A crença na necessidade do automóvel para as deslocações em meio urbano não é uma escolha sem consequências para os outros modos de deslocação. Ela é tão preponderante e tão disseminada que se tornou num facto cultural. E por isso afecta outros escolhas de locomoção.
Os centros comerciais dos subúrbios são um exemplo desse domínio do automóvel. O parque de estacionamento é enorme e gratuito, ou incomparavelmente barato. O acesso é preferencialmente feito de carro. Como a bagagem do carro dispõe de grande capacidade, é natural que uma ida a um centro comercial se torne numa oportunidade única para reunir várias compras numa só visita, para um período de um mês, por exemplo. Como atrai maioritariamente pessoas que se deslocam de carro, a sua escala de influência é elevada. É pouco provável que encontremos alguém que conheçamos num centro comercial.Tal como é improvável que algum empregado nos reconheça quando lá vamos. Podemos facilmente passar incógnitos enquanto passeamos pela multidão.
Por outro lado, alguém que faça as compras a pé ou de bicicleta está limitado pelo peso que os seus braços conseguem carregar e pela limitada distância que consegue percorrer. Como a capacidade de transportar produtos em cada visita ao supermercado é limitada, a frequência das saídas à rua aumenta, para que o abastecimento do lar possa ser mantido. Acresce a isto que, sendo a escala mais pequena, a probabilidade de reconhecer pessoas e vizinhos é bastante maior. A formação de comunidade, a consciência de uma vida para lá do lar ou do trabalho, é facilitada.
A crítica comum de que os estabelecimentos de comércio tradicional devem "adaptar-se aos tempos modernos", ou seja, adoptar parques de estacionamento a preços razoáveis, é um ponto de vista daqueles que acham que a deslocação num automóvel é uma solução universal, e por isso extensível a todas as localizações. Para os seus defensores, é aberrante que tenham de caminhar da sua casa ao supermercado, até a uma loja próxima, ou até ao cinema. O centro comercial passa a ser o padrão de compras e de encontro social, não a excepção. As ruas vão assim cedendo o seu lugar a ambientes artificais.
Como catalisadores de tráfego automóvel, uma medida justa a impor aos centros comerciais seria a elevação dos preços dos seus parques de estacionamento. Doutro modo, é natural que muita da especulação imobiliária olhe para prédios devolutos como futuros parques de estacionamento: seguindo o paradigma da deslocação automóvel, a rua deverá tornar-se cada vez mais como um centro comercial.
O simpósio "A rua é de TODOS", da exposição "A rua é nossa" abordou de várias perspectivas o tema da rua. Para os leitores do blogue Menos1carro, fica aqui disponível o registo áudio da intervenção de três dos "key note speakers".
Dia 16 - Proximidade e acessibilidade | A vida de bairro e modos suaves - Mário Alves
Dia 17 - O carácter simbólico da rua | Identidade e apropriação - Antoni Remesar
Dia 18 - A rua metropolitana - Álvaro Domingues
E para finalizar, algumas fotos da ciclo-oficina de Fevereiro, que teve lugar no Regueirão dos Anjos deste Domingo!