Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

Emissões da rodovia aumentam

MC, 22.06.17

Pela primeira vez desde 2010, a UE aumentou as suas emissões de gases com efeito de estufa, e o grande culpado disso foi o setor rodoviário.
Os fabricantes automóveis até cumpriram a sua parte (continuando a diminuir as emissões por km), mas um uso ainda maior por parte dos automobilistas contrariou isso.

The EU’s total greenhouse gas emissions increased in 2015 for the first time since 2010. Higher emissions were caused mainly by increasing road transport, both passenger and freight (...) Gains in the fuel efficiency of new vehicles and aircrafts were not enough to offset the additional emissions caused by a higher demand in both passenger and goods transport. Road transport emissions — about 20 % of total EU greenhouse gas emissions — increased for the second year in a row in 2015, by 1.6 %

 

https://www.eea.europa.eu/highlights/eu-greenhouse-gas-emissions-from-transport-increased

Um dia de carro

MC, 05.03.12

O automóvel é sempre o ponto de comparação quando pensamos em mobilidade e cidades. O andar de automóvel é o status quo, a visão do automobilista é o padrão. Dá jeito andar de metro? Parte-se sempre do ponto de vista do automobilista para se responder.

Mas o que será um dia de trabalho feito de carro, do ponto de vista de quem faz da bicicleta e dos transportes o seu padrão? Há uns 7 anos que eu não usava o carro num dia de trabalho em Lisboa, e tive de o fazer há dias (carro emprestado, obrigações familiares).

A primeira coisa que chamou a atenção é o tamanho da coisa. O blog está cheio de problemas que isso causa às cidades, mas o transtorno é igualmente grande para quem anda nele. Ficar completamente imobilizado durante minutos numa fila de trânsito, é claustrofóbico para um ciclista. Numa rua estreita, quando há um carro que decide estacionar, há uns 10 que ficam imobilizados à espera. Impensável. Chegar a um semáforo vermelho, ver o verde a passar e o vermelho a cair, e ter de esperar outra vez porque nem todos conseguiram passar, é desesperante. E estacionar? De que serve chegar ao local 2 minutos antes, se demoramos um quarto de hora a desenvencilhar-nos da coisa e a voltar a pé até ao sítio onde realmente queríamos estar? Uma vez foram voltas e voltas aos quarteirões para estacionar bem longe. Noutra, um parque subterrâneo, onde havia de atravessar um labirinto de pilares para alcançar os lugares disponíveis, ter de andar a pedir trocos para ir para a fila para pagar. De bicicleta escolho um poste à porta do destino, em segundos ponho e tiro o cadeado. Simples. 

Uma coisa chocante foi a falta de respeito pelas regras, pondo os outros em perigo. Os primeiros segundos do vermelho contam como amarelo. Andar a 50km/h numa avenida de Lisboa é ver os outros a passar a alta velocidade, e sujeitar-nos a uma businadela. 
Por último, o egoísmo latente em todos os comportamentos. Nas caixas de um supermercado ninguém pára uma fila para falar ao telemóvel, mas estranhamente este comportamento é socialmente aceite quando um automobilista interrompe uma faixa de rodagem para ir ao Multibanco.

No global, a verdade é que os automobilistas subiram na minha consideração. Por muito calmo que seja, não sei se aguentaria tamanho stress dia sim, dia sim.

 

 

..........................................................

O conselho para hoje, foi sugerido por um leitor há tempos: uma pequena reportagem da BBC sobre o comportamento dos condutores.

À rasca?

TMC, 15.03.11

 

 

Fica o facto: os jovens portugueses são os que compram mais carros novos entre os congéneres europeus. De acordo com as palavras da comentadora, há contudo duas questões que me parecem equivocadas:

 

1- os jovens portugueses não aderem mais ao carro apenas porque não existe uma rede mais densa e eficiente de transportes. Faltam mais restrições à procura, como maiores taxas de fiscalização do estacionamento. Que nenhum condutor se queixe disto: se meteram voluntariamente o pescoço na corda sujeitaram-se aos apetites do verdugo. Comprar um carro é ficar com menos liberdade.

