Lisboa tem uma má rede de transportes públicos?
Longe de mim não ser crítico dos sistemas de transportes públicos de Lisboa. Não refiro o Porto porque não conheço tão bem o metro e o sistema de comboios suburbano respectivo.
Acho contudo que saíram injustiçados deste estudo. Admito que só conheço os resultados pela rama, ou seja, através da notícia. Não tenho acesso às metodologias empregues nem aos critérios escolhidos. O que escrevo de seguida baseia-se no que existe para qualquer outra pessoa.
O primeiro ponto que me saltou à vista foi a conclusão do director da FIA, Wil Botman: transportes eficientes com boas interligações são essenciais para persuadir as pessoas a deixarem os carros em casa.
É um ponto de partida errado. Está a desculpabilizar os utentes de automóveis, parecendo dizer que eles apenas os conduzem porque não existem transportes eficientes e boas interligações. Ou seja, primeiro ande-se e abuse-se de automóvel e se os transportes públicos forem mesmo bons, confortáveis e baratos, então experimentem-se. No caso de Lisboa, por exemplo, isso não se aplica de modo tão gratuito. A escolha modal das pessoas é não só económica mas cultural. O facto de não haver restrições tarifárias numa cidade ao uso do carro acultura o seu uso.
Seria preciso dizer que uma rede de transportes públicos cresce e desenvolve-se de modo cada vez mais eficiente na medida em que captar passageiros dos automóveis. Ou seja, seria preciso dizer, para cada cidade, quais são as restrições colocadas ao uso de automóveis, nomeadamente, o nível das tarifas de estacionamento, a existência de portagens, a regularidade da fiscalização do estacionamento abusivo, etc. Tal é relevante porque o uso de transportes públicos está em competição directa com o uso do transporte individual e se uma cidade permitir o uso desmesurado do último (como em Lisboa), o transporte público não tem tanto espaço para crescer e assim a sua rede não tem tantas hipóteses de se tornar mais robusta.
Este aspecto é facilmente negligenciado mas é tão mais flagrante quando se anda de autocarro ou eléctrico, porque são os tipos de veículo que partilham as ruas e estradas com o automóvel particular. A pontualidade é prejudicada, os tempos de espera aumentam e a regularidade do serviço passa a não ser tão digna de confiança, precisamente porque o espaço à superfície, por ser limitado, obriga a um equilíbrio; esse equilíbrio é destabilizado pelo automóvel particular, não por cada carro ter algo de peculiar no conflito com um autocarro ou eléctrico mas porque a sua quantidade ocupa o espaço viário e introduz assimetrias.
Isto não quer dizer que não haja melhorias que os vários operadores de transportes públicos possam tomar que melhorem a sua articulação. Apenas se deve ter em conta que na análise da qualidade da rede de transportes públicos de uma cidade não se pode omitir as condições de circulação dos carros, porque elas condicionam o uso e desenvolvimento dos primeiros.