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Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

Espelho

TMC, 31.01.11

Lisboa não é uma cidade com menos de 500 000 cidadãos e alguns subúrbios-dormitório com quatro vezes mais população.

 

Lisboa está bastante bem povoada, chega a cerca de milhão e meio de cidadãos durante os dias da semana. Os seus cidadãos têm contudo um horário esquisito. Dormem das 9h às 19h e depois vão trabalhar para os subúrbios e só começam a regressar a casa outra vez pelas 9h. Aos fins-de-semana vão passear para fora.

 

Para estes cidadãos vale a pena viver em Lisboa. A cidade dá-lhes quase tudo. Os cidadãos de Lisboa não têm problemas de habitação. Ela é  extremamente barata, e sempre que não existe um espaço disponível para alugar, podem ocupar um. É permitido aos cidadãos permancerem temporariamente num espaço dos não cidadãos. Isto acontece porque não há fiscalização nenhuma. Melhor ainda é entrar em conflito com um não cidadão se este se atravessar no seu caminho. A frequência desses conflitos é alta porque existem longos e largos passeios para os cidadãos em toda a Lisboa que os não cidadãos, por alguma razão estranha, teimam em passar a correr. Nestes conflitos é raro que um cidadão perca o seu estatuto em definitivo.

 

Há pouco tempo, alguns cidadãos disseram que iam fazer uma greve de fome até que a sua comida ficasse mais barata. E resultou. Tudo corre bem aos cidadãos. Quem é que quereria ser um não cidadão? É natural que outras cidades adoptem este estatuto de cidadão. Funciona e quem quiser ser um não cidadão é discriminado.

 

Jerónimo Martins investe no comércio de bairro

MC, 27.01.11

Como escrevi, é um triste sinal do desprezo português pelo comércio local, por ruas com vida, pelo peão, enfim por uma cidade mais humana, que as marcas portuguesas praticamente não invistam no comércio de rua. Apenas as marcas internacionais parecem perceber que o comércio tradicional também rende, como se pode comprovar em várias ruas comerciais do país. As marcas portuguesas gostam da sociedade do automóvel, por isso encontramo-las no shopping onde só se chega de carro, porque isso é que é moderno. O próprio Governo tem esta inclinação e até a campanha de reciclagem de rolhas da Quercus só passa pelo shopping.

A JM é das poucas cadeias comerciais portuguesas que não despreza o comércio de rua, e com excelentes resultados como prova o sucesso do Pingo Doce. Esta empresa foi agora mais além, passando a investir não apenas em supermercados de bairro, mas na mercearia tradicional de bairro. Será um sinal da mudança de mentalidades?

 

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A Quercus alerta que Lisboa é das cidades mais impermeabilzadas de toda a Europa, devido ao excesso dedicado ao automóvel e falta de espaços verdes.

32 meses de cadeia por homicídio ao volante

MC, 25.01.11

Um camionista português foi condenado a 32 meses de prisão por condução perigosa e subsequente acidente, homicídio de uma pessoa e ferimentos graves noutra. Pequeno detalhe da notícia, isto ocorreu no Reino Unido. Já há dois anos os media portugueses faziam uma cobertura sobre um outro condutor português que matou 6 no Reino Unido e que ia para a prisão, sempre com um tom de empatia para com o homicida.

Por cá, uma pessoa ao volante nunca tem culpa de nada aos olhos da sociedade e da Justiça. Por isso, boas notícias como esta só nos chegam de fora.

 

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Uma dica bem mais positiva para os lisboetas: a página Lisboa Ciclável da CM tem um mapa com vários postos de venda e reparação de bicicletas em Lisboa. Basta ir a Pesquisas (terceiro símbolo no canto superior esquerdo) e depois Venda e Reparações de Bicicletas.

Os carros devem ter mais deveres e menos direitos que os peões, explicado às crianças e ao Carlos Barbosa

MC, 21.01.11

Tentem perceber se há algo de estranho na seguinte fotografia:

Vemos uma mulher que abrandou o passo e verifica se os carros estão parados antes de atravessar o verde. Algo de estranho?