 

2- associar carros híbridos e eléctricos à ecologia e à protecção da natureza é uma frase várias vezes repetida mas sem fundamento. Funciona para quaisquer duas fontes de poluição distintas: uma será sempre preferível à outra porque polui menos, mas não se torna verde apenas porque não polui tanto como a outra. A discussão mais relevante é acerca da necessidade de se continuar a manter na sociedade qualquer uma das fontes de poluição, não deve ser acerca da obrigatoriedade de escolher entre ambas.

 


O nosso texto "O comércio e a rua" foi nomeada para os "Green Blogger Awards". É ir votar :) Se ganharmos prometemos investir na biblioteca de  mobilidade sustentável para continuarmos a tentar apresentar textos de qualidade. Como o blogue A Nossa Terrinha.

O que está errado na imagem?

TMC, 21.09.10

Esta é a imagem que a autarquia de Lisboa tem afixado em vários pontos da cidade, assinalando a semana de mobilidade. Não quero discutir a ideia de que a semana da mobilidade serve como uma semana de excepção ou de propaganda que posteriormente a própria autarquia não cumpre.

 

 

Haverá alguma coisa de errado na imagem?


Talvez a figura do transporte de crianças devesse ser um transporte público. Mas nem é por aí. Sem querer ser mais papista que o papa, a questão da imagem poder transmitir uma mensagem errada do que deve ser a aposta na mobilidade nas cidades relaciona-se com a presença do carro eléctrico na imagem (identificável através de uma enorme tomada). Substituir 10% do parque automóvel comum de Lisboa por automóveis eléctricos resolveria alguns problemas de mobilidade, mas não todos. Isto, por exemplo, continuaria a acontecer. Porque a mobilidade não é só uma questão de racionalizar o uso para a melhoria do ambiente; é também uma racionalização do espaço, e nisso o automóvel eléctrico continuará a ser tão desajeitado como o automóvel com motor de combustão. Confundir que a mobilidade sustentável é apenas ambiente poderá inclusivé levar a um sobrestímulo da compra de automóveis eléctricos que tornaria a mobilidade em Lisboa pior do que antes. Pode gerar-se uma febre que ponha em risco a aposta na mudança modal para transportes públicos e modos suaves.

A China e os automóveis

TMC, 20.09.10

 

 

Perante o cenário do país mais populoso e com o crescimento económico mais galopante do mundo aumentar significativamente a qualidade de vida dos seus cidadãos, é expectável que o automóvel se generalize. A China foi o país que inspirou o aparecimento da primeira Massa Crítica em São Francisco, mas espera-se agora que ocorra uma generalização do automóvel como meio de transporte. As consequências ambientais e económicas aparecerão a seu tempo. Mas parece que a resposta à velha pergunta o que aconteceria se todo o mundo vivesse com o padrão de vida dos países desenvolvidos? está a ser respondida de duas formas: por um lado, através da consciencialização do Ocidente para a necessidade de refrear o consumo ou de empreender um consumo e escolhas de mobilidade mais responsáveis; por outro, pela vontade de países como a China, Índia e Brasil alcançarem precisamente o padrão de vida que no Ocidente temos como insustentável e impossível de ser generalizado.

 

Entretanto, também a consciencialização ambiental na China avança. Na 4ª Bienal Internacional de Arte de Pequim, o tema é "A preocupação ambiental e a existência humana". O trabalho de He Quiang é ilustrativo da ubiquidade transfronteirça do conflito automóveis x sociedade:

 

 

 

A propósito do TGV

TMC, 05.09.10

Reproduzo o artigo de Armando Pires no Público de hoje (penso não existir nenhuma ligação):

 

Paul Krugman não defende o TGV

 

Paul Krugman (Nobel da Economia em 2008), devido ao papel central que atriui aos custos de transporte no comércio internacional e na localização da actividade económica, tem sido citado pelo actual governo na defesa do TGV. Em particular, advoga-se que o TGV - ao diminuir o tempo de ligação e, como tal, os custos de transporte entre Lisboa e Madrid - irá aumentar as trocas comerciais e favorecerá uma distribuição mais equitativa da actividade económica na península Ibérica. Mas é mesmo isso que as teorias desenvolvidas por Krugman prevêem? Não necessariamente.

