Alegadas vantagens económicas do automóvel: as externalidades positivas
Um argumento habitual a favor do uso do automóvel, é a ideia segundo a qual não é só o automobilista que ganha, mas a sociedade no seu todo. Ao chegar mais cedo ao emprego, posso trabalhar mais horas. Se for mais facilmente ao hipermercado, poderei fazer mais compras. Etc. Por a minha escolha de transporte não me beneficiar apenas a mim, mas toda a sociedade, ela seria uma "externalidade positiva". A consequência lógica seria contabilizar estes benefícios como parte integrante da minha escolha, e assim ela deveria ser incentivada.
Mesmo sem entrar em definições económicas, é fácil de perceber que este raciocínio é falacioso. Poder-se-ia igualmente argumentar que ao escolher andar de bicicleta, poupei alguns euros que depois vou poder usar na compra de produtos nacionais, logo positivo para a economia. Ou que hoje, ao ir almoçar uma bela pizza fora, não me beneficiei só a mim mas também aos empregados e aos donos da pizzaria, tal como os agricultores que produziram os ingredientes. Ou até - o meu exemplo preferido - que as viagens luxuosas que os grandes empresários nacionais fazem, são importantes para eles mas também para o país por os ter mais frescos e descansados para novas ideias de investimento.
Será que estes benefícios (que existem certamente) serão razão para apoiarmos financeiramente a minha ida de bicicleta, o meu almoço ou os passeios do João Pereira Coutinho? Seguindo este raciocínio dificilmente encontraremos algo que não merece ser apoiado, e depois sobra a questão: se tudo deve ser apoiado, quem é que resta para nos apoiar?
Em economia é claro quais são as escolhas que devem ser apoiadas ou desincentivadas, sendo aquelas onde há realmente uma externalidade positiva (ou negativa). Existe uma externalidade quando há consequências para terceiros que não são tomadas em conta por quem toma a decisão. O benefício que a sociedade tem em eu poder trabalhar mais umas horas já está reflectido no salário extra que eu vou receber, logo eu já tomo isso em consideração. Quando eu escolho almoçar a pizza, e o cozinheiro escolhe cozinhá-la para mim, ambos já estamos a pensar nos benefícios e custos causados aos outros: eu sou forçado a pensar no custo que lhe causo porque vou ter de pagar, ele pensa na minha satisfação porque vai receber. Estes casos não têm portanto externalidades.
O uso do automóvel tem sim fortes externalidades negativas. Ao optar pelo uso do automóvel, não tomo em conta o impacto que vou criar nos outros, em termos de poluição sonora, poluição atmosférica, horas perdidas em congestionamentos, etc. porque isso não está reflectido em nenhum benefício ou custo, monetário ou intangível, que eu venha a ter. Aqui a teoria economia é clara: o que não é resolvido a bem, deve ser feito a mal: todos as escolhas com externalidades negativas devem ser taxadas de acordo com o impacto que causam. No caso do congestionamento, pode chegar quase aos 2€ por km percorrido.
(texto emendado a 1.4.14)
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As leituras recomendadas de hoje são exactamente sobre isto: um Prémio Nobel a explicar que o automóvel deve pagar portagens urbanas, e uma estimativa das externalidades negativas do automóvel em Portugal pelo Vera Veritas.