Entrevista a Hermann Knoflacher I
Qual é a influência que a motorização tem na nossa sociedade?
Uma influência inimaginável. O carro é como um vírus , que se estabelece no cérebro e altera totalmente o código comportamental, o sistema de valores e a nossa percepção. Um homem normal caracterizaria o nosso habitat actual como totalmente maluco. Nós mudamo-nos mais ou menos voluntariamente para casas vedadas com vidros especiais, de modo a deixar o barulho, o pó e as emissões dos automóveis lá fora. Isto é uma inversão total de valores, que já nem nos salta à vista.
Como chegou a essa opinião?
(...) No carro precisamos apenas de um sexto da nossa energia corporal [para nos movimentarmos] e temos a impressão de ser imensamente rápidos e fortes. Isto é uma componente. A outra é partir-se do princípio no planeamento urbano, de que o carro deve ser levado a uma enorme proximidade de todas actividades. Assim destrói-se o nosso habitat, o transporte público, o comércio tradicional e por último as redes sociais, que foram construídas pelo homem no correr dos milénios.
O carro destrói a evolução?
Não, mas as conquistas humanas das últimas gerações foram destruídas pelo carro.
A era do automóvel representa o nosso declínio cultural?
Eu não diria isso assim, porque o declínio cultural não é um verdadeiro problema na minha opinião. Apenas quebra uma camada de evolução mais tardia. Muito piores são os futuros danos estruturais, que são trazidos pelo automóvel.
O andar de automóvel é um vício?
Com certeza! O automóvel apodera-se das pessoas. Os automobilistas distinguem-se mais dos homens do que os insectos.
O que quer dizer com isso?
Os insectos têm em comum com os homens, o facto de vencermos a mobilidade com a nossa energia. O automobilista não. E não existem insectos, que destruam o habitat dos seus descendentes por comodismo, ou que se movam tão rápido que se possam matar.
(...)
É um crítico das entidades de transportes e ao mesmo tempo planificador. Como é possível?
No início da minha carreira descobri que a ciência dos transportes estava baseada em meras suposições. As consequências para a sociedade ou o ambiente não eram então tomadas em conta. Ninguém se preocupava se haveria problemas de ruído ou emissões, se haveria mortes, se a economia se alterava ou se criaria desemprego.
(...)
Assumia-se que o aumento da motorização levaria uma melhoria na mobilidade. Entretanto sabe-se que o número de viagens de automóvel cresce, mas a soma das viagens efectuadas é a mesma, porque diminuem as viagens por transportes públicos e a pé ao mesmo tempo. A segunda suposição errada é aquela da poupança de tempo com um aumento da velocidade. Esta tese faz parte da base de muitas análises económicas no planeamento de transportes. Na realidade não há nenhuma poupança de tempo através de velocidades mais elevadas. Aumentam apenas as distâncias para o mesmo tempo de viagem.
Como se sabe isso?
Ao analisar-se criticamente o nosso orçamento temporal. Curiosamente o tempo gasto diariamente para mobilidade é mais ou menos constante em todo o globo. No entanto as distâncias envolvidas são diferentes.(...)