Se não querem ser violadas, não andem de mini-saia
Há uns bons anos, uma turista que andava de mini-saia foi violada em Portugal, mas o juiz desculpou o violador por considerar que ela tinha induzido a violação ao andar com tais trajes na coutada do macho lusitano (expressão do próprio juiz). Foi uma sentença típica de uma sociedade dominada pelo homem, onde a mulher tinha um papel secundário. Os acontecimentos foram assim analizados exclusivamente do ponto de vista do violador, que foi provocado pela vítima. Se ela não queria ser violada, deveria ter pensado duas vezes antes de sair de casa.
A PSP anunciou hoje que vai ter guardas à paisana para ver se os peões se portam bem na rua. É exactamente o mesmo tipo de inversão de valores, onde a (potencial) vítima é admoestada por não ter o devido cuidado. É uma visão típica de uma sociedade vista do volante de um automóvel, e não dos olhos da vítima. Só assim se explica que se possa colocar os deveres de condutores e peões ao mesmo nível.
Hoje felizmente já não temos casos como o primeiro, mas ainda apontamos o dedo às vítimas do automóvel. Por quanto tempo? Sobre isto recomendo a leitura do meu contributo para a Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária que escrevi há tempos, donde retiro o parágrafo final:
Um estudo do Departamento de Transportes do Governo Britânico sobre sinistralidade das crianças enquanto peões coloca Portugal no pior lugar dos países europeus analisados. Descontando a Polónia, todos os países têm taxas que são menos de metade (!) da taxa portuguesa. Por se tratarem de crianças, logo com menos noção sobre o comportamento e as regras do trânsito, seria de esperar que os números não fossem tão díspares. Concluí-se neste caso que o problema está no comportamento do condutor e não no do peão.
Boa notícia para Lisboa: a CML está a considerar a possibilidade de estender as restrições ao trânsito que já existem em alguns bairros históricos a outros locais, como a Mouraria.