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Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

Menos Um Carro

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Av. Brasil: manual da hegemonia automóvel no espaço público I

MC, 02.01.11

A Avenida do Brasil em Lisboa é um triste exemplo de como temos deixado o espaço das nossas cidades ser conquistado pelo automóvel. Esta avenida  é particularmente interessante por ser uma avenida (1) moderna, (2) larga, (3) numa das áreas onde houve planeamento urbano digno desse nome, (4) central, (5) com metro a 300m, (6) servida por imensos autocarros, (7) foi abençoada pelo plano de ciclovias, resumindo teria tudo para ser um bom exemplo.

 

1. Espaço para peões

 

Num local onde o automóvel tem direito a sete faixas, os peões têm direito a isto:

 

Noutros locais nem isso:

 

 

 

2.  Prioridade ao peão

 

Nos cruzamentos o automóvel espera apenas por um semáforo.  Os peões não podem atravessar diretamente, sendo obrigados a contornar o cruzamento e esperar duas vezes.

 

 

3. Caminho do peão

 

Uma travessia de peões acaba diretamente... contra um quiosque cheio de publicidade.

 

 

O piso está danificado em inúmeros lugares graças ao estacionamento no passeio.

 

 

 


Felizmente Portugal tem vários beneméritos que defendem o direito dos pobres automobilistas: Associação Empresarial diz que autarquia coloca em causa qualidade de vida dos automobilistas. (obrigado Jorge)

Conclusões de um taxista chateado

TMC, 05.11.10

Movimento “Menos um carro” diz que há menos automóveis a entrar diariamente em Lisboa

Conclusão: se os autocarros da Carris (empresa responsável pelo "movimento") mal entram nos subúrbios de Lisboa, a diminuição do número de entradas por carro na cidade não se deve aos transportes públicos da empresa.

Energia: Administração Pública é quem menos contribui para eficiência energética do país.

Conclusão: é inevitável. A solução era não terem feito edifícios envidraçados no meio do nada com parque de estacionamento gratuito só por os terrenos serem mais baratos. Ver localização da Agência Portuguesa do Ambiente.

Viseu: 94 atropelados nas passadeiras

Três mil atropelamentos custaram a vida a 56

ACP lança campanha sobre cuidados para atravessar estradas

Conclusão: esta é fácil: o presidente do ACP é uma besta.

Uso generalizado da bicicleta é benéfico para a sociedade.

Conclusão: se sabemos que existem benefícios no uso da bicicleta e malefícios no uso do carro nas cidades, porque é que há tanta liberdade de escolha?

Dois países

TMC, 31.10.10

O caderno "Cidades" do Público traz hoje uma série de artigos sobre a realidade da mobilidade no interior do país. Neste blogue abordamos com mais frequência as desvantagens da utilização massiva do automóvel em meio urbano e a série de políticas públicas que seguiram o seu paradigma, redundando na proliferação das auto-estradas e redução dos serviços prestados pelo transporte ferroviário.

 

O princípio chave que sustenta todas as sucessivas críticas é que o direito à mobilidade, consagrado na constituição portuguesa, seguiu a equivalência de um automóvel por cidadão; o pensamento é o seguinte: com um automóvel poderemos chegar a qualquer lado, desde que haja estradas e estacionamento. Ora, é uma solução redutora: além dos defeitos para que temos apontado de modo sistemático, esta solução pressupõe que todos os portugueses têm capacidade para o fazer (com ou sem recurso ao crédito) e que o devem fazer.

 

O automóvel é uma boa solução enquanto existirem certas condições que o satisfaçam: estradas, viagens semanais frequentes, estacionamento farto ou fiscalização reduzida e inexistência de impostos que internalizem todos os custos envolvidos no seu fabrico e uso generalizado. Se as últimas condições são políticas e financeiras, as primeiras coincidem com o ordenamento do território de meio urbano. Em meio rural, um automóvel como solução universal de mobilidade não pode vingar porque a sua compra não seria justificável, e assim o direito à mobilidade raramente é assegurado, pois qualquer rede de transportes públicos implica custos adicionais; carreiras vazias e com baixa frequência, já que as aldeias estão dispersas, fragmentadas, longes da capital de distrito onde existem os serviços de farmácias, as escolas, os hospitais. Nem falemos da cultura.

 

O que os artigos demonstram é precisamente a existência de dois países e de um paradoxo: o que pensamos ser um enorme problema no país de meio urbano dado o excesso de automóveis ou, posto por outras palavras, dado o excesso de democratização da viatura individual, é, no país do interior rural, um enorme problema dada a escassez dessa mesma democratização. Aconselha-se a leitura desta peça, que traça o panorama geral, (depressa porque estes artigos tendem a desaparecer) e a procura de soluções em Bragança, Beja e em Castela-Leão.