Talvez reformulando: apesar de estar verde a mulher, 1. abranda o passo, e 2. verifica se os carros estão parados. Em poucos minutos tirei várias fotos a peões com este comportamento, mas mesmo que tivesse passado um mês no cruzamento, não teria visto um único automobilista a abrandar perante um verde e a verificar se os peões estavam parados. Esta falta de cuidado do automobilista acontece mesmo sabendo que ele tem uma percepção muito pior do que se passa à sua volta - mesmo que abrandasse - em comparação com o peão mais apressado, porque pura e simplesmente o condutor vai a uma velocidade maior. Se alguém precisaria de abrandar para se inteirar da segurança, deveria ser ele e não o peão.

Mas por que é que o peão abranda e olha apesar do semáforo dizer que pode passar livremente (e nem se trata de um semáforo onde o verde dos peões pode coincidir com o amarelo intermitente dos automóveis!)? Porque o peão sabe que a sua vida está em jogo, sabe que um descuido da sua parte ou da parte dos outros o pode pôr tetraplégico. O automobilista está protegido por uma caixa de metal de duas toneladas, e não será sequer arranhado por um peão. É um desrespeito para com os milhares de peões assassinados afirmar que os peões não prestam atenção.

Esta fotografia prova sem a mínima dúvida que em média um peão está muito mais atento ao que se passa e que se comporta com muito mais cuidado do que quem tem a arma potencial nas mãos. Claro que se cometem erros, mas ambos os lados o fazem e nem todos são evitáveis. É exactamente por isso que quem leva a arma deve ser mais escrutinado.

É por o peão ter mais cuidado que campanhas de culpabilização do peão são patéticas, e que no Norte da Europa se atribui sempre a culpa à partida ao automobilista em caso de acidente, cabendo a este provar que tudo fez para evitar o acidente.

 

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Notícia via Lisboa Bike: Só um condutor perdeu a carta por excesso de infracções desde 2008

Carros poluentes fora da Baixa Lisboeta

MC, 21.01.11

Segundo o Público, a Câmara de Lisboa vai proibir a entrada de veículos mais poluentes (abaixo da categoria Euro I) na Baixa de Lisboa. Isto é uma medida demagógica de quem quer fingir que faz algo por um objectivo, neste caso a melhoria da qualidade ambiental no centro da cidade. Trata-se de uma medida  com poucos resultados mas que vai afectar directamente algumas pessoas de um modo completamente discricionário. Um exemplo muito claro desta discricionariedade: duas (ou três) pessoas num carro velhinho e poluente têm um impacto ambiental menor  do que duas pessoas em dois carros híbridos. Esta medida proíbe os primeiros (reparem proíbe mesmo, nem é uma questão de penalização ou desincentivo), mas nada faz quanto aos segundos.

Há políticas menos discricionários que teriam melhores efeitos, como controlar melhor o estacionamento à superfície na Baixa e reduzir o que existe (que é muito como em toda a cidade), que seriam fortes desincentivos ao deslocamento de automóvel até à Baixa. Ou melhor e mais fácil ainda, cortar o atravessamento da Baixa por carros privados, como chegou a estar planeado há um ano ou dois.

A notícia tem ainda dois pormenores macabros: o lóbi dos popós concorda, e o vereador-supostamente-especialista-na-matéria aparenta não saber que esta medida é comum noutras cidades há larguíssimos anos.

 

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Uma petição a assinar: Pela manutenção e e melhoramento dos comboios regionais no Ramal de Cárceres

Apologia dos pilaretes

TMC, 20.01.11

Um carro estacionado no passeio, parcial ou totalmente, aponta, na ausência de lugares vagos, para uma escolha do condutor acerca de quem prefere ele incomodar; sendo o espaço disponível limitado, o condutor manifesta com esse comportamento que prefere invadir o espaço dos peões do que incomodar os colegas automobilistas, estacionando na própria rua onde circulava. Uma buzina e as típicas bocas dos enfurecidos do trânsito podem mais que os peões cabisbaixos e desgraçados que “andam por onde podem”.