 

De facto, Krugman demonstra que uma redução dos custos de transporte tenderá a conduzir à aglomeração da actividade económica nos centros económicos. Isto acontece porque, ao localizarem-se nos mercados centrais, os agentes económicos podem simultaneamente servir as regiões periféricas com taxas de transporte favoráveis e explorar as vantagens da aglomeração nos centros económicos (economias de escala e spillovers tecnológicos). Assumindo que os centros económicos da península Ibértica são Madrid e Lisboa, isto poderia revelar-se benéfico para Portugal se os ganhos de Lisboa compensassem as perdas nas restantes regiões. Infelizmente, Lisboa não é um centro económico a nível ibérico. Num trabalho meu (ver referência abaixo) demonstrei que existem três centros na península Ibérica: Madrid, Catalunha e País Basco. Lisboa - a região mais central de Portugal - só é marginalmente mais central que a região mais periférica de Espanha, a Galiza. Sendo assim, segundo as teorias de Krugman, Portugal sairia perdedor com uma redução dos custos de ligação a Espanha.

 

Curiosamente, Krugman chegou a analisar um caso semelhante ao de Espanha e Portugal: dois países, cada um com o seu centro económico (Madrid e Lisboa), mas em que um deles é mais periférico que o outro (assim como Madrid é mais central que Lisboa), mas em que um deles é mais periférico que o outro (assim como Madrid é mais central que Lisboa). Nesta situação, Krugman defende que a melhor estratégia do país com o centro mais periférico (Portugal) é desenvolver as redes de transporte internas, de forma a permitir ao seu centro explorar o seu hinterland. Para Krugman, só quando Lisboa se tornar um centro ibérico é que se deve reduzir os custos de transporte entre Madrid e Lisboa.

 

Neste sentido, o desenvolvimento da infra-estrutura rodoviária e ferroviária em Portugal apresenta-se como prioritário. No entanto, enquanto os sucessivos governos apostaram na primeira, a segunda tem sido bastante negligenciada. O desinvestimento ferroviário é ainda mais preocupante, pois é sabido, da experiência do TGV noutros países, que este só é eficaz se interligado com as linhas de comboios convencionais. Ora, enquanto estas estão amplamente desenvolvidas em Espanha, tal não é o caso em Portugal. Corre-se, pois, o risco de o investimento no TGV se revelar ineficiente. Para além do mais, a existência de uma rede ferroviária forte em Portugal poderia ser a alternativa que as populações defendem às estradas pagas. No entanto, a mentalidade rodoviária está tão enraizada que a opção ferroviária não é sequer considerada na discussão sobre as Scut.

 

Todo este debate se mantém com ou sém o défice externo, mas ganha especial relevância no contexto actual, em que os investimentos públicos se devem restringir aos que de facto têm potencial para promover o crescimento tão ansiado da economia portuguesa.

 

Referências: Pires, Armando, 2005, Market Potential and Welfare: Evidence from the Iberian Peninsula, Portuguese Economic Journal, 4, 107-127.

 


O Público de hoje (o único jornal que ainda não adoptou o acordo ortográfico) contém ainda mais duas referências à mobilidade sustentável.

 

A crónica de Carlos Fiolhais versa sobre as diferenças civilizacionais da Alemanha e Portugal no âmbito dos transportes públicos. Está aqui.

O caderno CIDADES apresenta na reportagem "Gente feliz sem carro" vários testemunhos de lisboetas e portuenses que não precisam do carro para viverem as suas vidas. E gostam disso! Pode ser consultado aqui, mas aproveitem, porque em breve deixará de estar em linha. 

O fim do automóvel?

TMC, 21.05.10

Há uma enorme diferença de percepção entre os agentes que teimam em promover o automóvel e a de diversos especialistas académicos que assinalam, quando o não o seu fim, pelo menos o seu inevitável declínio.

 

No programa da TSF "Mundo Novo", responsável por assinalar as invenções humanas que mais marcam a nossa vida, falou-se do automóvel. A professora Ana Bastos resume bem quais as ferramentas que dispomos para refrear o uso de comportamentos de mobilidade ligados em exclusivo ao uso do automóvel.

 

E será o automóvel um mal necessário? Poderemos eliminá-lo completamente? A especialista é da opinião de que há deslocações que se têm de fazer obrigatoriamente de carro. Claro que falta dizer que foi a possibilidade das distâncias serem abatidas por via da velocidade de um automóvel que potenciou a construção de edificado...que só pode ser acedido por automóveis! Como já foi dito várias vezes por aqui, o automóvel modificou os próprios conceitos de urbanismo e arquitectura. Talvez seja por isso impossível uma cidade sem automóveis, tais como as conhecemos.