 

A mensagem é a seguinte: a mobilidade é um direito, tornando-se por isso uma questão social por excelência e o automóvel simplesmente não é capaz de suprir esse direito em todo o lado. O país urbano é prejudicado pelo excesso do seu uso e o país rural é prejudicado pela falta do seu uso. Enquanto eu, vivendo em Lisboa, não me sinto prejudicado (e não prejudicando ninguém) por não usar um carro no acesso aos serviços que melhoram a minha qualidade de vida, no interior teria de ter um carro para garantir esse mesmo acesso; a questão é que ninguém deve ser obrigado a ter carro, mas deve ter direito à mobilidade. São coisas diferentes.


A Câmara Municipal do Porto instalou um brinquedo inócuo que diz aos peões quanto tempo têm para não morrer atropelados. Aumentar o tempo de passagem nas passadeiras complica sempre as contas dos engenheiros de tráfego.


Perante o novo plano de austeridades, a Associação Académica da Universidade do Algarve bate-se pelos direitos dos seus alunos. Como? Mais estacionamento para os carros dos estudantes, ora pois. Ver aqui (foto tirada do Spectrum).

Põe a burqa, que há uma mulher violada a cada dia

MC, 03.10.10

Já temos finalmente imagens da hipócrita (por ser dirigida à vítima e não ao criminoso) campanha promovida pelo lóbi do popó, com a colaboração da PSP, do Governo e das CMs.

Porto (onde há 316 atropelamento nas passadeiras por ano):

 

Lisboa:

 

Enviar esta mensagem ao peão ao mesmo tempo que nada se diz ao automobilista, é do mais cínico que existe. O que o ACP quer com isto é óbvio, passar a ideia que a culpa é do peão. O que não se entende é a colaboração das autoridades.

 

 


Posta recomendada no A Nossa Terrinha: Os campeões das auto-estradas: Adenda 1

"Arreda! Arreda!" versão 2010

MC, 16.09.10

Afonso de Bragança, duque do Porto, irmão do penúltimo rei português e um dos primeiros carro-dependentes portugueses, ficou conhecido como o Arreda graças ao seu modo de conduzir. Lançando o seu carro a altas velocidades pelo Porto, gritava incessantemente "arreda, arreda!" às pessoas que lhe apareciam no caminho.

Um século depois a monarquia morreu mas o arredismo ainda está bem no sangue de muitos. O lóbi do popó lança hoje uma campanha, ironicamente começando no Porto e com o vergonhoso apoio das Câmaras, da PSP e a ANSR,  que quer sensibilizar os peões a terem cuidado a atravessarem a rua. Não há uma única menção de sensibilização dos condutores (que em Portugal são mais protegidos do que no Norte da Europa no caso de atropelamentos).

Centrar a sensibilização e a repressão nas potenciais vítimas é exatamente o raciocínio que seguem os extremistas islâmicos que defendem o uso de véus  e burkas para que as mulheres não sejam violadas, como defendi aqui. De onde volto a repetir: se Portugal tem dos piores registos em termos de atropelamentos de crianças, e sendo que as crianças são inconscientes em qualquer parte do mundo, o nosso problema não está certamente no comportamento dos peões.

 

Adenda: excelente resposta da ACA-M, "não há memória de um peão ter atropelado um automóvel".

 

 


O túnel do Marquês, um dos símbolos da ditadura do automóvel em Lisboa, vai ser fechado ao trânsito motorizado durante a noite de 21 de Setembro. Para essa noite está marcada uma grande descida de bicicleta dentro do túnel. Aparece!

 

Sinistralidade dos peões no Público

MC, 24.08.10

O Público tem hoje uma série de artigos sobre o assassinato de peões nas nossas cidades.

Diz-se que as multas vão passar a ser cobradas num espaço de 48 horas, porque como diz e bem o secretário de Estado da Protecção Civil, "esta é a única linguagem que muitos condutores entendem: a da contra-ordenação". Há um relato de um dos muitos atropelamentos de crianças a aproximarem-se de autocarros (a lei alemã por exemplo é especialmente exigente a carros a passarem perto de autocarros), acompanhado por algumas declarações de quem fez um mestrado sobre o tema. Por último uma entrevista com o presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, Paulo Marques, sobre este tema.

