O caderno "Cidades" do Público traz hoje uma série de artigos sobre a realidade da mobilidade no interior do país. Neste blogue abordamos com mais frequência as desvantagens da utilização massiva do automóvel em meio urbano e a série de políticas públicas que seguiram o seu paradigma, redundando na proliferação das auto-estradas e redução dos serviços prestados pelo transporte ferroviário.
O princípio chave que sustenta todas as sucessivas críticas é que o direito à mobilidade, consagrado na constituição portuguesa, seguiu a equivalência de um automóvel por cidadão; o pensamento é o seguinte: com um automóvel poderemos chegar a qualquer lado, desde que haja estradas e estacionamento. Ora, é uma solução redutora: além dos defeitos para que temos apontado de modo sistemático, esta solução pressupõe que todos os portugueses têm capacidade para o fazer (com ou sem recurso ao crédito) e que o devem fazer.
O automóvel é uma boa solução enquanto existirem certas condições que o satisfaçam: estradas, viagens semanais frequentes, estacionamento farto ou fiscalização reduzida e inexistência de impostos que internalizem todos os custos envolvidos no seu fabrico e uso generalizado. Se as últimas condições são políticas e financeiras, as primeiras coincidem com o ordenamento do território de meio urbano. Em meio rural, um automóvel como solução universal de mobilidade não pode vingar porque a sua compra não seria justificável, e assim o direito à mobilidade raramente é assegurado, pois qualquer rede de transportes públicos implica custos adicionais; carreiras vazias e com baixa frequência, já que as aldeias estão dispersas, fragmentadas, longes da capital de distrito onde existem os serviços de farmácias, as escolas, os hospitais. Nem falemos da cultura.
O que os artigos demonstram é precisamente a existência de dois países e de um paradoxo: o que pensamos ser um enorme problema no país de meio urbano dado o excesso de automóveis ou, posto por outras palavras, dado o excesso de democratização da viatura individual, é, no país do interior rural, um enorme problema dada a escassez dessa mesma democratização. Aconselha-se a leitura desta peça, que traça o panorama geral, (depressa porque estes artigos tendem a desaparecer) e a procura de soluções em Bragança, Beja e em Castela-Leão.
A mensagem é a seguinte: a mobilidade é um direito, tornando-se por isso uma questão social por excelência e o automóvel simplesmente não é capaz de suprir esse direito em todo o lado. O país urbano é prejudicado pelo excesso do seu uso e o país rural é prejudicado pela falta do seu uso. Enquanto eu, vivendo em Lisboa, não me sinto prejudicado (e não prejudicando ninguém) por não usar um carro no acesso aos serviços que melhoram a minha qualidade de vida, no interior teria de ter um carro para garantir esse mesmo acesso; a questão é que ninguém deve ser obrigado a ter carro, mas deve ter direito à mobilidade. São coisas diferentes.
A Câmara Municipal do Porto instalou um brinquedo inócuo que diz aos peões quanto tempo têm para não morrer atropelados. Aumentar o tempo de passagem nas passadeiras complica sempre as contas dos engenheiros de tráfego.
Perante o novo plano de austeridades, a Associação Académica da Universidade do Algarve bate-se pelos direitos dos seus alunos. Como? Mais estacionamento para os carros dos estudantes, ora pois. Ver a q u i ( f o t o t i r a d a d o S p e c t r u m ) .
Em Lisboa volta a haver orçamento participativo, cabendo aos cidadãos decidir que projectos devem ser levados avante.
Da minha parte apoio a 100% esta proposta apresentada pelo Fórum Cidadania LX, que passa pela requalificação da zona desde o Príncipe Real, passando pela Rua S. Pedro de Alcântara/R. da Misericórdia (a rua que contorna o Bairro Alto) até ao Largo de Camões. Para mim o ponto do alto da proposta é o corte da circulação automóvel no Largo Trindade Coelho - seria apenas para peões e transportes públicos - que cortaria toda a circulação automóvel da zona (atenção, não impede o acesso, apenas corta aquele eixo sobrecarregado).
É das zonas mais agradáveis e vivas da cidades, que perde muito com o trânsito automóvel. O zona entre Largo de Camões e o Chiado seria muito mais animada, se os peões não estivessem aprisionados aos passeios estreitos, e obrigados a (des)esperar para atravessar as ruas. Atravessar aquele eixo de autocarro é um martírio porque os automóveis entopem a zona, obrigando os peões e os utentes do autocarro e elétrico, a ficarem presos num congestionamento que não causaram.
