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Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

Menos Um Carro

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Sai-me da frente, uma questão de status II

MC, 11.03.09

Como disse aqui, queria mostrar que sempre que um automobilista refila por um ciclista o fazer perder uns segundos, ele está a ter uma visão completamente distorcida de quem está a atrapalhar quem. Isto é sintomático de uma sociedade onde tudo é visto a partir do volante do carro.

 

1. Sinistralidade

Os automobilistas chegam a matar ou a ferir gravemente os ciclistas. Por mera desatenção!

Não consta que algum ciclista tenha alguma vez morto um automobilista.

2. Stress

(É relacionado com o primeiro, mas uma coisa não implica a outra. Todos sabemos que o avião é seguro, mas o stress fica lá). Andar de bicicleta no meio do trânsito é algo stressante - mesmo para quem tem experiência, de constante receio de podermos sofrer um acidente. Até um automóvel estacionado é perigoso, porque alguém pode abrir a porta sem ver.

Não consta que algum automobilista tenha entrado quase em pânico devido a um ciclista.

3. Contenção

Também relacionado, mas também diferente. Nas cidades portuguesas há muita gente que diz que gostaria de se deslocar de bicicleta, mas não o chega a fazer porque têm medo.

Não consta que algum automobilista tenha deixado de tirar a carta por medo das bicicletas.

4. Barreiras arquitectónicas

As cidades estão cheias de barreiras como túneis, pontes, vias-rápidas, passeios ou muros de separação central (até no centro de Lisboa), que existem exclusivamente devido aos automóveis - os transportes públicos precisam de muito menos espaço para transportar as mesmas pessoas. Estas barreiras impedem os ciclistas de fazer o percurso que seria mais directo, tendo por ex. que contornar um troço de via-rápida.

Não consta que algum automobilista tenha perdido 5 minutos a contornar uma ciclovia, ou uma simples rua urbana, algo que chega e sobra para os ciclistas.

5. Semáforos

Numa cidade onde todos se deslocassem de transportes, bicicleta e a pé, não seriam necessários semáforos. Grande parte do tempo de uma deslocação na cidade resume-se a esperas nos semáforos.

Mesmo em Copenhaga e Amesterdão, não consta que algum automobilista perca grande parte do seu tempo à espera que as bicicletas passem.

6. Regulamentações

Ruas de sentido único, proibições de virar, etc. só existem devido aos automóveis. É mais um desvio, mais tempo perdido, que nos é impingido pelo automóvel.

Nos países onde existem redes viárias exclusivas para bicicletas, não consta que um ciclista seja proibido de virar à esquerda para não atrapalhar os ciclistas que vêm de frente.

7. Distâncias na cidade

A cidade reestruturou-se com o automóvel. O que dantes havia no bairro e onde se chegava em 10 minutos, já não está lá muitas vezes. Está a kms de distância porque a cidade foi-se alterando de acordo com o automóvel. As distâncias médias percorridas nas cidades têm aumentado nos últimos anos, o que dificulta a mobilidade dos ciclistas.

Não consta que o mesmo tenho acontecido por culpa das bicicletas.

8. Congestionamento

Os carros por ocuparem tanto espaço causam congestionamento, ao contrário dos transportes públicos (um autocarro tem o mesmo efeito que 3 ou 4 carros julgo eu, mas leva 30 ou 40 vezes mais), das bicicletas e dos peões. E apesar da bicicleta andar mais depressa que o carro na hora de ponta, anda muito mais devagar do que andaria numa rua desimpedida. Além disso o congestionamento dificulta imenso a condução do ciclista, que tem que estar constantemente a contornar obstáculos.

Não consta que em Copenhaga ou Amesterdão, os ciclistas tenham ficado parados porque as ruas não tinham capacidade suficiente para o fluxo de bicicletas.

9. Cansaço

Os 5 pontos anteriores, especialmente os semáforos, obrigam o ciclista a ter constantemente que travar e reacelarar. Como qualquer ciclista sabe, isso cansa mais do que manter a velocidade.

Não consta que um automobilista tenha ficado cansado por culpa dos ciclistas.

10. Ruído

Não se compara o ruído de um e do outro.

Não consta que algum automobilista tenha ficado atordoado com um buzinar de uma bicicleta.

11. Poluição

O ciclista "emite" um "poucoxinho" de CO2 e vapor de água. O automobilista emite um bocadão de CO2, CO, NOx, SOx, partículas, chumbo, ozono e VOCs.