 

Mas a questão nunca deve ser posta em termos de tudo ou nada; deve-se sim assinalar que há vários graus de carro-dependência e que temos todos a ganhar em sermos uma sociedade que não dependa tanto do automóvel.

 

Dica: porque é que um programa sobre as melhores invenções tecnológicas deveria incluir a bicicleta? Respostas para aqui.

 


 

Estudos sobre a viabilidade da bicicleta em meio urbano são cada vez mais frequentes. Queiram ajudar o autor deste inquérito! Tem muitas perguntas pertinentes e maduras, o que já assinala que o andar e o fazer andar de bicicleta está a tornar-se mais complexo: já começa a haver uma cultura da bicicleta em meio urbano.

  


  

Ao andar de autocarro e com o aumento das temperaturas tenho visto cerca de 20 ciclistas por dia. Cerca de 10 à ida e outros 10 à vinda. O trajecto é em muitas partes contíguo a ciclovias por isso é suspeito estar a dizer que as ciclovias potenciaram mais ciclistas. Mas tenho para mim que em muito ajudaram, sendo por isso fundamentais para o aumento de ciclistas: digo isto porque o uso da bicicleta, na cidade, está muito ligado à percepção da segurança própria. Ora, é comum observar os ciclistas, na ausência da ciclovia, a continuarem o périplo no passeio. Talvez ignorância do código da estrada, talvez jogando pelo seguro. O que me parece certo é que, para além de faltar educação para a bicicleta, sem as ciclovias nunca haveria sequer a opção pelo uso da bicicleta de modo diário para tantas pessoas.

Porquê andar a pé?

TMC, 12.05.10

Qual é a principal diferença entre o andar a pé e andar de automóvel? Curiosamente, um automóvel deveria ser qualquer coisa que fosse capaz de auto-mover-se, mas parece que só classificamos os carros como os únicos objectos capazes de se automoverem.

 

É claro que a resposta depende do objectivo da deslocação. Se o meu objectivo for transportar móveis para uma mudança de casa não faz sentido carregá-los à mão pelas ruas durante todo o trajecto. Neste sentido, o andar a pé não pode competir com o automóvel. Porquê?

 

Nas cidades, o andar a pé é preterido com frequência pelo automóvel porque com este se consegue percorrer maiores distâncias em menos tempo. Quem está entre 10 a 20 minutos do emprego por automóvel demoraria talvez 40 minutos a pé até ao mesmo destino. Portanto, o argumento é de que com o automóvel poupa-se tempo na viagem para que se possa gastá-lo noutras actividades.

 

É comum dizer-se que o automóvel e outros meios de transporte vieram anular as distâncias. É aqui que reside um efeito pernicioso do automóvel. Enclausurados por metal e vidros, somos subtraídos ao ambiente exterior e através da velocidade estabelecemos uma relação com o espaço percorrido de passagem. A velocidade, tão prezada por nos poupar tempo (para quê?), resume a viagem apenas à chegada ao ponto de destino.

 

Ora, o andar a pé, ou melhor, o deambular, não é decerto uma solução para todas as deslocações, porque elas prestam-se a diferentes objectivos. Mas é aí que reside a sua importância. Mesmo que eu demore 15 minutos a pé até casa da Joana, o objectivo, apesar de ser ir visitá-la, acaba por ficar suspenso, porque vou percorrendo as ruas sem outro objectivo senão o de percorrê-las. Esta observação, aparentemente inócua, é precisamente o que o andar a pé e também de bicicleta facultam: uma maior atenção e sensibilidade ao espaço público, às redondezas, aos pormenores urbanos. O tempo demora, já não corre.

 

Se alguém duvida da importância do deambular como marca de uma maior consciencialização para a cidadania e para a natureza, basta verificar quais são os lugares em que de imediato notamos uma mudança no espaço: precisamente no local de emprego ou no local de residência, porque é aí que ainda fazemos uns minutos a pé entre o estacionamento do carro e a porta de casa.

 

Em resumo: só andando a pé é que nos ligamos ao mundo e em meio urbano ao que resta da cidade.

