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Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

Menos Um Carro

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Tiro ao lado

TMC, 30.04.10

O debate actual sobre a política energética em Portugal parece centrar-se na efectiva relevância das energias renováveis. De um lado temos o governo, associações de empresas, como a APREN e a APEMETA e gigantes como a EDP; do outro temos um manifesto publicado por diversas personalidades que advogam a discussão acerca da relevância das renováveis. Se uns rejubilam perante os números de emprego criados, a potência instalada, as oportunidades criadas e o futuro verde cada vez mais próximo, outros contestam precisamente tais certezas. O confronto parece centrar-se nas seguintes questões:

 

1) número de postos de trabalho (temporários mais efectivos) criados pelas energias renováveis

2) valor do subsídio às energias renováveis, em especial a eólica e a fotovoltaica

3) impacto real na economia portuguesa (indicadores: criação de indústria própria e diminuição do preço da electricidade)

4) reflexos da dependência energética nacional no desenvolvimento económico do país

 

Um debate é sempre positivo. Pessoalmente, fiquei convencido de algum empolamento propagandístico presente nos jornais; digamos que  neles é frequente encontrarmos informação verde enviesada ou greenwashing. Uma das estratégias dos que defendem o investimento nas renováveis foi encostar os adversários ao papão nuclear, uma acusação que foi recusada enquanto caricatura, mas não enquanto estratégia futura. Tudo bem.

 

Repare-se que nesta discussão, a única presente no espaço da comunicação social, tudo gira à volta da energia eléctrica. É a forma de energia que as renováveis e o nuclear produzem. Talvez alguns números esclareçam os leitores. A energia eléctrica, em 2008 (dados mais recentes segundo a DGEG), correspondia a 22,5% do consumo de energia final, ou seja,  6,2% da energia final é produzida por Portugal sob a forma de energia eléctrica de origem renovável. O resto vem de termoeléctricas e de energia eléctrica importada (1,2% em 1990 e 5% em 2008) Por sua vez, 52,8% do consumo da energia final vem do petróleo importado, dos quais 62,2% são aplicados no modo rodoviário de transportes. Ou seja, 36,7% do consumo de energia final é aplicado em transportes rodoviários, de passageiros e de mercadorias.

 

Resumo: é um tiro ao lado. O verdadeiro problema energético está no sector dos transportes e não há nada nesta discussão que o aborde. Pior. A promessa de diminuição da nossa dependência em relação ao exterior saiu furada. Porquê? Como:

 

1) o consumo de energia eléctrica por habitante subiu 92% entre 1990 e 2008

2) há dificuldades no armazenamento e distribuição da energia eléctrica de origem renovável

3) as hídricas são altamente dependentes de anos com chuva

 

O resultado é que, apesar de termos instalado muito mais potência renovável, a percentagem de energia eléctrica nacional relativa ao consumo de energia eléctrica diminuiu (6,6% em 1990 para 6,2% em 2008). Como as previsões do consumo de energia eléctrica são para aumentar ainda mais, é previsível que este panorama não sofra alterações significativas. Juntemos a isto a falta de localizações para mais potência eólica e hídrica e é provável que o carro eléctrico não mude quase nada, porque, mesmo que seja massificado e provavelmente subsidiado, irá induzir a procura de mais energia eléctrica. O ritmo do consumo de energia eléctrica e de procura de petróleo rodoviário (aumento de 94% de 1990 para 2008) está a aumentar mais rapidamente do que a nossa capacidade de instalar renováveis e implementar tecnologias automóveis mais eficientes. O resultado é sermos mais dependentes.