Já muito escrevi aqui no blogue sobre isto, sempre alertando que mesmo as propostas das pessoas mais sensibilizadas para este problema (como as pessoas acima mencionadas), estão ainda longe do que já existe na prática no norte da Europa, por exemplo a strict liability. Deixo apenas um parágrafo antigo que mostra bem a gravidade da situação:

Um estudo do Departamento de Transportes do Governo Britânico sobre sinistralidade das crianças enquanto peões coloca Portugal no pior lugar dos países europeus analisados. Descontando a Polónia, todos os países têm taxas que são menos de metade (!) da taxa portuguesa. Por se tratarem de crianças, logo com menos noção sobre o comportamento e as regras do trânsito, seria de esperar que os números não fossem tão díspares. Concluí-se neste caso que o problema está no comportamento do condutor e não no do peão.

 


A ler, mais um relato sobre Vauban, subúrbio de Freiburg, desta feita no Apocalipse Motorizado baseado num artigo da Carbusters.

Menos Carros = Menos Pessoas? IX

MC, 18.08.10

Mais um brilhante vídeo da Streetfilms sobre a devolução do espaço público às pessoas em Copenhaga. A história repete-se: quando se levanta a possibilidade de fechar uma rua ou praça ao trânsito ou reduzir o estacionamento, há uma forte oposição por parte dos comerciantes e há o receio de se criar uma zona morta.

Copenhaga também mostrou que os receios eram infundados, e foi nas ruas fechadas ao trânsito que a vida e o comércio floresceram.


 

Em Lisboa, a Avenida Duque de Ávila (que esteve fechada ao trânsito seis anos sem que nenhum mal viesse ao mundo) esteve para servir de projecto piloto em termos de pedonalização de uma zona muito comercial, mas também muito dominada pelo automóvel, de Lisboa, o Saldanha. Houve muita oposição, a CML vai seguir com uma versão light do projecto inicial. Grande aumento de passeios, esplanadas, mas infelizmente mantêm-se duas faixas e pior ainda estacionamento à superfície (numa zona apinha de estacionamento subterrâneo). Mesmo que reduzido, o projecto vai alterar radicalmente para melhor aquela zona.

 


A ler no A Nossa Terrinha: Faro, pelo direito a estacionar no passeio. Infelizmente o título resume mesmo aquilo que aconteceu.

Porquê andar a pé?

TMC, 12.05.10

Qual é a principal diferença entre o andar a pé e andar de automóvel? Curiosamente, um automóvel deveria ser qualquer coisa que fosse capaz de auto-mover-se, mas parece que só classificamos os carros como os únicos objectos capazes de se automoverem.

 

É claro que a resposta depende do objectivo da deslocação. Se o meu objectivo for transportar móveis para uma mudança de casa não faz sentido carregá-los à mão pelas ruas durante todo o trajecto. Neste sentido, o andar a pé não pode competir com o automóvel. Porquê?

 

Nas cidades, o andar a pé é preterido com frequência pelo automóvel porque com este se consegue percorrer maiores distâncias em menos tempo. Quem está entre 10 a 20 minutos do emprego por automóvel demoraria talvez 40 minutos a pé até ao mesmo destino. Portanto, o argumento é de que com o automóvel poupa-se tempo na viagem para que se possa gastá-lo noutras actividades.

 

É comum dizer-se que o automóvel e outros meios de transporte vieram anular as distâncias. É aqui que reside um efeito pernicioso do automóvel. Enclausurados por metal e vidros, somos subtraídos ao ambiente exterior e através da velocidade estabelecemos uma relação com o espaço percorrido de passagem. A velocidade, tão prezada por nos poupar tempo (para quê?), resume a viagem apenas à chegada ao ponto de destino.

 

Ora, o andar a pé, ou melhor, o deambular, não é decerto uma solução para todas as deslocações, porque elas prestam-se a diferentes objectivos. Mas é aí que reside a sua importância. Mesmo que eu demore 15 minutos a pé até casa da Joana, o objectivo, apesar de ser ir visitá-la, acaba por ficar suspenso, porque vou percorrendo as ruas sem outro objectivo senão o de percorrê-las. Esta observação, aparentemente inócua, é precisamente o que o andar a pé e também de bicicleta facultam: uma maior atenção e sensibilidade ao espaço público, às redondezas, aos pormenores urbanos. O tempo demora, já não corre.

 

Se alguém duvida da importância do deambular como marca de uma maior consciencialização para a cidadania e para a natureza, basta verificar quais são os lugares em que de imediato notamos uma mudança no espaço: precisamente no local de emprego ou no local de residência, porque é aí que ainda fazemos uns minutos a pé entre o estacionamento do carro e a porta de casa.

 

Em resumo: só andando a pé é que nos ligamos ao mundo e em meio urbano ao que resta da cidade.