 

Uma rua com estacionamento abusivo pode transformar-se numa rua com passeios agradáveis de duas maneiras. Através da dissuasão por acções fiscalizadoras das autoridades ou por pilaretes, por impossibilidade física. A Polícia Municipal de Lisboa, por exemplo, convive com situações crónicas de estacionamento abusivo em locais bem identificados; ou é incompetente, ou não tem agentes suficientes, ou pretende manter a situação favorável aos condutores. Esta última hipótesse é explicada por absurdo: se a Polícia Municipal tivesse uma acção profissional e banisse significativamente ou de vez o estacionamento abusivo, acabava-se o seu propósito e os seus efectivos teriam de ser reduzidos. Fiscalizando, multando e bloqueando esporadicamente, vai conseguindo injectar nos cofres da autarquia alguns milhares de euros. É do seu interesse manter o estacionamento abusivo. Só que não é do interesse dos peões que essa situação se mantenha, tal como não deve ser de qualquer autarquia ou freguesia.

 

Um Polícia Municipal da capital ganhará à volta de 900€ e fiscalizará o estacionamento de uma rua durante um mês; passado esse mês, a situação, aos poucos, voltará ao normal e os automobilistas continuarão a fazer o que sempre até aí tinham feito.

 

Um pedreiro ganha o ordenado mínimo mais o pagamento à hora e num dia consegue instalar 40 pilaretes (eu próprio perguntei). O preço de um pilarete varia muito, podendo ir desde os 30€ aos 150€, consoante a função e a estética pretendida. Num mês, um pedreiro conseguirá instalar mais ou menos 800 pilaretes; se a distância entre pilaretes for de 1,5m, um pedreiro conseguirá impedir permanentemente o acesso a cerca de 530m de passeio.

 

A EMEL de Lisboa é bastante mais eficiente que a PM e funciona na mesma lógica; a sua fonte de lucro são as infracções dos condutores, pelo que não lhe interessa acabar completamente com essas infracções. Só que a EMEL administra e gere também parques de estacionamento, frequentemente vazios, pelo que conseguiria justificar a sua existência se endurecesse a sua fiscalização.

 

Acabe-se com a Polícia Municipal e invista-se o dinheiro nas freguesias que deverão contratar empresas que instalem pilaretes. Os peões agradecem. Outra questão que ignoro é se será legal associações de moradores comprarem elas próprias os seus pilaretes e resolverem a invasão dos seus passeios de vez.

 

Os automobilistas continuarão com falta de espaço para estacionar, claro; só que com a solução pilaretes instalada só poderão estacionar na própriar estrada, ao contrário do que costumam fazer. E nesse caso serão os outros automobilistas em trânsito a sentirem o seu espaço invadido, tal como deveria ser. O problema gerado por condutores retorna ao respectivo domínio: deve ser resolvido pelos condutores, e não pelos peões.

 

Nota: não quis defender que os pilaretes são uma solução universal para todas as situações de estacionamento abusivo. Em ruas estreitas não fazem sentido absolutamente nenhum:

 

 

 

 


Ver a situação desoladora do estacionamento na cidade de Coimbra; já antes o blogue A Nossa Terrinha tinha retratado a situação na Universidade de Coimbra; de certeza que assim serão património mundial da humanidade.

Transportes e Maturidade

TMC, 16.01.11

É um chavão que uma crise, seja ela económica ou política, é também uma oportunidade para um país e para os seus habitantes; porque ao encerramento do ciclo que permitiu o advento dessa crise, assiste a possibilidade de um novo começo. Esse novo começo é necessário, seja por os comportamentos estarem agora balizados por novas condicionantes financeiras, seja porque as pessoas compreenderem e sentirem nos ossos que o seu modo de vida anterior era parte integrante das condições que ocasionaram a crise.

 

Concretizando: perante os gastos de produção e manutenção e a escassez de matérias primas que não existem no nosso território, o estado e as empresas decidiram reavaliar a frequência, aumentar os passes mensais ou suspender alguns serviços de transportes para diminuírem os seus custos.

 

Perante estes factos, há duas atitudes. A imatura e a matura.

