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Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

Menos Um Carro

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Portugal, país pobre que move mundos e fundos pelo automóvel

MC, 15.01.10

Apesar de Portugal ser apenas o 18º ou 19º país mais rico da UE, não me para de espantar os imensos recursos que parece ter quando está em causa o automóvel. Ele é a zona da Europa com mais auto-estradas, terceiro lugar em número de carros por pessoa, maior crescimento da rede de auto-estradas, etc.

Há pouco tempo referi a compensação que em Portugal é paga a quem se desloca em trabalho na sua própria viatura, um valor tabelado em Diário da República, que é de 0,40€ por km.

Numas buscas no google, tirei o valor que mais vezes encontrei para vários países:

 

Inglaterra: 0,40 libras por milha, 0,28€ por km

França: 0,50€ por km

Espanha: 0,32€ por km

Holanda: 0,19€ por km

(Na Alemanha e Itália as ajudas de custos dependem aparentemente do automóvel).

 

Apesar dos custos de manutenção serem à partida mais baixos por cá, dos preços dos combustíveis estarem abaixo da média, Portugal consegue canalizar mais dinheiro para quem anda de carro do que muitos países europeus.

 


Estão aí mais duas cicloficinas (reparação gratuita de bicicletas!) em Lisboa e agora também no Porto:

Lisboa: Domingo 17 às 15h no Jardim Fernando Pessoa (entre Av. Madrid, Av. Roma e Av. João XXI)

Porto: 5ª-feira dia 21, na CASA VIVA Praça do Marquês nº 167

Auto-estradas Urbanas

TMC, 07.12.09

Uma das consequências mais danosas da implementação maciça do automóvel nas cidades foi a reorientação do planeamento das estruturas de acordo com a sua lógica; uma reorientação que sacrificou muitos dos outros elementos da cidade, nomeadamente o peão e o espaço público.

 

Toda a potencialidade que um determinado terreno tem para assumir uma função, seja um jardim, um parque, um bairro habitacional, comércio, escolas, etc é reduzida apenas a uma função quando se constrói. Voltar atrás é muito difícil porque na cidade não se apaga uma estrutura como se apaga uma assinatura. Mas enquanto se assumir que é legítimo obedecer à necessidade voraz de espaço do automóvel, não questionamos que a potencialidade de um espaço seja frequentemente redireccionada para novas estradas.

 

O ciclo perpetua-se da seguinte maneira: 1) criam-se vias para os automóveis poderem circular 2) facilita-se a aquisição e a guarita do automóvel, através de fiscalização inadequada e de estacionamento quase gratuito 3) numa certa escala de tempo as vias entopem e não escoam 3) obedece-se à procura, mantendo-se a ilusão que automóvel éé sempre sinónimo de ganho de tempo através da velocidade e, voilá, 1) outra vez

 

Já o quase esquecimento do peão é, quanto a mim, muito mais misterioso porque é a forma mais básica de locomoção do ser humano. Andar a pé é inevitável e embora alguns sonhos do urbanismo moderno imaginassem a vida no futuro equivalendo a cidade a um gigantesco drive-in, a medida da negligência do peão nas nossas estruturas só demonstra o quão infecciosa é hoje a presença do automóvel na cabeça dos que planeiam as cidades.

 

Esta negligência do andar a pé está hoje presente nas ditas auto-estradas urbanas: estruturas híbridas e monstruosas que rasgam o tecido urbano, já de si caótico; não são estradas nem avenidas, são apenas um erro crasso de planeamento e a vontade de continuar o paradigma da velocidade: se há congestionamento, criem-se mais acessos, para lá de tudo o que existe e servindo apenas e só o automóvel. 

 

Um exemplo, tirado do blogue Discovering Urbanism e que é delicioso porque mostra precisamente a tal inevitabilidade do andar a pé. A cidade é Brasília, o planeamento é muito moderno mas, teimosamente, lá surge o peão, esse rebelde e que teima em caminhar e criar os seus próprios trilhos, para lá daqueles delineados para o automóvel. A ilusão da velocidade promove o esquecimento do corpo mas é impossível desligarmo-nos dele.

 

 

 

Um peão que circule ao lado das velocidades permitidas aos automóveis nas vias principais não tem uma percepção favorável da sua segurança nem as condições necessárias para andar. Mesmo que seja esse o melhor caminho entre dois pontos e para as suas escolhas de locomoção (o automóvel não é universal).

 

 


Qual é a maneira mais simples  e elegante de criar, simultaneamente, barreiras anti-ruído, ar mais saudável, clima de proximidade e ainda desacelaração de tráfego? Será um sistema inteligente em tempo real geo-referenciado ou qualquer outra parafernália tecnológica? Árvores. Muitas. Uma distância não são dois pontos, é também o preenchimento dos intervalos.