 

No fundo, o sector dos transportes, quando é abordado na questão da energia, é sempre duma maneira que visa  o alcance dos objectivos via incrementos tecnológicos e conservando o estatuto do carro. Sou assumidamente um céptico quanto à possibilidade da tecnologia resolver todos os nossos problemas. Especialmente quando há outras maneiras bem mais simples de inverter estas tendências: mudar comportamentos. Temos de dizer que o carro está obsoleto e que quanto mais cedo nos habituarmos a não depender dele mais cedo podemos habituar-nos a ter uma vida melhor e ao mesmo tempo a ajudar o país. Não estou a dizer que a mudança de hábitos é a solução, mas antes que é necessária às melhorias tecnológicas. Como afirmou Francisco Ferreira ao Diário Económico:

 

Quando o ênfase nas energias renováveis é maior do que na redução de consumo e eficiência energética, quando a nossa potência instalada prevista é muito maior do que efectivamente precisaríamos, quando sectores chave como os transportes se pensa resolver principalmente através do veículo eléctrico e não duma política integrada de transportes, a conjugação da protecção do ambiente com as necessidades energéticas torna-se mais dificíl.

 


A ler: o relatório TERM 2009 sobre os transportes na União Europeia. Veja-se principalmente a sugestão clara dos pacotes Avoid & Shift, pág. 29.

Relevo em Lisboa? Isso são tretas

MC, 29.04.10

Numa entrevista do músico David Byrne, onde ele diz que é de bicicleta que se conhece as cidades, a certa altura lê-se:

 

Mas Lisboa, topograficamente, é uma cidade difícil.

Não sinto isso, pelo menos no centro, onde parece ser uma cidade amigável para quem quer ir para o emprego a pé ou de bicicleta. Talvez a bicicleta não faça parte, ainda, da rotina das pessoas, mas tenho dúvidas que o problema seja o relevo acidentado. É antes uma questão civilizacional. De aposta na qualidade de vida de cada um.

Muitas cidades americanas não têm altos e baixos pronunciados, mas temos outros problemas mais graves. É uma sociedade de auto-estradas, totalmente pensada para os carros. Os carros são maravilhosos, mas parece-me que dominam as cidades há demasiado tempo.

 

Não percam o resto no Público.

"Ditadura do Automóvel" - a não perder amanhã ao vivo, em Lisboa e Porto

MC, 26.04.10

Devo ser das poucas pessoas que adora greves de transportes públicos, aqueles dias em que se demora horas para fazer poucos quilómetros, quando o ruído e a poluição são insuportáveis, quando as pessoas desesperam à beira de um ataque de nervos dentro do automóvel.

Adoro porque estes dias mostram, ao vivo e a cores, como seriam/serão as nossas cidades se não houvesse portagens, nem parquímetros e (ainda) mais estacionamento, se os combustíveis fossem (mais) baratos, se não houver investimentos nos transportes públicos, se os ciclistas e peões continuarem a ser desprezados pelas câmaras, se continuar a haver poucas faixas BUS e a todas as ruas continuarem abertas ao automóvel.

Todas as pessoas que defendem mais facilidades ao trânsito automóvel estão a defender cidades como aquela que amanhã os lisboetas e portuenses vão ver.

A não perder.

 

 


Saiu há poucos meses a primeira edição da Itinerante, uma revista portuguesa sobre turismo e passeios e pé. Aconselho vivamente porque já a li e porque, ao contrário do que o Instituto para a Conservação da Natureza julga, o melhor método para conhecer a natureza é a pé.

Centros comerciais e centros históricos

TMC, 23.04.10

Muito do dito fenómeno de desertificação dos centros históricos fica patente nalgumas declarações do autarca presente nesta notícia. O edil, António Manuel, não se limita a constatar o fenómeno mas avança, até, soluções que o combatam. E é precisamente no tipo de argumento por ele advogado que poderemos desvelar a mentalidade que lhe está subjacente e que foi, afinal, a responsável pelo fenómeno de desertificação dos centros históricos. O mais irónico nestas afirmações é portanto a ignorância das causas, e a defesa dessas próprias causas como soluções. Vamos tentar precisar o que se disse.