 


Alguns próximos oasseios pedestres na natureza e em meio urbano;

 

- "À descoberta do espírito do Douro", no dia 15 de Maio, organizado pela Oficina da Natureza;

- "Dias de Sicó" - passeio pedestre no Zambujal, no dia 16 de Maio, organizado pela Terras de Sicó;

-  Percurso pedestre em Paderne, também no dia 16 de Maio, organizado pela Almargem;

- O colectivo de arquitectos paisagistas Bound também organiza passeios regulares por Lisboa. É espreitar.

Na imprensa

MC, 15.04.10

1. O i tem dois artigos interessantes sobre uma tese de mestrado sobre a assunção da culpa por parte dos homicidas ao volante, com o sugestivo título de "Nunca tive um comportamento de risco mas já andei na auto-estrada com a minha mota a 290". O artigo vem a propósito da condenação a três anos de prisão para a homicida ao volantedo Terreiro do Paço, condenação que a ACA-M considerou como excecional, e onde a homicida não reconhece a culpa apesar de circular a 110km/h no centro da cidade, culpando o carro que "ganhou vida". Alguns excertos:

 

"A maior parte dos condutores não se culpabiliza e tenta atribuir a responsabilidade a outros elementos externos", aponta a autora, mestre em risco, trauma e sociedade. "São mecanismos de preservação da auto-estima, de defesa, mas que bloqueiam a mudança de comportamentos", acrescenta.

 

A negação da culpa não acontece apenas em caso de acidente - as justificações são comuns nas infracções, como excesso de velocidade. "As pessoas assumem a desobediência, mas consideram-se boas condutoras: justificam a infracção com o seu desempenho técnico, com a percepção de segurança e o controlo no momento"

 

Em 2009 foram atropeladas 6.133 pessoas, uma média de 17 por dia.

 

As pessoas tendem a atribuir a responsabilidade aos outros ou a factores como o estado do pavimento ou as condições climatéricas.

O exemplo de alguém que atropelou uma pessoa, causando danos físicos graves. Mantém uma contenda judicial. Essa pessoa disse-me que sente culpa por ter causado aquele dano físico, mas não aceita a responsabilidade pelo acidente porque diz que a pessoa estava fora da passadeira. Quando me descreveu as lesões que a outra pessoa sofreu torna-se claro que aquele tipo de lesões não são passíveis de serem causadas por um carro que viesse a 30 ou a 40 quilómetros por hora, como me disse que circulava.

 

Existe uma noção muito individualista do acto de conduzir em Portugal. As pessoas conduzem na relação de comando do veículo, com alguma consideração pelas regras, o que segundo o resultado do meu estudo passa apenas pelo cumprimento da sinalização, dos semáforos e pouco mais. As pessoas não incluem o excesso de velocidade na infracção, nem conversas ao telemóvel e uma série de outras coisas que por definição são infracções. Falam delas à parte, o que é significativo.

 

Uma das premissas básicas para alguém mudar passa por admitir que teve um comportamento errado. Se não aceita o erro tenho dúvidas que a pena resolva. Poderá mudar o comportamento pela coacção de uma sanção - eu tenho maiores indícios de mudança de comportamento nos indivíduos formalmente culpados, porque as sanções (cassação da carta, multas) interferem com a vida quotidiana e a carteira.

 

(...)países da Europa com baixas taxas de sinistralidade, com estratégias preventivas profundas, não têm prisões com pessoas que atropelaram alguém ou causaram acidentes. A prevenção age de outra forma: as pessoas são responsabilizadas, mas muito mais cedo do que nós somos. Há uma tolerância para a infracção muito menor do que nós temos, as pessoas começam a ser punidas por actos bem menos graves comparados com o que se passa em Portugal. E o peso da sanção é tão gravoso que a dissuasão parece funcionar.

 

Tudo isto reforça a minha opinião de que os condutores não se apercebem que são eles que têm constantemente uma arma nas mãos. É fundamental atribuir a culpa à partida ao automobilista num atropelamento/acidente com bicicleta.

 

2. O JN diz hoje que o Governo quer agilizar o processamento de multas nos casos onde apenas o veículo, e não o condutor, é identificado (ex: radares, estacionamento ilegal), passando os seus donos a serem notificados em 3 a 5 dias. Passar uma multa é hoje um processo burocrático tremendo para um guarda o que desincentiva o seu bom desempenho. Esperemos que mude, e que as multas sejam cobradas.

 


O e2 Series tem um documentário muito interessante sobre a famosa auto-estrada que atravessava o centro de Seul, e que foi desmantelada há anos. Mostra o quão era afectada a cidade, as fortes resistências que houve e mostra como afinal tudo correu bem. Infelizmente não há linl direto, está em Webcasts, Transport, Seoul.