Não consta que a saúde de algum automobilista tenha sido prejudicada por um ciclista.

 

E se os automobilistas se queixam do tempo que perdem por culpa dos cilcistas, dos pontos acima há 5 que mostram o inverso! 


Cartoon bem a propósito, do Yehuda&Moon

(obrigado Gonçalo)

Custos sociais do automóvel

MC, 28.09.08

Os custos de uma mobilidade baseada no automóvel não são só ambientais, económicos (infra-estruturas e combustíveis), de congestionamento e ocupação do espaço urbano. Também há grandes custos sociais causados pelo modo como as cidades são pensadas. São os velhos e os deficientes que têm dificuldade em deslocar-se, as crianças que não podem brincar na rua, o sentimento de insegurança por as ruas estarem desertas, a vida de bairro destruída por uma via-rápida. Aqui ficam mais dois exemplo curiosos.

 

1. Ruas movimentas vs ruas calmas

Um estudo feito em Bristol mostra que quem mora em ruas com muito trânsito conhece menos pessoas, interage menos com os vizinhos e ajuda-os menos, não tem sentimento de comunidade, vive principalmente na parte de trás das suas casas, mantém as janelas fechadas, não deixa as crianças brincar fora de casa, não as deixa ir sozinhas para a escola. Um artigo do Guardian a ler! (via)

 

2. Emoções fortes

O projecto BioMapping mede a intensidade das emoções (emotional arousal) das pessoas em vários pontos das cidades através de sensores biométricos. Em baixo, o gráfico perto de um cruzamento com trânsito intenso... A diferença em relação a outros pontos é abismal... e não serão certamente boas emoções!

Obrigado Mário!

 


Relatório recomendado: A Agência Ambiental Europeia diz que o sector dos transportes (e não a indústria!) é no global o principal emissor de poluentes perigosos para a saúde, sendo a fonte número 1 ou 2 em vários poluentes. 

A falsa questão da liberdade individual no controlo do trânsito

MC, 07.08.08

O Público tem hoje uma não-notícia na primeira página, onde é dito que as portagens vão ser mais caras para os carros só com um condutor à entrada de Lisboa (medida que a Quercus defende há mais de uma década). É uma não-notícia porque é apenas uma proposta de um estudo qualquer, e não uma decisão do governo (que já veio sublinhar isso mesmo). Aliás já perdi a conta à quantidade de posts que já escrevi aqui sobre medidas anunciadas pelas próprias autoridades, que depois não foram postas em prática.

 

O que me leva a escrever foram as várias reacções em blogs e em comentários à notícia que já surgiram esta manhã, algumas acusando esta não-medida de ser um ataque à liberdade individual. Eu diria que proibir o roubo de maçãs num hipermercado também é um atentado à minha liberdade.

Aqui entra o velho chavão de a nossa liberdade acabar onde começa a dos outros. O roubo da maçã não me afecta só a mim, afecta também terceiros (essa coisa vaga que são os proprietários do hiper). Ora como eu já aqui escrevi, andar de automóvel na cidade não é um decisão pessoal como beber café ou chá, mas mais como tocar bateria ou não às 4 da manhã num prédio. Em economia dos transportes é consensual que os custos de congestionamento que eu imponho aos outros (ao conjunto vago dos outros transeuntes) quando opto por andar de carro na cidade, são bem maiores do que os custos que eu acarreto pela minha decisão (combustível, desgaste do carro, etc...)... e até poderiam ser menores que a argumentação manter-se-ia. Assim ao entrar na cidade, ponho em causa os direitos de terceiros, logo o meu direito a entrar na cidade sem as devidas contra-partidas não pode ser tomado como um direito absoluto, tal como o meu direito de comer as maçãs que me apetecer não o é

 

Quanto à medida em si, e apesar de concordar que é bem melhor que nada (especialmente por incentivar uma cultura de car-pooling), tenho algumas dúvidas quanto a ela. Não percebo porque é que dois carros que causam os mesmíssimos custos à sociedade, devem ser tratados de modo diferente.

 


Post recomendado: O RedTuxer do Uma bike pela cidade esteve em Paris a visitar as Velib, as bicicletas públicas que tanto sucesso estão a ter.

 

Já agora peço desculpa pela quantidade enorme de comentários que estão à espera de uma resposta minha...