 

Quer em Lisboa e no Porto, os subúrbios foram desenvolvendo-se de modo mais ou menos fragmentado, em torno de agregados populacionais, originariamente satélites do núcleo histórico central da cidade. O transporte motorizado individual, ao generalizar-se amplamente e tendo como garantia as auto-estradas gratuitas (algo que, pelo menos no Norte, parece vir a ser alterado, e que em breve será por nós abordado) fomentou a progressiva fixação das populações na orla desses núcleos; o transporte motorizado, não possui, contudo, a total responsabilidade neste fenómeno migratório; por motivos políticos e sociais, o congelamento das rendas bloqueou o crescimento do mercado de arrendamento, tornando-se o viver numa casa numa sinonímia de comprar a casa. E nos subúrbios é bastante mais módico ter uma.

 

 

Ora, ao que os subúrbios falta é o que sobra (talvez um saudoso sobrava seja mais exacto) à cidade: espaço público de proximidade, comum, de encontro, caminhável e preenchido de pormenores e detalhes, de personagens e de ausência de padrões. O automóvel, como é sobejamente apontado neste blogue, veio introduzir assimetrias nessa espaço e até condicionar o posterior desenvolvimento urbanístico. Tais características do centro histórico não são, todavia, caprichos de um projectista; antes são características da arquitectura que, através do engenho humano, ocasionam encontros, convivências, trocas, convívios, qualidade de vida. E é por isso que qualquer subúrbio, por mais fragmentado que seja, também precisa dessas características. Os centros comerciais que todos conhecemos surgem precisamente como, entre outras coisas, a solução possível para esse défice de encontros e convívio; são centros onde não há precisamente nenhum centro, pois estão no subúrbio; é esse o seu segredo. Nos centros comerciais miúdos e graúdos sentam-se, convivem, cochicham, namoram, mastigam e andam a pé e fazem tudo isso num simulacro do centro histórico.

 

 

Antes de parecer ao leitor que estou a fazer a apologia do centro comercial, pedia-lhe ao invés que olhasse, precisamente, para as semelhanças entre um centro comercial (de subúrbio) e um centro histórico. E só depois que reparássemos nas diferenças: acesso exclusivo à viatura particular e de modo gratuito (ver alguém ir a pé para um centro comercial de subúrbio é muito raro), ambiente controlado (os meus olhos, por exemplo, secam-se num instante), videovigilância, repetição de padrões prefabricados (roupa, comida, lazer), o que se salda por enormes desvantagens energéticas e ambientais e, o que é pior, criação de novos e nocivos hábitos. É através desses hábitos que é comummente feita a comparação entre os emergentes centros comerciais em Portugal e os decadentes centros históricos. É agora o centro histórico que tem de adquirir as características do centro comercial! Leia-se e atente-se:

 

São necessárias outras políticas para atrair mais gente para a Baixa, como a instalação de videovigilância nas principais artérias para reforçar a segurança.

 

[…] também é preciso melhorar as condições de estacionamento para os moradores e para quem frequenta a Baixa para fazer compras.

 

Considerando que o parque de estacionamento subterrâneo da Praça da Figueira "tem preços muito elevados", António Manuel defende "condições especiais para clientes das lojas da Baixa, que formam um centro comercial melhor do que os outros. Só que enfrentam uma concorrência desigual. Se retirassem os parques de estacionamento ao Colombo e ao Amoreiras Shopping, também desapareciam os seus clientes.

 

 

Devemo-nos sim interrogar acerca da justiça dos centros comerciais terem tarifas de parque de estacionamento gratuitas ou a preços ínfimos e de, através dessa forma, instigarem comportamentos de mobilidade que adulteram a presença nos centros históricos. Para mim o símbolo do centro comercial é a escada rolante. Uma escadaria, numa zona histórica da cidade, pressupõe sempre um esforço, a descer ou a subir, para vencer um desnível entre planos. Mas é engraçado, vai-se descobrindo novas perspectivas e recantos: é a cidade que, para ser descoberta, exige a atenção da pessoa que caminha. No centro comercial está tudo indicado, revelado, assepticamente limpo, esclarecido: tudo é óbvio. Só há dois modos de locomoção: o ir e o chegar nas quatro rodas e o deambular, o ver as sucessivas montras em alegre passeata. A escada rolante abate precisamente esse desnível; passa-se de um para o outro piso, cada um com a sua tipologia (cinema, restaurantes, lojas) numa tranquilidade homogénea.