Tão pobre que nem tinha dinheiro para a portagem

MC, 24.11.09

A imagem do automóvel como bem de primeiríssima necessidade não cessa de me surpreender. Na "À Mesa com a Crise", a última edição da Reportagem TSF (um excelente programa radiofónico) o tema é a crise, o desemprego e a pobreza. Dir-se-ia que se falaria de pessoas com fome, sem dinheiro para cuidados de saúde, pessoas em desespero. Sim fala-se nisso, mas há várias referências a automóveis. A certa altura, uma funcionária de uma instituição de caridade relata "... começam a não ter dinheiro para as portagens, até nos diziam «nós depois até já íamos pela estrada nacional, mas já nem pela estrada nacional conseguíamos ir porque não tínhamos gasolina e ficámos confinados a 4 paredes»".

E não se fala só em pessoas com vergonha em admitir que têm fome ou que não têm dinheiro. Há uma mulher que fala na vergonha de ter o carro avariado: "dávamos desculpas às pessoas para não dizer que tínhamos a carrinha avariada".

O que dirão estas pessoas de mim, que não tenho carro há 11 anos? O que dirão elas de muitíssimas pessoas que nem a carta têm? Seremos etíopes à espera da ajuda da Madonna? Estarei eu confinado a 4 paredes? Será que deverei ter vergonha de dizer que não tenho carro?

Mas não são só as próprias pessoas que o referem. São os funcionários das instituições de solidariedade que acham este aspecto suficientemente importante ao ponto de acrescentarem isto à sua descrição das situações de pobreza. É a jornalista que escolheu estas citações entre as várias horas de gravações audio que tinha, onde haveria certamente alguém sem dinheiro para uma operação ou a viver à custa de ajudas há longo tempo.

 

Como já escrevi em tempos, será que ainda veremos a velha canção do Sérgio Godinho transformada em "O paz, a pão, a habitação, a saúde, a educação, e o carro novo"?

 


A ler: The Politics of Happiness sobre Bogotá no Cidade-Ideal.

Regresso à nossa terrinha*

MC, 03.11.09

Não gosto de críticas gratuitas, mas ao voltar a Portugal depois de uns dias nos Nortes da Europa é impossível não ficar desiludido com várias coisas.

 

1. As cidades são cada vez mais uns pequenos aglomerados desumanos de prédios rodeados de parques de estacionamento e vias-rápidas. E o que mais assusta é não haver ninguém a reparar ou questionar. Tudo devido ao imperativo de mais e mais mobilidade automóvel.

2. A vida passa fora da cidade. Os cinemas, as lojas onde toda a gente vai, as saídas de casa à ao fim-de-semana, etc. não estão no centro vazio, mas em locais onde só se chega de carro.

3. Logo no aeroporto é impossível não notar na quantidade de gente "avantajada", no país campeão europeu da obesidade infantil. Tudo sustentado pela nossa cultura de sedentarismo.

4. O espanto das outras pessoas por nos querermos deslocar a pé, de metro, de autocarro ou de comboio.

 

Enfim...


O título do post é uma homenagem ao blogue A Nossa Terrinha, que nos faz uma saudável concorrência. A não perder.

Cá e Lá

MC, 06.07.09

Não percebo.

Há tanta, tanta gente que quando viaja pelo Europa do Norte adora as cidades humanas, com pouco trânsito e onde o peão é rei. Adora passear e viver uma cidade onde a vida acontece na cidade e não nas filas de trânsito e num qualquer centro comercial gigante dos subúrbios. Todos lamentam que as nossas cidades não sejam semelhantes, lamentam que não seja tão fácil viver sem carro (e sem as preocupações dele decorrentes) por cá, mas mal metem o pé no país esquecem-se de todo este discurso. De vez em quando ainda se ouve o argumento dos transportes serem maus, muitas vezes de quem nem os conhece.

Um amigo que viveu (reparem, não foi apenas turista) nos nortes regressou com o mesmo discurso inflamado. Mora perto de uma estação de metro, mas para ir à Baixa de Lisboa vai de carro e perde meia hora à procura de um lugar gratuito para estacionar. Possivelmente porque "precisa mesmo de ir de carro".

Não percebo.

 


A ler: as aventuras do redtuxer a tentar explicar a um automobilista que o passeio é para os peões no Uma bike pela cidade.

A carapaça e o carjaquim

MC, 02.04.09

A metáfora do carro como exosqueleto do homem também ajuda a perceber a paranóia social à volta do carjacking. Os telejornais abrem com histórias de carjacking, a imprensa sensacionalista (passe a redundância) enche páginas. O Paulinho das feiras vem exigir pancada neles. O Governo faz protocolos especiais de prevenção e cria equipas mistas de polícia anti-carjaquim. O relatório oficial sobre a segurança interna dá especial destaque a 3 crimes: homicídios, crimes sexuais contra crianças e carjaquim. Repito, homicídio, violação de crianças, e, carjaquim. Na página do Ministério de Adm Interna só há um crime que tem direito a uma página especial, o carjacking.