Para votar basta registar-se na página do Orçamento Participativo da CML depois esperar pela confirmação por email, fazer login, e votar na proposta 803, que pode ser encontrada escolhendo
Área:Infra-estruturas Viárias, Trânsito e Mobilidade
Freguesia:Encarnação
Têm até este domingo para limpar a cara a uma das zonas mais bonitas da cidade.
Todos sabem o que é uma percentagem: é uma maneira imediata de apresentar um quociente entre um numerador e um denominador. Quando se fala de metas minímas de energia renovável que Portugal e outros países da UE têm ou querem cumprir, fala-se da percentagem de incorporação dessas energias como o quociente entre a quantidade de energia de origem renovável (ER) e a energia final consumida (EF) em cada país.
Este cumprimento não é apenas algo que fique bem na folha dos imperativos de sustentabilidade ambiental. É acima de tudo, para o caso português e dada a nossa elevada dependência energética, uma meta desejável para não gastarmos tantos milhares de milhões de euros a importar carvão, gás e electricidade.
Muito abreviadamente, a ER é composta maioritariamente pela componente eléctrica (eólicas + hídricas + centrais de biomassa) e por quantidades minímas de biocombustível nos transportes. A EF é a energia final consumida pela indústria, transportes, edifícios, agricultura, etc, em forma de electricidade, vários combustíveis e o gás natural que usamos para cozinharmos e aquecimento.
Se queremos atingir o quociente de 31%, não faz sentido insisitir apenas no aumento do numerador, ou seja, só à custa da incorporação de mais moinhos, barragens e biocombustíveis; devemos também baixar a EF, especialmente no sector dos transportes, que é o sector energeticamente mais oneroso.
A questão é que, politicamente, parece mais compensador dizer que se vai atingir o objectivo de 31% (o chavão de Portugal estar na vanguarda das renováveis) sem mexer na EF; o crescimento desta está profundamente ligado aos hábitos das pessoas e, no caso dos transportes, ao crónico e péssimo planeamento urbano que suscitou a dependência do automóvel. Só assim se explica que um secretário de estado não ouse sequer sugerir que para atingir tal meta seria desejável uma maior aposta nos transportes públicos e mais restrições à circulação automóvel.
Jornalista acha que deve ser notícia a PSP do Porto cumprir o seu papel. Também acha que os infractores eram livres como pássaros até serem caçados. São pontos de vista que demonstram que o jornalista parte de dois pressupostos:
1) as multas a condutores são raras (facto demonstrado pelo MC)
2) tais multas são injustas porque excepcionais.
Ou seja, desta perspectiva, a polícia está a usar um subterfúgio legal para diminuir a liberdade dos condutores de circularem como quiserem, mas felizmente isso deve ser pontual.
Sugestão de título isento: "PSP tenta prevenir número de atropelamentos em passadeiras" ou "PSP tenta incutir respeito pelos peões". A melhor prova que os peões são tacitamente desrespeitados é ver como quase todos atravessam uma passadeira: a correr ou à pressa. Porque o que está implícito na sua consciênca é que "invadiram" um território onde correm perigo e do qual têm de fugir o mais depressa possível.
Para quem ainda não tiver votado no Orçamento Participativo de Lisboa, espreitar a proposta de um antigo aluno da Universidade de Lisboa que pretende reduzir a carga automóvel no campus.
Ontem foi o DN, hoje é o Público que tem uma série de artigos sobre a ditadura do automóvel. Sendo que a semana da mobilidade já passou há um mês, a publicação destas reportagens nos principais jornais "fora de época" é um excelente sinal de que este é um tema que começa a preocupar a todos.
A preocupação que a manchete espelha, "mais de metade do espaço urbano ainda é para carros" (sublinhado meu), não é ainda aparentemente partilhada pelos municípios portugueses. Não é que não haja boas intenções e boas notícias, mas as boas medidas nunca se atrevem a no carro, ainda estamos na fase de lhe dar mais e mais espaço urbano. Em Lisboa, descontando o aumento dos passeios na Av. Duque de Ávila, temos as novas ciclovias construídas no passeio que praticamente não tocam no espaço do popó, temos a proposta de usar os logradouros (traseiras dos prédios e afins) para construir mais estacionamento, temos o aumento da rede viária, não há qualquer intenção de reduzir o estacionamento à superfície que domina Lisboa como não acontece em mais nenhum lugar da Europa, etc.
