Nota: post longo e polémico
O Luxemburgo tem sido
notícia por ser o primeiro país, onde todos os transportes públicos (TP) serão gratuitos. Dizer "gratuitos" é obviamente uma maneira de distorcer o debate, porque o custo acaba por ser pago por todos (1600€ por habitante!) através dos impostos. É bastante consensual que o TP deve ser bem mais barato que o carro, para termos melhores cidades. A questão mais difícil é o como. Há essencialmente duas maneiras:
1. Baixar os TP, tê-los "gratuitos/pagos pelos outros", ou
2. Tornar o carro mais caro, ou seja deixar de o subsidiar fazendo os automobilistas pagar pelos custos que provocam: acabar com estacionamento subsidiado e alinhar preços com os restantes preços do m² na cidade; portagens urbanas; estradas financiadas por impostos sobre os veículos/combustíveis e não por outros impostos; taxas ambientais consoante a poluição atmosférica e sonora que causem; etc.
A primeira é politicamente popular e bem mais fácil de anunciar que a segunda. Mas as duas estão bem longe de ser equivalentes.
Quem paga as políticas?
No primeiro caso há vários casos de pessoas chamadas a contribuir sem qualquer sentido: as pessoas que moram em locais sem TP, as que ficam/trabalham em casa, as que vão a pé/bicicleta, as empresas e pessoas que fizeram o esforço para reduzir as suas deslocações, etc. saem prejudicadas.
No segundo caso, o custo do uso do carro é colocado sobre quem o provoca, o que é inequivocamente mais justo.
Que efeitos têm de diferente?
Há quem parta da ideia errada que mais uma viagem de autocarro significa necessariamente menos uma de carro, o que é errado. Décadas de estudos mostram que TP mais baratos aumentam o seu uso, mas têm um efeito quase nulo a tirar as pessoas dos carros. Um apanhado de centenas de estudos (1) começa logo por dizer que "car use is almost independent of bus and Underground fares". As estimativas apresentadas para uma descida do preço dos transportes de 10%, levam a uma diminuição do uso do carro entre 0,1% a 0,9%. Por comparação, a mesma descida de preços leva a aumentos do uso dos TP entre 3% e 10%. Estes resultados repetem-se noutros estudos, como (2) e (3).
Por outro lado, o uso do carro cai se optarmos pela segunda opção. Por exemplo em (2), diz-se que um aumento de 10% nos parquímetros no centro levam a -5,4% de viagens de carro.
Resumindo, se o nosso objetivo é tirarmos carros das cidades, baixar o preço dos transportes é uma medida politicamente fácil, que põe as pessoas erradas a financiar algo com fracos e até maus resultados. Em Tallinn, onde os transportes públicos foram tornados gratuitos, o uso do automóvel diminui apenas 5% a 10%, e o TP foi roubar utentes aos modos ativos (peões e bicicletas), que caem 35% a 40%.
Ambientalmente também são diferentes. Enquanto a primeira até pode levar a um aumento de poluição (se os operadores responderem ao aumento de procura), a segunda diminui sem a mínima dúvida.
Obviamente que se o nosso objetivo é outro, como tirar os idosos de casa ou apoiar as famílias carenciadas, a primeira política tem resultados positivos. Mas para esses objetivos, parece-me haver outras medidas bem melhores.
Traduzindo para o caso português, concordo com a esquerda por querer uma forte diferenciação entre carro e TP, e com a direita por não querer pôr os outros a pagar. Infelizmente ninguém teve a coragem de defender a política que alcança os dois objetivos: taxar devidamente o carro na cidade.