 

Existem os que pretendem manter a sua dependência e geri-la, exigindo ao estado que continue a facilitar o seu modo de deslocação com prejuízos sociais e financeiros colectivos. Acham que a generalização do automóvel como meio de transporte é algo irrevogável e necessários às suas vidas: 

 

 

Acontece que me apaixonei por um automóvel.

 

E existem aqueles que, por não terem opção ou por escolha própria, reivindicam o direito à mobilidade num meio de transporte colectivamente menos oneroso ou que se autonomizam completamente do uso do automóvel em meio urbano.

 

 

 

 

 

 

Há quem peça aos papás um aumento da mesada. E há quem saia de casa. 

 

 

A Ciclo-Oficina de Lisboa de Janeiro foi em Telheiras, na associação ART. Como sempre, a garantia de uma tarde de Domingo bem passada:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Transportes e Cidadania

TMC, 10.01.11

É para mim um facto, intuído, que as formas de deslocação que escolhemos influenciam o sentido da nossa atenção e a subsequente ligação afectiva que temos às nossas redondezas. Tentarei de seguida mostrar quão plausível é essa ligação entre os modos de transporte e os afectos às nossas vizinhanças, esperando mostrar assim que a cidadania, enquanto exercício de defesa do espaço público e protecção dos direitos a ele associados, pode ser favorecida ou desfavorecida consoante o modo de deslocação que escolhemos.

 

 

Por um lado, temos os transportes públicos de superfície, que por não exigirem aos passageiros que se ocupem da condução, permitem a possibilidade da atenção poder lançar-se para outra actividade: ora um livro, ou um jogo, ou para a música que vem dos auscultadores, ou, através do olhar, para o exterior. Um exemplo: é por este facto perceptual que muitas cidades apostam no autocarro de dois andares para dar aos visitantes um apelativo panorama em movimento da cidade.

 

 

A bicicleta e o andar a pé não têm a vantagem do autocarro: exigem sempre que o utilizador da bicicleta ou o peão ocupem a sua atenção na condução ou no trajecto entre obstáculos dos passeios; por outro lado, nenhuma bicicleta ou movimento pedonal são limitados por cápsulas de metal, de ruído ou por um código da estrada como são os veículos motorizados; ambos são bastante mais livres e também expostos às condições climatéricas e de circulação, e daí que quem os adopte conheça a cidade mais pessoalmente; mais importante, a velocidade da bicicleta e do andar a pé, por ser causada em exclusivo pelo corpo, permite que a atenção ao ambiente por onde a bicicleta ou um peão viajem sejam omnipresentes, e mais penetrantes, tornando qualquer modificação desse ambiente, nefasta ou não, em algo mais passível de se tornar familiar ao utilizador de bicicleta ou ao peão.

 

 

É por não viajar pelas ruas, encruzilhadas e passeios às velocidades proporcionadas por um motor de combustão que alguém sentando num selim ou dependente de umas solas repara logo num buraco causado pelas chuvas, seja ele no passeio ou na estrada, tal como repara na quantidade de estacionamento em segunda fila ou na adequação ou desadequação dos pilaretes e passadeiras ao movimento dos peões. É também por esse motivo que essa pessoa, a pouco e pouco e se continuar a deslocar-se desse modo, se vai sentindo mais próxima do espaço desses trajectos e das mudanças de uso que ele sofre, seja a invasão pelo lixo ou pela quantidade de carros.

 

 

Concluímos que a atenção exigida pela deslocação, no caso da bicicleta e do andar a pé, coincide com a atenção ao ambiente. Pelo contrário, a atenção à condução de um condutor de automóvel não acarreta uma atenção ao ambiente, mas implica até uma distanciação. Tal deve-se a vários factores: o ruído do motor, combinado com a rádio, não permite que o automobilista ouça o som das redondezas; a carapaça de metal não o deixa sentir a chuva, o vento, o sol ou a poluição atmosférica como os sentiria um ciclista ou um peão; a velocidade proporcionada pelo automóvel impede um mínimo de atenção ao que quer de interessante que apareça através das janelas; algo que é visto torna-se logo em algo que fica abandonado, já só lobrigado pelo retrovisor; e o seu conforto, a possibilidade de controlar o ambiente interior à custa do consumo de energia, apenas contribuem para que o automobilista se sinta como uma parte completamente isolada do espaço que o rodeia, e ao qual exige mais condições para circular. Um facto curioso de que me dou conta enquanto peão e utilizador de bicicleta é a quantidade de contacto visual, olhos nos olhos, que tendo a estabelecer com automobilistas e outros peões, tornando a resolução das prioridades em rotundas, cruzamentos e passadeiras em algo relativamente fácil de ser alcançado.