(Os textos também estão disponíveis aqui)
Entrevista Os automóveis são os donos das cidades
"o veículo privado, que pouco a pouco se fez dono das cidades. E os planificadores passaram a desenhar as cidades a pensar neles. Na maioria das cidades médias e grandes, no Sul da Europa, cerca de 70 por cento do espaço público é para o veículo privado"
Portugal já tem uma rede nacional de Agenda 21 Local, mas há pouco trabalho para mostrar
Para cada cidade europeia há uma solução à medida
Malmo: "Nas ruas da cidade foram instalados sensores que garantem aos ciclistas prioridade em cerca de 30 cruzamentos, reduzindo o número de vezes em que são obrigados a parar ou a esperar pelo sinal verde."
Países da Europa Central com melhores transportes públicos
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Sugestão de hoje, como a cidade de Londres tem "poupado" dinheiro ao investir na bicicleta, no Um pé no Porto e outro no Pedal.
Hoje no DN, há uma reportagem sobre pessoas estranhas, pessoas sem carta.
A jornalista autora da peça, a fernanda câncio, já fez vários artigos sobre a ditadura do automóvel como este sobre o Passeio Livre e, segundo sei, não tem carta também. Ou seja estas pessoas não são estranhas para ela, são estranhas para uma sociedade demasiado centrada no automóvel. Só assim se explica que isto seja tema de capa de um jornal.
É importante que a nossa sociedade novo-rica perceba que não ter carro não é sinónimo de pobreza,. Para lá das pessoas conhecidas que aparecem na reportagem, há outros "famosos" sem carta como o Miguel Carvalho (jornalista/escritor), o Manuel Luis Goucha (TVI), a magistrada Maria José Morgado, o João Amaral Tomaz (ex-secretário de estado dos assuntos fiscais), etc.
A não perder.
No Norte da Europa, por contraste, é muito fácil encontrar pessoas sem carta ou que não conduzem.
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Um veículo que não precisa felizmente de carta, é esta estranha bicicleta, a Phantom Bike:
(obrigado Patrick)
Do pior que se pode fazer a quem vive numa cadeira de rodas, é roubar o pouco de autonomia que têm. Seja por culpa de quem estaciona no espaço dos peões, ou por culpa dos municípios que atribuem mais espaço ao estacionamento que aos peões, um deficiente motor não pode fazer autonomamente coisas tão simples como ir ao café da esquina ou ir ao supermercado nas cidades dominadas pelo automóvel. E mesmo que houvesse espaço para circular, quem se sentiria seguro a cruzar as vias-rápidas em que se transformaram as nossas rua, sentado numa cadeira de rodas? Das coisas que mais chama a atenção nas cidades do Norte da Europa, é o número de pessoas de mobilidade reduzida que se movimentam autonomamente.
Achamos natural que os condutores se revoltem quando o trânsito automóvel é interrompido, mas calamo-nos quando estas pessoas são presas em casa por decisão dos outros.
Nota: Esta série de postas serve para lembrar que há muitas, muitas coisas pequeninas que nem nos apercebemos mas que todas somadas provam umas das principais mensagens do Menos Um Carro: andar ou não de automóvel não é uma escolha meramente individual como escolher entre chá ou café, mas é uma escolha que afeta os outros, tal como tocar bateria às 4 da manhã.
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Sugestão de leitura no Lisboa Bike, Do peso das palavras, que mostra como a nossa sociedade é sempre vista do ponto de vista do automóvel:
"Comboio abalroou viatura e provocou dois mortos", noticiava hoje o Público. [...] Não é por acaso que o título não diz por exemplo "Utentes de linha X sem serviço devido a acidente com automóvel" ou algo como "Idiota contorna cancela e ignora avisos sonoros, provocando colisão com comboio".
Nota: Quando se refere os malefícios da sociedade do automóvel, o que vem à cabeça das pessoas é a poluição. Talvez os milhares de mortos nas estradas. A outros também as guerras travadas pelo controlo do petróleo. Quem lê este blogue sabe que a lista é muito maior, sendo que no topo da lista das consequências esquecidas está a destruição e desumanização das cidades. Esta série de postas serve para lembrar que há muitas, muitas coisas pequeninas que nem nos apercebemos mas que todas somadas provam umas das principais mensagens do Menos Um Carro (o verdadeiro): andar ou não de automóvel não é uma escolha meramente individual como escolher entre chá ou café, mas é uma escolha que afeta os outros, tal como tocar ou não bateria às 4 da manhã.