 

Bio-combustíveis podem levar a emissões de carbono quatro vezes maiores

MC, 22.04.10

Um relatório preparado para Comissão Europeia, afirma que os bio-combustíveis à base de soja levam a um nível de emissões de 339,9Kg de CO2 por GJ, quatro vez mais que os combustíveis convencionais. Estes valores são baixam para 150,3 Kg no caso de biodiesel produzido por colza na Europa, e 100.3 Kg para a beterraba europeia. Todos estes valores ficam acima dos 85Kg do diesel e gasolina convencionais.

Estes dados constam de um estudo que já estava nas mãos da Comissão Europeia há vários meses, mas que não tinha sido publicado. Foi apenas por pressão judicial da Reuters e ONGs que a Comissão foi obrigado a divulgá-lo.

Fugas de outros estudos para a Comissão, mencionadas pela Reuters, apresentam outros problemas dos biocombustíveis como aumento dos preços dos alimentos e destruição de ecossistemas.

De lembrar que a queima do bio-combustível em si, terá uma emissão próxima dos combustíveis convencionais. Mas a este valor deve subtrair-se o carbono que foi caputrado da atmosfera (100% se o combustível for 100% bio) mas deve somar-se os custos de produção (cultivo, recolha, processamento, distruição) que são maiores do que no caso dos convencionais.

 

A indústria e as autoridades andam agarradas ao paradigma automóvel tentando contornar todos os problemas energéticos e ambientais que ele tem. Como diz James Howard Kunstler, andam preocupadas em como vamos continuar a andar de carro daqui poucas décadas, quando a questão que se põe é como a sociedade vai funcionar sem automóveis.


A CM de Lisboa já estar a dar o seu passinho, tendo criado uma página sobre a bicicleta em Lisboa. Parabéns!

Curiosidades

TMC, 22.04.10

Elaborei os seguintes gráficos com dados disponíveis no sítio do INE, Instituto Nacional de Estatística.

 

Não existem dados mais recentes, pelo menos do meu conhecimento.

 

O primeiro mostra a partição dos gastos familiares em 2006. É possível verificar que a partição gasta em habitação e alimentação, bens essenciais, são respectivamente de 14% e 15%, respectivamente. Os gastos em transportes ascendem a 14% e a roxo, com 1%, estão os gastos em ensino.

 

Gastos familiares médios em 2006

 

 

 

Terá a situação mudado em 15 anos? De todo. Algumas oscilações mas os índices de partilha mantêm-se mais ou menos os mesmos. Não tenho valores para outros países europeus; na ausência de dados são possíveis muitas leituras.

 

Uma delas: o parque automóvel aumentou imenso nos últimos anos: de 3301000 automóveis ligeiros em 1995 passámos para 5474000 automóveis ligeiros em 2006. Este enorme aumento traduz também o crescimento económico, reflectindo-se nas opções das famílias terem mais do que uma viatura. Se o índice se manteve mais ou menos na ordem dos 14% do orçamento familiar, então só poderemos dizer que também o mercado automóvel, em média, acompanhou essa procura, reflectindo-se no crescente preço final de um automóvel. Esta sedimentação do automóvel como meio de transporte preferencial acompanhou e até influenciou a edificação para lá dos núcleos urbanos e consequente fragmentação habitacional, levando a que, na ausência de transportes públicos - os novos edificados não os tinham sequer em conta - as famílias quase fossem obrigadas a usar o automóvel.

 

 

Tendências dos gastos familiares desde 1995

 

 

Uma política de planeamento urbano que resumisse a ocupação das cidades ao edificado já existente, não a expandindo, tornaria a opção automóvel secundária face a outras, simplesmente porque a deslocação casa - trabalho - casa seria feita em distâncias mais curtas. Claro que nesta política o preço da compra de uma casa ou da sua renda tem muita influência: é sabido que nos subúrbios as casas e as rendas são muito mais baratas. Se houver então uma auto-estrada que conduza à cidade sem custos adicionais, a opção está praticamente tomada. E os custos gastos em transportes não se reflectem nos custos para a sociedade.