 


Alguns próximos oasseios pedestres na natureza e em meio urbano;

 

- "À descoberta do espírito do Douro", no dia 15 de Maio, organizado pela Oficina da Natureza;

- "Dias de Sicó" - passeio pedestre no Zambujal, no dia 16 de Maio, organizado pela Terras de Sicó;

-  Percurso pedestre em Paderne, também no dia 16 de Maio, organizado pela Almargem;

- O colectivo de arquitectos paisagistas Bound também organiza passeios regulares por Lisboa. É espreitar.

Tiro ao lado

TMC, 30.04.10

O debate actual sobre a política energética em Portugal parece centrar-se na efectiva relevância das energias renováveis. De um lado temos o governo, associações de empresas, como a APREN e a APEMETA e gigantes como a EDP; do outro temos um manifesto publicado por diversas personalidades que advogam a discussão acerca da relevância das renováveis. Se uns rejubilam perante os números de emprego criados, a potência instalada, as oportunidades criadas e o futuro verde cada vez mais próximo, outros contestam precisamente tais certezas. O confronto parece centrar-se nas seguintes questões:

 

1) número de postos de trabalho (temporários mais efectivos) criados pelas energias renováveis

2) valor do subsídio às energias renováveis, em especial a eólica e a fotovoltaica

3) impacto real na economia portuguesa (indicadores: criação de indústria própria e diminuição do preço da electricidade)

4) reflexos da dependência energética nacional no desenvolvimento económico do país

 

Um debate é sempre positivo. Pessoalmente, fiquei convencido de algum empolamento propagandístico presente nos jornais; digamos que  neles é frequente encontrarmos informação verde enviesada ou greenwashing. Uma das estratégias dos que defendem o investimento nas renováveis foi encostar os adversários ao papão nuclear, uma acusação que foi recusada enquanto caricatura, mas não enquanto estratégia futura. Tudo bem.

 

Repare-se que nesta discussão, a única presente no espaço da comunicação social, tudo gira à volta da energia eléctrica. É a forma de energia que as renováveis e o nuclear produzem. Talvez alguns números esclareçam os leitores. A energia eléctrica, em 2008 (dados mais recentes segundo a DGEG), correspondia a 22,5% do consumo de energia final, ou seja,  6,2% da energia final é produzida por Portugal sob a forma de energia eléctrica de origem renovável. O resto vem de termoeléctricas e de energia eléctrica importada (1,2% em 1990 e 5% em 2008) Por sua vez, 52,8% do consumo da energia final vem do petróleo importado, dos quais 62,2% são aplicados no modo rodoviário de transportes. Ou seja, 36,7% do consumo de energia final é aplicado em transportes rodoviários, de passageiros e de mercadorias.

 

Resumo: é um tiro ao lado. O verdadeiro problema energético está no sector dos transportes e não há nada nesta discussão que o aborde. Pior. A promessa de diminuição da nossa dependência em relação ao exterior saiu furada. Porquê? Como:

 

1) o consumo de energia eléctrica por habitante subiu 92% entre 1990 e 2008

2) há dificuldades no armazenamento e distribuição da energia eléctrica de origem renovável

3) as hídricas são altamente dependentes de anos com chuva

 

O resultado é que, apesar de termos instalado muito mais potência renovável, a percentagem de energia eléctrica nacional relativa ao consumo de energia eléctrica diminuiu (6,6% em 1990 para 6,2% em 2008). Como as previsões do consumo de energia eléctrica são para aumentar ainda mais, é previsível que este panorama não sofra alterações significativas. Juntemos a isto a falta de localizações para mais potência eólica e hídrica e é provável que o carro eléctrico não mude quase nada, porque, mesmo que seja massificado e provavelmente subsidiado, irá induzir a procura de mais energia eléctrica. O ritmo do consumo de energia eléctrica e de procura de petróleo rodoviário (aumento de 94% de 1990 para 2008) está a aumentar mais rapidamente do que a nossa capacidade de instalar renováveis e implementar tecnologias automóveis mais eficientes. O resultado é sermos mais dependentes.

