Requiem por uma pistola
Quando estava a tirar a carta de condução, um dos meus professores disse o seguinte durante uma aula de código:
Vocês não estão a tirar uma licença de condução. Estão a tirar uma licença de porte de arma.
A brutalidade de um acidente de viação, visto ou vivido, lembra-nos o que o conforto da cabine do carro vai paulatinamente apagando: uma tonelada e meia a 50km/h ou mais tem efeitos mortíferos. A responsabilidade de um condutor perante a própria vida e a vida dos outros é enorme. Perante tanta publicidade automóvel na imprensa, nas rádios e nas televisões, deveria haver uma quota parte de prevenção rodoviária: metade a cada campo (ou, como já defendi, que se banisse a publicidade automóvel, como a do tabaco); os vendedores seduzem-nos para as curvas e velocidades; o estado alertar-nos-ia para o efeito da sinistralidade, e de forma violenta e chocante. Porque é essa a realidade: vidas acabadas subitamente e de forma absurda, cadeiras de rodas e mazelas emocionais que já não deixarão as vítimas e uma justiça complacente.
Não sei se é a própria língua portuguesa que contribui para o alheamento da responsabilidade dos condutores. Parece que por chamarmos acidente ao facto de um autómovel embater com outro ou com um peão tornamos a situação acidental. Se eu guiar um carro, posso controlar a probabilidade da ocorrência de acidentes através de uma condução defensiva. Devo ser incitado a fazê-lo e penalizado se não o fizer. Não há nada de acidental na ocorrência de um acidente se eu conduzir de maneira desleixada. Não há como desculpar o condutor porque ele controla, como ser humano com livre arbítrio, as probabilidades de ocorrência de acidentes violentos.
No actual estado de coisas, não é assim que acontece. Se quiserem matar alguém, usem um carro. Sairão ilesos. Mesmo que tenham guiado a 100km/h dentro de uma cidade. Mesmo que tenham vindo de uma festa. Mesmo que tenham morto duas pessoas inocentes.
Na quinta-feira, no centro social do Regueirão dos Anjos em Lisboa pelas 20h, haverá um jantar vegetariano com o apoio do GAIA, seguido de uma mostra de filmes sobre bicicletas e intervenções no espaço público.
E no Domingo pelas 15h (o cartaz diz 17h mas podem e devem aparecer antes) a ciclo-oficina de Lisboa muda-se para o mesmo espaço, onde estará abrigada do previsível mau tempo. É divulgar e aparecer para um serão ou uma tarde bem passadas!