 

Esta é, como disse, uma leitura possível, uma análise que não pretende ser factual. Por isso proponho o seguinte exercício aos leitores: façam umas contas de algibeira e vejam quanto pagam em transportes, habitação e ensino (se for o caso) de alguém do vosso agregado familiar. Poderão ver se estão abaixo ou acima da média das famílias portuguesas.

 

O meu caso em 2007:

 

- Transportes: < 1% (um ano a andar de bicicleta mais transportes casuais, para fora de Lisboa e viagens avulsas;

- Habitação: 24% (casa barata arrendada no centro da cidade de Lisboa)

- Ensino: <1% (proprinas do mestrado e bibliografia)

 

É verdade que vivia com mais duas pessoas mas penso que o orçamento não sofreria muitas mudanças. Também é verdade que não tínhamos filhos, e assim o ensino e os transportes estão muito abaixo do que poderá ser a maioria dos casos em Portugal.

 

E o leitor?

Lisboa tem uma má rede de transportes públicos?

TMC, 20.04.10

Longe de mim não ser crítico dos sistemas de transportes públicos de Lisboa. Não refiro o Porto porque não conheço tão bem o metro e o sistema de comboios suburbano respectivo.

 

Acho contudo que saíram injustiçados deste estudo. Admito que só conheço os resultados pela rama, ou seja, através da notícia. Não tenho acesso às metodologias empregues nem aos critérios escolhidos. O que escrevo de seguida baseia-se no que existe para qualquer outra pessoa.

 

O primeiro ponto que me saltou à vista foi a conclusão do director da FIA, Wil Botman: transportes eficientes com boas interligações são essenciais para persuadir as pessoas a deixarem os carros em casa.

 

É um ponto de partida errado. Está a desculpabilizar os utentes de automóveis, parecendo dizer que eles apenas os conduzem porque não existem transportes eficientes e boas interligações. Ou seja, primeiro ande-se e abuse-se de automóvel e se os transportes públicos forem mesmo bons, confortáveis e baratos, então experimentem-se. No caso de Lisboa, por exemplo, isso não se aplica de modo tão gratuito. A escolha modal das pessoas é não só económica mas cultural. O facto de não haver restrições tarifárias numa cidade ao uso do carro acultura o seu uso.

 

Seria preciso dizer que uma rede de transportes públicos cresce e desenvolve-se de modo cada vez mais eficiente na medida em que captar passageiros dos automóveis. Ou seja, seria preciso dizer, para cada cidade, quais são as restrições colocadas ao uso de automóveis, nomeadamente, o nível das tarifas de estacionamento, a existência de portagens, a regularidade da fiscalização do estacionamento abusivo, etc. Tal é relevante porque o uso de transportes públicos está em competição directa com o uso do transporte individual e se uma cidade permitir o uso desmesurado do último (como em Lisboa), o transporte público não tem tanto espaço para crescer e assim a sua rede não tem tantas hipóteses de se tornar mais robusta.

 

Este aspecto é facilmente negligenciado mas é tão mais flagrante quando se anda de autocarro ou eléctrico, porque são os tipos de veículo que partilham as ruas e estradas com o automóvel particular. A pontualidade é prejudicada, os tempos de espera aumentam e a regularidade do serviço passa a não ser tão digna de confiança, precisamente porque o espaço à superfície, por ser limitado, obriga a um equilíbrio; esse equilíbrio é destabilizado pelo automóvel particular, não por cada carro ter algo de peculiar no conflito com um autocarro ou eléctrico mas porque a sua quantidade ocupa o espaço viário e introduz assimetrias.

 

Isto não quer dizer que não haja melhorias que os vários operadores de transportes públicos possam tomar que melhorem a sua articulação. Apenas se deve ter em conta que na análise da qualidade da rede de transportes públicos de uma cidade não se pode omitir as condições de circulação dos carros, porque elas condicionam o uso e desenvolvimento dos primeiros.