 

No fundo, o sector dos transportes, quando é abordado na questão da energia, é sempre duma maneira que visa  o alcance dos objectivos via incrementos tecnológicos e conservando o estatuto do carro. Sou assumidamente um céptico quanto à possibilidade da tecnologia resolver todos os nossos problemas. Especialmente quando há outras maneiras bem mais simples de inverter estas tendências: mudar comportamentos. Temos de dizer que o carro está obsoleto e que quanto mais cedo nos habituarmos a não depender dele mais cedo podemos habituar-nos a ter uma vida melhor e ao mesmo tempo a ajudar o país. Não estou a dizer que a mudança de hábitos é a solução, mas antes que é necessária às melhorias tecnológicas. Como afirmou Francisco Ferreira ao Diário Económico:

 

Quando o ênfase nas energias renováveis é maior do que na redução de consumo e eficiência energética, quando a nossa potência instalada prevista é muito maior do que efectivamente precisaríamos, quando sectores chave como os transportes se pensa resolver principalmente através do veículo eléctrico e não duma política integrada de transportes, a conjugação da protecção do ambiente com as necessidades energéticas torna-se mais dificíl.

 


A ler: o relatório TERM 2009 sobre os transportes na União Europeia. Veja-se principalmente a sugestão clara dos pacotes Avoid & Shift, pág. 29.

Curiosidades

TMC, 22.04.10

Elaborei os seguintes gráficos com dados disponíveis no sítio do INE, Instituto Nacional de Estatística.

 

Não existem dados mais recentes, pelo menos do meu conhecimento.

 

O primeiro mostra a partição dos gastos familiares em 2006. É possível verificar que a partição gasta em habitação e alimentação, bens essenciais, são respectivamente de 14% e 15%, respectivamente. Os gastos em transportes ascendem a 14% e a roxo, com 1%, estão os gastos em ensino.

 

Gastos familiares médios em 2006

 

 

 

Terá a situação mudado em 15 anos? De todo. Algumas oscilações mas os índices de partilha mantêm-se mais ou menos os mesmos. Não tenho valores para outros países europeus; na ausência de dados são possíveis muitas leituras.

 

Uma delas: o parque automóvel aumentou imenso nos últimos anos: de 3301000 automóveis ligeiros em 1995 passámos para 5474000 automóveis ligeiros em 2006. Este enorme aumento traduz também o crescimento económico, reflectindo-se nas opções das famílias terem mais do que uma viatura. Se o índice se manteve mais ou menos na ordem dos 14% do orçamento familiar, então só poderemos dizer que também o mercado automóvel, em média, acompanhou essa procura, reflectindo-se no crescente preço final de um automóvel. Esta sedimentação do automóvel como meio de transporte preferencial acompanhou e até influenciou a edificação para lá dos núcleos urbanos e consequente fragmentação habitacional, levando a que, na ausência de transportes públicos - os novos edificados não os tinham sequer em conta - as famílias quase fossem obrigadas a usar o automóvel.

 

 

Tendências dos gastos familiares desde 1995

 

 

Uma política de planeamento urbano que resumisse a ocupação das cidades ao edificado já existente, não a expandindo, tornaria a opção automóvel secundária face a outras, simplesmente porque a deslocação casa - trabalho - casa seria feita em distâncias mais curtas. Claro que nesta política o preço da compra de uma casa ou da sua renda tem muita influência: é sabido que nos subúrbios as casas e as rendas são muito mais baratas. Se houver então uma auto-estrada que conduza à cidade sem custos adicionais, a opção está praticamente tomada. E os custos gastos em transportes não se reflectem nos custos para a sociedade.

 

Esta é, como disse, uma leitura possível, uma análise que não pretende ser factual. Por isso proponho o seguinte exercício aos leitores: façam umas contas de algibeira e vejam quanto pagam em transportes, habitação e ensino (se for o caso) de alguém do vosso agregado familiar. Poderão ver se estão abaixo ou acima da média das famílias portuguesas.

 

O meu caso em 2007:

 

- Transportes: < 1% (um ano a andar de bicicleta mais transportes casuais, para fora de Lisboa e viagens avulsas;

- Habitação: 24% (casa barata arrendada no centro da cidade de Lisboa)

- Ensino: <1% (proprinas do mestrado e bibliografia)

 

É verdade que vivia com mais duas pessoas mas penso que o orçamento não sofreria muitas mudanças. Também é verdade que não tínhamos filhos, e assim o ensino e os transportes estão muito abaixo do que poderá ser a maioria dos casos em Portugal.

 

E o leitor?