Tiro ao lado
O debate actual sobre a política energética em Portugal parece centrar-se na efectiva relevância das energias renováveis. De um lado temos o governo, associações de empresas, como a APREN e a APEMETA e gigantes como a EDP; do outro temos um manifesto publicado por diversas personalidades que advogam a discussão acerca da relevância das renováveis. Se uns rejubilam perante os números de emprego criados, a potência instalada, as oportunidades criadas e o futuro verde cada vez mais próximo, outros contestam precisamente tais certezas. O confronto parece centrar-se nas seguintes questões:
1) número de postos de trabalho (temporários mais efectivos) criados pelas energias renováveis
2) valor do subsídio às energias renováveis, em especial a eólica e a fotovoltaica
3) impacto real na economia portuguesa (indicadores: criação de indústria própria e diminuição do preço da electricidade)
4) reflexos da dependência energética nacional no desenvolvimento económico do país
Um debate é sempre positivo. Pessoalmente, fiquei convencido de algum empolamento propagandístico presente nos jornais; digamos que neles é frequente encontrarmos informação verde enviesada ou greenwashing. Uma das estratégias dos que defendem o investimento nas renováveis foi encostar os adversários ao papão nuclear, uma acusação que foi recusada enquanto caricatura, mas não enquanto estratégia futura. Tudo bem.
Repare-se que nesta discussão, a única presente no espaço da comunicação social, tudo gira à volta da energia eléctrica. É a forma de energia que as renováveis e o nuclear produzem. Talvez alguns números esclareçam os leitores. A energia eléctrica, em 2008 (dados mais recentes segundo a DGEG), correspondia a 22,5% do consumo de energia final, ou seja, 6,2% da energia final é produzida por Portugal sob a forma de energia eléctrica de origem renovável. O resto vem de termoeléctricas e de energia eléctrica importada (1,2% em 1990 e 5% em 2008) Por sua vez, 52,8% do consumo da energia final vem do petróleo importado, dos quais 62,2% são aplicados no modo rodoviário de transportes. Ou seja, 36,7% do consumo de energia final é aplicado em transportes rodoviários, de passageiros e de mercadorias.
Resumo: é um tiro ao lado. O verdadeiro problema energético está no sector dos transportes e não há nada nesta discussão que o aborde. Pior. A promessa de diminuição da nossa dependência em relação ao exterior saiu furada. Porquê? Como:
1) o consumo de energia eléctrica por habitante subiu 92% entre 1990 e 2008
2) há dificuldades no armazenamento e distribuição da energia eléctrica de origem renovável
3) as hídricas são altamente dependentes de anos com chuva
O resultado é que, apesar de termos instalado muito mais potência renovável, a percentagem de energia eléctrica nacional relativa ao consumo de energia eléctrica diminuiu (6,6% em 1990 para 6,2% em 2008). Como as previsões do consumo de energia eléctrica são para aumentar ainda mais, é previsível que este panorama não sofra alterações significativas. Juntemos a isto a falta de localizações para mais potência eólica e hídrica e é provável que o carro eléctrico não mude quase nada, porque, mesmo que seja massificado e provavelmente subsidiado, irá induzir a procura de mais energia eléctrica. O ritmo do consumo de energia eléctrica e de procura de petróleo rodoviário (aumento de 94% de 1990 para 2008) está a aumentar mais rapidamente do que a nossa capacidade de instalar renováveis e implementar tecnologias automóveis mais eficientes. O resultado é sermos mais dependentes.
No fundo, o sector dos transportes, quando é abordado na questão da energia, é sempre duma maneira que visa o alcance dos objectivos via incrementos tecnológicos e conservando o estatuto do carro. Sou assumidamente um céptico quanto à possibilidade da tecnologia resolver todos os nossos problemas. Especialmente quando há outras maneiras bem mais simples de inverter estas tendências: mudar comportamentos. Temos de dizer que o carro está obsoleto e que quanto mais cedo nos habituarmos a não depender dele mais cedo podemos habituar-nos a ter uma vida melhor e ao mesmo tempo a ajudar o país. Não estou a dizer que a mudança de hábitos é a solução, mas antes que é necessária às melhorias tecnológicas. Como afirmou Francisco Ferreira ao Diário Económico:
Quando o ênfase nas energias renováveis é maior do que na redução de consumo e eficiência energética, quando a nossa potência instalada prevista é muito maior do que efectivamente precisaríamos, quando sectores chave como os transportes se pensa resolver principalmente através do veículo eléctrico e não duma política integrada de transportes, a conjugação da protecção do ambiente com as necessidades energéticas torna-se mais dificíl.
A ler: o relatório TERM 2009 sobre os transportes na União Europeia. Veja-se principalmente a sugestão clara dos pacotes Avoid & Shift, pág. 29.