Carro beneficiado face ao transporte público!

MC, 19.07.08

Já depois de ter escrito o post sobre a obsessão do primeiro-ministro pelos automóveis eléctricos, o governo veio emitir um comunicado a corrigir as palavras do primeiro-ministro. Afinal os automóveis eléctricos não estão apenas isentos de 70% do Imposto Automóvel, estão sim totalmente isentos.

Pior, também estão isentos do imposto de circulação (o antigo imposto municipal)!

Pior ainda, por andar a electricidade, também estão a ser financiados indirectamente porque a electricidade em Portugal está abaixo do seu valor normal de mercado (lembram-se das confusões com a ERS?).

 

São assim três vantagens financeiras dadas pelos Estado ao automóvel eléctrico, mas que o mesmo Estado não dá a quem anda de transporte público (autocarro)! E isto apesar de um passageiro de um autocarro a gasóleo ter um impacto ambiental e energético claramente menor do que um automobilista num carro eléctrico, apesar de causar menos sinistralidade, necessitar de menos infra-estruturas, ocupar menos espaço urbano, promover um estilo de vida mais saudável, dar mais vida humana à cidade, causa menos congestionamento, e poupar em tantos outros custos que o transporte privado tem.

O sistema de incentivos económicos sobre as externalidades destes dois meios de transporte estão claramente invertidos.

 


Notícia recomendada: o Bloco de Esquerda apresentou algumas propostas de alteração ao código da estrada em benefício do peão e da bicicleta. Como já aqui tantas vezes escrevi, o nosso código tem um tratamento discriminatório sobre o peão e o ciclistas que não existe na maioria dos códigos europeus.

Projecto de Lei disponível aqui.

A Janela da Vizinha

MC, 26.05.08

Viver numa rua movimentada é estar condenado a sermos constantemente, 24h sobre 24h, a ser incomodados em casa sem o pedirmos. Um forte zumbido constante apimentado com agradáveis e frequentes buzinadelas (proibidas mas nunca penalizadas) e para os mais sortudos com uma buzinadela contínua de 5 minutos, quando alguém estacionou em segunda fila. É termos que aturar um barulho tremendo que não nos deixa descansar, ver a televisão sossegados e que causa em muitos problemas de concentração e ansiedade. A minha vizinha de baixo não se quis sujeitar a isto e teve que pagar 1400 euros para isolar minimamente o som com janelas duplas... apenas 3 salários mínimos. Agora multipliquem isto por todas as casas em todas as ruas movimentadas do país.

Estamos perante um caso em que a vítima é claramente quem acarreta com todas as consequências de um acto provocado por um anónimo, que passa totalmente incólume. É como ser obrigado a insonorizar a casa porque o vizinho organiza concertos às 3 da manhã, pagar o arranjo do  nosso carro quando estávamos parados e levámos com um outro em cima.

 

E aqui fica mais uma razão para portagens urbanas e parquímetros. Porque convidam a não usar o carro na cidade e permitem ao mesmo tempo que quem sofre seja indirectamente compensada, porque a câmara pode baixar outros impostos.

 


Notícia recomendada: a UE quer forçar a publicidade automóvel a ser mais explícita na informação sobre o consumo e as emissões de cada automóvel, e a usar slogans menos agressivos. Os Friends of the Earth alertam que desde 1999 que há uma directiva europeia que obriga a que esta informação esteja bem explícita (uma recomendação de 2007 aponta para 20% do espaço do anúncio), mas a indústria automóvel  voltou a desrespeitar mais esta norma. Esta associação tem uma campanha para denunciar este incumprimento (tendo já conseguido uma condenação na Bélgica), apelando a todos europeus que lhes enviem anúncios onde isto aconteça.

 

Poluímetros

MC, 07.03.08

Foto de Jeroen Verhoeven do Friends of the Earth

Nas entradas de Bruxelas há vários destes pollumètres que indicam em tempo real a qualidade do ar no local. Este pollumètre que indica uma qualidade de ar "muito medíocre" está, por uma ironia bem negra, em cima de um cartaz de incentivo à compra do campeão destacadíssimo da poluição atmosférica e sonora nas cidades, o automóvel.
Em Portugal este tipo de informação também está disponível (não em tempo real) na página qualar.org, mas acho fundamental que ela esteja bem explícita e espalhada por todos os cantos das cidades, como em Bruxelas. Não tanto para avisar a população dos perigos que está a correr, mas para lembrar, relembrar e martelar bem na mente dos automobilistas que as suas decisões individuais não afectam apenas eles próprios - como deitar cedo ou tarde, tomar café ou chá, ir ao teatro ou ao cinema - mas têm um forte impacto negativo na vida dos outros.

