pelos automobilistas, mesmo em frente às câmaras. Mas nunca vi um automobilista a estacionar no passeio e a ser violentamente tratado por um peão.

 

Aqui fica o documentário de 15min. Veja-se pelo menos dos 0:30 aos 1:30, onde numa cena trágica (um pouco à 24 Horas mas trágica e muito frequente) se mostra bem como a parte mais fraca na mobilidade é apenas uma formiga que pode ser esmagada acidentalmente.