Eu adoro ouvir rádio ou música na rua, há quem goste de falar ao telefone, mas fazer isso quando me desloco de bicicleta é um suicídio.
Contudo, nas cidades dominadas por bicicletas, é muito comum encontrar gente com os auscultadores bem enfiados. O perigo não está na escolha do ciclista, mas nas escolhas que os condutores fizeram por ele.
Pondo as coisas de outra maneira, se alguém numa esplanada nos abordasse para nos proibir de ouvir música com auscultadores, qualquer um ficaria indignado. Mas por que é que não reagimos quando esse alguém tem um volante na mão?
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Recomendação de hoje para os colecionadores de tshirts que não querem ficar calados :)
Da Cenas a Pedal (que tem agora uma loja online) as minhas favoritas são
O seu médico ou vendedor de bicicletas pode ajudá-lo a deixar de conduzir;
Salva a natureza, queima a tua viatura;
Libertem os ciclistas enclausurados nos carros;
O Economist tem um artigo sobre um perigo escondido das lâmpadas mais eficientes, que é resumido no subtítulo: Tornar a iluminação mais eficiente pode aumentar o uso de energia, em vez de diminuir. O próprio título declara com um trocadilho Uma ideia não tão brilhante.
A história em causa, atestada por um artigo científico, é simples. Quanto mais barato for um produto, mais consumimos dele. E ter uma lâmpada economizadora é equivalente a pagar menos pela eletricidade. Ora se por um lado cada lâmpada gasta menos, por outro ao termos eletricidade mais barata vamos usar mais lâmpadas e por mais tempo. Esta segunda consequência, este tiro pela culatra, é chamado rebound effect e pode até ser maior que o primeiro efeito, o da poupança. O artigo em causa diz que esse deverá ser infelizmente o caso com as lâmpadas economizadoras, ou seja lâmpadas mais eficientes levam paradoxalmente a mais consumo no total.
Os carros elétricos não são diferentes. As contas rápidas que fiz aqui apontam no mesmo sentido, o carro elétrico (cujo o uso é mais barato que o convencional) poderá causar um aumento das emissões de CO2. E nem me vou referir às externalidades não-ambientais como congestionamento, sinistralidade, etc. porque o aumento dessas está garantido.
Se a ideia de mais eficiência equivaler a mais consumo parecer estranha, imagine-se o contrário: o que aconteceria se os carros gastassem 1000 l/km, ou seja fossem altamente ineficientes? Ninguém andaria de carro! Conclusão menos eficiência=menos consumo.
Pior, os carros elétricos têm duas agravantes em relação à lâmpada.
Primeiro, o que se passa com o carro é pior que um rebound effect. A lâmpada economizadora torna-se mais barata porque é mais eficiente, utiliza menos recursos para o mesmo efeito. Mas o carro elétrico torna-se mais barato não só por ser mais eficiente em termos de recursos, mas principalmente por passar de um combustível fiscalmente muito penalizado para outro que é subsidiado. Para quem anda de carro, os ganhos ao km em euros, serão bem maiores que os ganho em eficiência. Os efeitos poderão ser bem piores que o efeito da lâmpada.
Há ainda outro efeito menor, através do chamado efeito rendimento. Como os combustíveis levam uma parte significativa dos orçamentos familiares, ter combustíveis baratos não só leva a mais consumo pelo preço baixo, mas leva também as famílias a terem um orçamento mais desafogado, logo a consumir mais de tudo - inclusivé viagens de automóvel.
Tendo o tema da dívida pública como pano de fundo, aconselho a leitura de uma série de postas no A Nossa Terrinha sobre os nossos gastos megalómanos em alcatrão:
Os campeões das auto-estradas (1)
Os campeões das auto-estradas (2)
Os campeões das auto-estradas (3)
Os campeões das auto-estradas (4)
Os campeões das auto-estradas (5)
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Por um mundo + seguro (Brasil)
100 dias de bicicleta em Lisboa
Páginas
Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados
BUTE (bicicletas p/ estudantes)
Ciclovia (lista das ciclovias em em Portugal)
Environmental Transportation Association (UK)
Fed. Port. de Ciclotur. e Utilizadores de Bicicleta
Itinerarium (transportes públicos do Porto)
Mário J Alves (página pessoal)
Massa Crítica/Bicicletada Portugal
Sociedade do Automóvel (documentário BR)
Transporlis (transportes públicos de Lisboa)
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