Pequenos "efeitos colaterais" da ditadura do automóvel X

MC, 04.03.08
Noise from rail and road transport is linked to 50,000 fatal heart attacks every year and 200,000 cases of cardio-vascular disease in the EU, de acordo com um estudo da European Federation for Transport & Environment.
Uns 135 mortos por dia apenas devido ao ruído dos transportes!

The study estimates that the full costs to society, including costs to health services, of traffic noise pollution are at least EUR 40 billion per year.

Children exposed to high levels of traffic noise have been shown to suffer from difficulty concentrating; difficulty sustaining attention; difficulty remembering complex issues and poorer reading and general school performance. Costs to business include sick days and lower productivity of staff.

Cada condutor inglês custa 512€ em saúde em comparação com um ciclista

MC, 22.01.08
Ora aqui está mais um número a provar os enormes custos que a ditadura do automóvel traz à sociedade. Um estudo da Cycling England, uma organização semi-governamental, indica que por cada automobilista que deixe o automóvel e passe a usar a bicicleta há uma poupança de 382 libras em custos de saúde.
Lembre-se disso da próxima vez que pensar que os impostos sobre os combustíveis são altos.

Petróleo a 100 dólares

MC, 02.01.08
O preço do petróleo no mercado americano atingiu esta tarde os 100 dólares pela primeira vez. Este acto é apenas simbólico tanto porque o 100 não significa nada e porque a subida dos últimos meses/anos se deve mais à descida do dólar do que à subida do petróleo (ou seja para nós europeus, que pagamos em euros, a subida tem sido bastante ligeira).
E por ser simbólica é altura de festejar porque é chegado o momento de a sociedade se aperceber que a nossa dependência de um combustível fóssil era excessiva, e de pensarmos de uma vez por todas em criar um mundo sustentável. É de festejar porque esta dependência, que causa tantas guerras, poluição, alterações climáticas, ditaduras do petróleo, etc... é finalmente posta em causa. Não foi a humanidade que foi capaz de resolver o problema de antemão, mas foi o "mercado" que nos impôs este momento para pensar e mudar de rumo. Paciência, mais vale tarde do que nunca.
Bem sei que isto no curto-prazo é mau, mas por ser inevitável, quanto mais cedo acontecesse melhor. Finalmente o abuso do petróleo vai começar a pagar um preço justo (infelizmente o dinheiro vai parar às piores mãos, mas enfim). Finalmente haverá vantagens condignas para quem faz um uso racional dos combustíveis. Finalmente vamos (ter que) alterar a nossa economia, os nossos transportes e a nossa indústria para uma versão mais amiga do ambiente.
Em França, vários grupos vão festejar este evento no sábado. Será que por cá...

Manifesto Pigou

MC, 08.11.07
Todas as áreas do saber têm um livro emblemático, a bíblia dos estudantes da licenciatura: o Harrison em Medicina, o Chang em Química, etc.. Na Economia a honra coube a Greg Mankiw, professor em Havard. Há um ano, Mankiw lançou o Manifesto do Club Pigou (em homenagem ao economista Arthur Pigou , pai da Economia Pública e o primeiro a sugerir a introdução de portagens como ferramenta contra o congestionamento em 1920), onde é advogado um aumento dos impostos verdes ou seja os impostos sobre a poluição, os combustíveis, as emissões de carbono, etc... Entretanto vários economistas de renome internacional juntaram-se ao "club".
A ideia é fundamentalmente a mesma que já defendi aqui várias vezes: em vez de haver impostos altos sobre os salários, o consumo e os lucros deveríamos ter impostos altos sobre tudo o que seja prejudicial ao ambiente e à sociedade.
No Manifesto do Club Pigou, Greg Mankiw aponta várias vantagens:
A defesa do ambiente
O combate aos congestionamento
Eficiência económica (por aumentar consumo e investimento)
Segurança nacional americana (ou no caso português uma maior independência energética e um menor desequilíbrio das trocas com o exterior)

Adenda: Greg Mankiw explica melhor (em inglês e não em economês) a sua posição num artigo mais recente no NYTimes.