Contas de algibeira
Todos sabem o que é uma percentagem: é uma maneira imediata de apresentar um quociente entre um numerador e um denominador. Quando se fala de metas minímas de energia renovável que Portugal e outros países da UE têm ou querem cumprir, fala-se da percentagem de incorporação dessas energias como o quociente entre a quantidade de energia de origem renovável (ER) e a energia final consumida (EF) em cada país.
Este cumprimento não é apenas algo que fique bem na folha dos imperativos de sustentabilidade ambiental. É acima de tudo, para o caso português e dada a nossa elevada dependência energética, uma meta desejável para não gastarmos tantos milhares de milhões de euros a importar carvão, gás e electricidade.
Muito abreviadamente, a ER é composta maioritariamente pela componente eléctrica (eólicas + hídricas + centrais de biomassa) e por quantidades minímas de biocombustível nos transportes. A EF é a energia final consumida pela indústria, transportes, edifícios, agricultura, etc, em forma de electricidade, vários combustíveis e o gás natural que usamos para cozinharmos e aquecimento.
Se queremos atingir o quociente de 31%, não faz sentido insisitir apenas no aumento do numerador, ou seja, só à custa da incorporação de mais moinhos, barragens e biocombustíveis; devemos também baixar a EF, especialmente no sector dos transportes, que é o sector energeticamente mais oneroso.
A questão é que, politicamente, parece mais compensador dizer que se vai atingir o objectivo de 31% (o chavão de Portugal estar na vanguarda das renováveis) sem mexer na EF; o crescimento desta está profundamente ligado aos hábitos das pessoas e, no caso dos transportes, ao crónico e péssimo planeamento urbano que suscitou a dependência do automóvel. Só assim se explica que um secretário de estado não ouse sequer sugerir que para atingir tal meta seria desejável uma maior aposta nos transportes públicos e mais restrições à circulação automóvel.