Texto de Susana Fonseca sobre a carro-dependência
Fundamentalmente ela alerta para aquilo que eu já várias vezes escrevi: os portugueses, dado os rendimentos que têm, possuem um número estupidamente alto de automóveis.
O automóvel e o (sub) desenvolvimento de um país
Susana Fonseca
Não é à toa que com frequência em Portugal temos a sensação de estarmos rodeados por automóveis. Somos um dos países da UE em que o número de automóveis mais cresceu entre 1995 e 2004. Em 1995, segundo dados do Eurostat, por cada mil habitantes era possível encontrar em Portugal 374 carros, mas em 2004 já existiam 572.
Para alguns tal poderá justificar-se pelo aumento da qualidade de vida, do rendimento disponível e pelo desenvolvimento geral do país. Contudo, na UE25, Portugal é o 3º país com mais automóveis por cada mil habitantes (seguindo-se-lhe a Itália e o Luxemburgo), mas não é certamente o terceiro país mais rico, isto se quisermos entender que a posse de um automóvel é um símbolo de bem-estar económico. De facto, países como a Suécia, o Reino Unido, a Dinamarca e a Holanda são bons exemplos de como a um desenvolvimento económico elevado não tem que corresponder um consumo desenfreado deste “bem”.
Como bom termo de comparação podemos olhar para a média comunitária. Neste caso, quer consideremos o universo mais restrito da EU15 ou alargarmos para a UE25, Portugal excede a média comunitária de forma significativa. De qualquer modo, é importante sublinhar que nos Estados Unidos da América a média é um pouco superior, chegando aos 711 veículos por cada mil habitantes.
Obviamente, não é apenas o número de automóveis que conta. Os impactos podem variar muito consoante o modelo escolhido ou o uso que se faz do veículo. No que diz respeito ao primeiro aspecto, Portugal ganha alguns pontos em relação aos seus parceiros europeus. Segundo estudos recentes divulgados pela federação europeia Transports & Environment (T&E), no quadro da UE15, Portugal apresenta a menor média de emissões de dióxido de carbono quando analisamos os automóveis novos. Talvez devido ao custo elevado dos veículos e da sua manutenção que levam a que os portugueses tendam a adquirir veículos mais pequenos e económicos. Por outro lado, temos a tendência para percorrer mais quilómetros do que os nossos parceiros comunitários, eliminando eventuais benefícios que a contenção na aquisição pudesse trazer para o ambiente.
E no entanto, toda esta louca corrida aos automóveis acaba por causar inúmeros problemas ao país. Dependente da importação dos combustíveis fósseis, Portugal acaba por desequilibrar a sua balança comercial ao mesmo tempo que desequilibra a sua balança ambiental, contribuindo dia-a-dia para a derrapagem em termos do cumprimento do Protocolo de Quioto. E depois lá terão os portugueses (já endividados pela compra de um automóvel, ou mais) que procurar mais uns tostões nos seus bolsos para ajudar a pagar as compensações pela nossa incapacidade de cumprir os compromissos internacionais assumidos.
E por muito que nos custe perceber e aceitar esta inevitabilidade, falta ainda um outro passo, o de compreender que todos temos que ser parte da solução e que esta passa mais pela mobilidade alternativa e sustentável do que pela suposta panaceia dos combustíveis alternativos, dos quais os biocombustíveis são, hoje, o exemplo máximo. Mas este é outro tema que ficará para uma próxima oportunidade. Entretanto, experimente consultar as páginas na Internet de algumas das companhias de transportes públicos e explore o mundo de possibilidades que se lhe oferece. Muitas vezes uma mobilidade mais segura, relaxante, ecológica e económica está à distância de uma procura de informação e da coragem de dar o passo em frente.