 

 

Se admitirmos ainda que o automobilista ideal dispõe com facilidade de dois lugares de estacionamento, no local onde reside e no local onde trabalha, a sua familiaridade e preocupações sérias com o espaço ficam resumidas à esfera privada e à esfera do trabalho, e só essas esferas o interessarão; a partir do momento em que chega ou sai de sua casa, o trajecto em que ele anda a pé é mínimo e corresponde ao percurso entre a porta de casa e a porta do carro, o qual até poderá estar numa garagem. Idem para o trabalho, onde um dos privilégios é um local para estacionamento. É relativamente fácil concluir que a consciência do direito ao exercício da cidadania esteja limitado aos espaços representados pelos pontos inicial e final dessas viagens; o que existe entre eles não é apercebido senão muito indirectamente; só lhe merecerá preocupação aquilo que afecta o espaço do seu lar ou do seu trabalho; as ruas da cidade, por onde se desloca nos termos que ilustrámos, não são sentidas como suas, e por isso dificilmente são consideradas como possuindo valor intrínseco. Só conservamos e cuidamos daquilo de que gostamos.

 

 

Por outro lado, a natureza do andar a pé e do andar de bicicleta favorecem uma intimação com todos os pontos entre o local de residência e o local de trabalho; esse percurso não é apenas reduzido à esfera privada e à esfera do trabalho, mas alargada até incluir as várias localizações entre esses dois pontos. A velocidade, por ser menor, e por não haver isolamento artificial através das cápsulas de metal e ruído, acrescenta a cada ponto de passagem desse percurso quotidiano uma componente de paragem, em que as ligações afectivas nascem. Os transportes públicos de superfície estarão a meio caminho, entre o isolamento automático e falso do carro e a abertura às redondezas da bicicleta e do andar a pé.

 

Um exemplo não pessoal que corrobora o que foi dito é dado pelo modo como os bairros históricos, construídos numa época em que não existiam carros e com as actuais reduções à circulação automóvel, incutem quase automaticamente nos seus habitantes uma sensibilidade colectiva a tudo o que é de interesse do bairro, o que contrasta com as áreas mais recentes da cidade, onde o sentido de vizinhança está quase completamente ausente. Claro que nos bairros históricos pode haver o caso depormenores chatos de bisbilhotice, mas o ponto é que o sentido alargado de cidadania para com o espaço público é despertado pela ausência da circulação automóvel.

 

 


 

A bicicleta conseguiu aparecer nas presidenciais.

 

No meio de tanta acefalia dada pelos apoiantes de um candidato:

 

 

Em que foi assegurada a passagem de testemunho dos problemas de ocupação do espaço público causados pelos automóveis comuns para os automóveis eléctricos:

 

 

Repare-se na pérola: «Acredito num Portugal mais ecológico», «Acredito num Portugal sustentável». Na falta de palavras, rir é o melhor remédio.

 

 

Eis que brilha um herói solitário e as suas palavras sábias:

 

 

 

José Novais à jornalista que o tomou como excêntrico:

 

Está a ver? Não tive problemas em estacionar. Vim de bicicleta porque gosto. Moro no Estoril, é perto, e costumo andar de bicicleta no dia a dia, por isso nem hesitei, disse, garantindo que é este o meio de transporte que usa para ir trabalhar e até para ir às compras. Tenho pena que não venham mais pessoas como eu, disse, explicando que faz parte de uma associação, Amigos do Paredão, que procura precisamente que haja melhores condições para os ciclistas, para incentivar mais pessoas a andar de bicicletas.  