E se eu acrescentar que apesar de o ano passado ter sido de longe o pior em termos de carjaquim, mesmo assim houve 34 vezes mais crimes de violência doméstica do que de carjaquim? 50 vezes mais furtos a residências. Um pouco menos de raptos. Mais crimes de ofensa à integridade física grave. Um quarto de de tráfico de seres humanos. A PJ teve em mãos mais do dobro de crimes sexuais contra crianças do que carjaquim. Não é óbvio que o carjaquim está muito longe de ser o problema de segurança mais grave em Portugal, ao contrário do que a paranóia toda faz crer?

Então por que não se fala noutra coisa? Porque o carjaquim violenta as pessoas dentro delas, dentro do exosqueleto que é o seu carro. Ter a casa assaltada, ser raptado, até ser violado parece menos grave do que este assalto a parte fisicamente integrante delas, o carro.


A ler: o ministro Lino também preparou uma partida de 1 de Abril, uma comunicação com o título "Ferrovia deverá ser o elemento estruturante do sistema de transportes". O documento está cheio de boas intenções, e discursos exaltados. Mas em quatro anos foram lançados  (ou seja decisão deste governo) várias centenas de quilómetros de auto-estradas, de ferrovia julgo que foram poucas dezenas.

Popó über alles

MC, 31.03.09

Há uns anos ia eu de carro numa zona residencial, e um outro automobilista, que estando distraído não se apercebeu que eu tinha abrandado, bateu com alguma violência com a dianteira do carro dele na traseira do "meu" (emprestado). Mal encosta o carro, pula lá de dentro aos berros a barafustar. Passado um pouco sai a mulher, que cocheava devido ao impacto e chamava pelo marido. A minha reacção imediata e irreflectida foi desviar-me da "troca de palavras" e dirigir-me à mulher para perguntar se ela estava bem. O homem continuou a refilar e só passado um bom bocado, é que se virou ele também para a mulher e perguntou se estava ok.

Isto ultrapassa-me. Como é que o primeiro impulso de alguém pode ser a defesa de um chassis, antes da preocupação pelo bem-estar da própria mulher?

 


Post a ler: Dia da mobilidade suave: uma ciclostória para menores de 18 anos. A Lanka "não quer"  que a filha a crescer em Portugal, ganhe os maus hábitos mediterrânicos (estou claramente a abusar na interpretação!). Gosto especialmente deste esquema, que mostra como a mobilidade nas cidades pode ser diferente:

Cada um com os seus valores

MC, 27.02.09

Outubro de 2005, Paris.

A população revolta-se contra a polícia depois da morte acidental de dois adolescentes por electrocussão quando fugiam da polícia.

Dezembro de 2008, Atenas.

A população revolta-se contra a polícia depois do homicídio de um adolescente por parte de um polícia.

Fevereiro de 2009. Lisboa.

Depois de alguns casos de abuso policial semelhantes a Atenas e Paris - o último dos quais há meio ano, a população revolta-se com disparos contra a "polícia" responsável pela fiscalização dos parquímetros depois de um agente ter verificado o bom funcionamento destes.

 


A ler: Cada vez mais o "cidadão-carro" é que decide a cidade no Observatório da Baixa

Alergia ao comboio II

MC, 03.02.09

O Manuel Margarido Tão mencionava aqui (segundo comentário) uma coisa simples mas curiosa, que eu nunca tinha pensado. O argumento mais banal contra a (re)construção de ferrovia para cidades e regiões mais "periféricas" em Portugal é a suposta falta de procura que o comboio teria. Mas quando o assunto é auto-estrada (já nem falo de simples IPs!!), por artes mágicas, este argumento já não se aplica. Bragança, ou outra qualquer cidade, passa de repente de aldeia perdida para uma metrópole ávida de alcatrão para crescer.

Há uns tempos dei-me ao trabalho de mostrar que, descontando a Bélgica, todos os países da Europa tinham cidades sem auto-estrada maiores que Beja ou Bragança. Ou seja, Portugal é um caso patológico ao estar alcatifado com auto-estradas.

Fazer o mesmo para o comboio dava muito trabalho, mas rapidamente se pode verificar quais as cidades dessa lista que têm comboio. Infelizmente, o resultado não me surpreendeu. Descontando duas (Stadskanaal e Ioannina) todas têm ferrovia. Mais uma vez, Portugal é um caso patológico: ao contrário da Europa é frequente as cidades terem auto-estrada mas não terem linha férrea.

 

E o mais grave é que ambas as patologias têm tendência a agravar-se, enterrando o país sempre mais e mais dinheiro no meio de transporte mais ineficiente em termos de espaço, sinistralidade, custo, ambiente e energia.

 


A ler no CarFree France: La crise automobile est structurelle, a defender uma ideia que eu tinha levantado neste post e na discussão sobre ele. Os problemas da indústria automóvel não são causados pela actual crise económica, mas já vêm de trás. Há portanto largos milhões do nosso bolso que estão a ser usados para remediar um problema que é inerente à indústria.