O imponderável da segurança das bicicletas
Este vídeo é impressionante e devia fazer-nos pensar.
Estamos perante a prova rainha do ciclismo mundial. Não há grandes dúvidas acerca disso. Todos os envolvidos são profissionais altamente qualificados. Todos eles estão alertados para os imprevistos de problemas técnicos, de saúde e de alterações atmosféricas.
Mesmo assim, um carro abalroou um ciclista e provocou a queda de outro. Ao condutor bastou alguma falta de jeito e a vontade de captar um melhor ângulo dos protagonistas da dianteira da volta para em breves segundos, e numa velocidade inferior a 50km/h, deixar marcas indeléveis nos corpos e no próprio resultado da etapa.
Perante isto, e a respeito da segurança dos ciclistas urbanos, é necessário perguntar se é verossímil olharmos para o condutor comum das nossas cidades como alguém passível de ser controlado por medidas preventivas. As mortes na estrada atestam que não, mas acontecem entre pares iguais, isto é, entre pessoas que estão igualmente equipadas com uma arma mortífera que pesa toneladas e é em simultâneo a sua protecção ou o seu túmulo metálico. Os ciclistas não tem armas nem defesas.
Podemos e devemos acrescentar uma imputabilidade a priori do veículo mais pesado (a "strict liability"); devemos endurecer as sentenças para com condutores irresponsáveis; devemos instalar estruturas de acalmia de tráfego como lombas, curvas sinuosas que tornem absurda a aceleração e devemos também limitar através de taxas de estacionamento o uso da viatura privada. Estas medidas não logram só um aumento da sustentabilidade da mobilidade, mas tornam as nosssas cidades mais aprazíveis. Só que, a meu ver, sobrará sempre a estas tentativas de controlo um elemento arbitrário e pernicioso. E ainda bem, porque senão seríamos menos humanos.
O ponto é que é precisamente este elemento arbitrário que provocará sempre vítimas entre os ciclistas urbanos. Será uma inevitabilidade estatística. Se desejarmos minorá-lo só há duas respostas:
A primeira é impormos um limite físico à velocidade nos próprios motores automóveis, reduzindo quase a zero a probabilidade de acidentes mortais. Isto teria como efeito criar uma classe de automóveis exclusivamente urbanos; ninguém quer ir para fora da cidade a velocidades inferiores a 50km/h.
A segunda é segregarmos as bicicletas do tráfego rodoviário. É uma resposta que exige mais dinheiro para as infraestruturas porque não se contenta apenas com as medidas suaves que alteram a legislação. Há inúmeros factos ilegais que são diariamente negligenciados, como é o limite de velocidades nas cidades (50km/h).
Possivelmente, a construção de mais infra-estruturas obrigaria a negociações no orçamento da câmara que até retirem uma maquia ao quinhão reservado ao trânsito automóvel. Continuariam a existir vítimas, mas maioritariamente seriam devido aos acidentes entre os próprios ciclistas, e logo, menos graves.
Há uma terceira resposta: manter a tese da integração e afirmar que fazer uma omelete sem ovos é impossível; i.e., qualquer integração entre o trânsito automóvel e os ciclistas ocasionará inevitavelmente vítimas, precisamente devido ao elemento não controlável do comportamento humano; esta posição costuma vir acompanhada por uma ambição a longo prazo de redução no uso do carro, mas usa os ciclistas urbanos como vitímas prováveis de uma guerra da qual nem os próprios sabem ser soldados.
Eu próprio ando todos os dias de bicicleta a par dos automóveis e é só perante vídeos como este que por vezes me apercebo da minha fragilidade numa bicicleta.