 

Cavaco Silva já disse que não punha outdoors para não gastar dinheiro, podia, em vez disso, usar pessoas de bicicleta a fazer campanha. Não gastava dinheiro, não poluía e chamava a atenção para este meio de transporte.

 

E se chover?, perguntaram-lhe. Meto-a no comboio, respondeu.

A importância do acesso automóvel para o comércio local explicado às crianças e ao Carlos Barbosa

MC, 07.01.11

Repare-se na foto acima, com a Rua Morais Soares em Lisboa e uma das suas paralelas. A primeira tem comércio porta sim, porta sim. A segunda muito longe disso. E isto acontece para qualquer rua ou avenida central das nossas cidades, em comparação com as vias secundárias. Mas...

Para quem se desloca de carro, a facilidade de acesso a uma e outra é exatamente igual.

Para quem se desloca de carro, estacionar perto de uma ou da outra é exatamente o mesmo. A rua secundária até tem ocasionalmente a vantagem de se poder estacionar à porta das lojas.

As rendas na rua principal são bem mais altas do que na rua secundária.

 

Como se explica então esta enorme diferença na quantidade de comércio e de consumidores entre uma e outra?

O fundamental para o sucesso do comércio tradicional não é ter carros a passar ou a estacionar à porta, mas ter pessoas a passarem a pé e a pararem ocasionalmente, a verem as montras, a (re)conhecerem uma loja para uma compra no futuro. E os peões estão nas ruas principais porque é mais fácil de caminhar por elas, porque mais facilmente se chega a algum lado através delas, porque há paragens de autocarro, etc. O fundamental para o comércio local não é atrair carros, mas atrair peões.

 

 Exemplos sobre isto não faltam, esta posta antiga tem vários exemplos inclusivé dados que mostram como os próprios comerciantes estão enganados na importância do acesso automóvel.

 

P.S. Um leitor resume bem a questão nos comentários: é melhor abrir uma loja na Rua Augusta ou na Rua do Ouro? Em versão nortenha, Rua de Sta Catarina ou Rua da Alegria?

 

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Esta notícia já é antiga, mas não chegou a aparecer no blogue. O novo método de contagem da sinistralidade, onde as mortes são contadas até 30 dias depois do acidente e não apenas 24h, teve o resultado esperado no que toca aos dados dos peões devido ao tipo de acidente: Nova contagem de mortos na estrada mostra aumento de 91% entre os peões.

Pequenas coisas da ditadura do automóvel IV

MC, 06.01.11

A Carris (autocarros de Lisboa) tem um serviço muito bom de informação sobre os horários de chegada dos autocarros*. Seja por paineis eletrónicos nas paragens, por SMS ou por e-mail, o passageiro pode ficar a saber a que horas é prevista a chegada dos diferentes autocarros. Tudo isto graças a um sistema que acompanha constantemente a localização de todos os autocarros.

Nada disto faria o mínimo sentido se os carros privados não empatassem a vida dos outros. Se houvesse menos trânsito, se não houvesse estacionamento ilegal, se houvesse mais faixas BUS, etc. a velocidade a que um autocarro circula seria muito mais previsível e menos errática (já para não dizer que  circulariam bem mais rápido). Poderíamos ter horários fixos para cada paragem, o autocarro 123 passaria à minha porta às 8h25 todas as manhãs, em vez de este sistema todo. Os utentes saberiam sempre quando haveria autocarro. Os autocarro chegariam à hora prevista.

Tudo isto é impossível devido às escolhas dos automobilistas. Logo andar ou não de automóvel não é uma escolha meramente individual como escolher entre chá ou café, mas é uma escolha que afeta os outros, tal como tocar ou não bateria às 4 da manhã, e deveria ser tratada como tal.

 

* Sim, eu sei , nem sempre está correto. Mas já vi falhas semelhantes ou piores no estrangeiro.

 


Uma petição a assinar para um meio de transporte que felizmente não é afetado pela escolha dos outros, o comboio. Os utentes do Grande Porto não têm a possibilidade de ir diretamente do Porto a Guimarães sem parar em todas as terrinhas: Petição Comboios Expresso para Guimarães

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