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Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

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A poluição e as bicicletas

TMC, 09.12.10

Um artigo no Le Figaro dá conta da melhoria da qualidade do ar na região de Paris no período de 1998 a 2008.

 

Os autores do estudo apresentam um conjunto de razões que contribuíram para a diminuição da poluição atmosférica:

 

- melhoria da idade do parque automóvel
- melhoria das tecnologias de combustão e de eficiência energética
- normas europeias de emissões mais restritivas
- redução da circulação automóvel em Paris, através da diminuição de 8% nas deslocações nos subúrbios e de 27% na cidade de Paris

 

O cômputo geral foi uma diminuição em 80%, independentemente do trajecto, do monóxido de carbono (gás irritante) e do benzeno (substância cancerígena); os níveis de dióxido de azoto e das partículas finas (vulgo PM10) estabilizaram, mas em níveis pouco recomendáveis.

 

O estudo é porém mais interessante porque especifica a exposição à poluição atmosférica consoante o modo de transporte escolhido: a pé, de bicicleta, de autocarro, de tram, de metro e de automóvel particular. Os resultados mostram que os utilizadores da viatura particular são os mais expostos aos poluentes gasosos (monóxido de carbono, tolueno, benzeno e dióxido de azoto); isto talvez se deva ao facto da circulação ser feita no meio de outros veículos emissores e do clima interior do automóvel estar confinado do exterior, não se regenerando. Os peões e os passageiros de tram são os menos expostos, quaisquer que sejam os poluentes, enquanto os utilizadores de bicicleta encontram-se numa situação intermédia.

 

 

E contudo, este não é o fim da história. Estaria errado afirmar que estamos perante uma situação universal: a de que quem circula em automóvel está mais exposto aos poluentes atmosféricos ou que quem circula a pé e de transportes públicos o está menos. Embora haja certas tendências, constantes noutros estudos, as extrapolações para Lisboa ou Porto são tentadoras, mas perigosas. É necessário ter em conta a orografia da cidade, a distribuição do tráfego, o regime dos ventos e das chuvas.

 

Outro estudo, feito para Copenhaga,  coloca também os utilizadores de automóveis como os mais expostos às partículas finas e ao benzeno e os utilizadores de bicicleta como os menos expostos, indo contra a intuição que afirmaria que estes estariam nos primeiros lugares por circularem sem protecção no meio do tráfego rodoviário. Este artigo, por exemplo, conclui novamente que os utilizadores de automóveis são os mais expostos; os utilizadores de bicicletas que circulam nas estradas, contudo,são mais prejudicados do que os utilizadores de bicicleta que circulam em ciclo-vias segregadas.

 

Só que a exposição à poluição atmosférica é uma questão muito delicada. Se eu estiver algum tempo exposto ao fogo, sei que me queimarei; há uma relação directa entre o tempo de exposição ao fogo e os danos que ele me causa. Com os poluentes atmosféricos, regra geral, não é assim. A exposição não significa obrigatoriamente dano imediato; entram muitos factores em conta, como o metabolismo pessoal de cada um, que dificultam a tarefa daqueles que pretendem estabelecer uma correlação directa entre doenças cárdio-respiratórias, vasculares ou o cancro e a exposição crónica a níveis excessivos de diversos poluentes. Não é por passarmos um dia na poluída Avenida da Liberdade lisboeta que desenvolveremos qualquer tipo de doença; mas se a percorrermos todos os dias em hora de ponta, talvez.

 

É assim complicado defender politicamente, por razões de saúde pública, que um certo tipo de meio de transporte deva ser preferivelmente utilizado pelas pessoas de uma dada cidade, embora seja possível dar orientações. O primeiro passo é fazer estudos, para que pelo menos a população activa dessa cidade saiba os níveis da sua exposição se andar mais de bicicleta, a pé, de transportes públicos ou de carro. Para Lisboa, encontrei só esta brincadeira, e já lá vão uns anos.

 

O melhor (ou o pior) ficou para o final. Nenhum destes estudos simulou, porém, o sistema respitário humano. Aquele estudo que o fez, para Dublin, encontrou diferenças na afectação real à exposição atmosférica depois da simulação da respiração. Como muitos outros, verificou que sem essa simulação, os automobilistas eram os mais expostos (e, depreende-se, os mais afectados) e os utilizadores de bicicletas os menos afectados; mas depois de simular a respiração humana e tendo em conta os níveis mais elevados de respiração alcançados por um ciclista, verificou que os utilizadores de bicicleta tornaram-se no grupo dos mais afectados!

 

Extrapolando para Lisboa e Porto: para os utilizadores de bicicleta mais teimosos, pode ser um motivo para exigirem cortes à circulação automóvel nas cidades; ou construção de ciclovias longe das estradas; para os utilizadores mais casuais ou inexperientes, pode ser um motivo para abandonarem o que lhes parecia uma boa ideia. O fundamental, para Portugal, é lembrarmo-nos de que não existem estudos, por isso estamos todos um pouco sem chão para actuar. Estamos no domínio especulativo.

 

Adoptando porém a perspectiva mais pessimista de serem os utilizadores de bicicleta os mais prejudicados pela poluição atmosférica, parece-me que continuam (contínuamos) a ser os papalvos: ajudamos à melhoria da qualidade do ar da cidade e do seu ambiente por não contríbuirmos nem com emissões, nem com ruído, nem com espaço ocupado mas somos os mais expostos a acidentes e a doenças.

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