Radares

TMC, 20.04.10

 

Quando surgiram, os radares foram apelidados de, e cito de memória, um “atentado aos direitos dos condutores”, uma “caça à multa” e outros protestos quejandos, vindos de um grupo de pessoas que, não sendo automobilista profissional, pretendia fazer finca-pé dessa regalia de usar algumas ruas de Lisboa e Porto como pistas para os bólides. Uns protestaram porque achavam tudo muito natural, outros, mais temerários, até se atreveram a falar em ganhos ou perdas de tempo e até de produtividade. Enfim. Compreende-se este alarido. Para o curioso, não deixa de ser extremamente irónico haver um grupo de pessoas dispostas a perder tempo a defender os direitos dos automóveis. Mas não é assim tão simples.

 

Os resultados até são indesmentivelmente positivos. O efeito psicológico do número 50, envolto numa auréola vermelha lembra esse limite que, no velocímetro, está logo no princípio da escala. 50km/h. É esse, afinal, o limite previsto pelo código da estrada e que tem razão de ser: a partir dessa velocidade, um impacto entre peões e automóveis é quase uma garantia de morte certa para um deles e de pena suspensa ou ilibação para o outro. Há, assim, uma prevenção de segurança por precaução das velocidades praticadas; e os próprios números de sinistralidade, segundo a Polícia Municipal, têm diminuído.

 

Não deixa de parecer absurdo, porém, ao automobilista comum, que o seu bólide, marcando velocidades até, pelo menos, os 120km/h (o limite nas auto-estradas) tenha que se restringir a essa mísera meta de 50km/h nas cidades. Uma miséria. Não se compreende. Se o código da estrada apresenta limites de 50km/h para as localidades e de 120km/h para as auto-estradas – o percurso comum do automobilista comum que reside num subúrbio – porque teriam as empresas construtoras de automóveis construído motores que permitem ultrapassar esses limites sem dificuldades? Porque somos constantemente bombardeados com a potencial rapidez e robustez dos automóveis, escarrapachada de forma quase pornográfica em anúncios de rádio, televisão e revistas?

 

 

Estremunhado, na cama, é frequente ouvir da rádio um anúncio da Autoridade para a Segurança Rodoviária com gritos e música melancólica, logo seguido de outro apelando o leitor a comprar um carro e das respectivas características.

 

Mas os absurdos não acabam aqui e, para mim, nem são sequer os mais graves. Não sei qual dos fenómenos foi responsável pelo outro; desconfio até que sejam mutuamente originantes. Basta olhar para as estradas em que foram colocados os radares. São largas, desérticas, de pelo menos duas faixas em cada sentido, sem edificado e algumas até têm um ou outro peão, que se aventura num ambiente que não é o seu. São autênticas auto-estradas urbanas que rasgam a cidade. Perante este tipo de estrutura, como não acelerar para além de 50km/h?

 

 

Foram os urbanistas que também permitiram, através da forma dada à cidade, que os condutores tenham essa prática espontânea de acelerarem acima do limite legal. As estradas com radares são hoje elementos estranhos ao seu tecido e que foram construídas com o propósito de satisfazer os paradigmas de velocidade e poupança de tempo. Paradigmas falsos.

 

Medidas avulsas como os radares são bem-vindas mas devemos recordar-nos que são remendos possíveis no erro crasso de origem. Como alguém que tendo começado a construir a casa em areias movediças acha que tem de mudar a cor das paredes.

Relativismos culturais

MC, 18.04.10

 

1. Devido à interdição de voos na Europa, houve vários chefes de Estado que não puderam voar. Enquanto Cavaco Silva fez o percurso exclusivamente de carro, tendo o resto da comitiva seguido de autocarro, a chanceler alemã fez grande parte do seu percurso (mais de 800km) de autocarro.

 

 

 

2. As multas de trânsito servem aparentemente apenas para recolher receitas. Controlo e disuasão de comportamentos perigosos devem ser secundários. É irritante ler uma notícia sobre procedimentos burocráticos de multas, e ler constantemente comentários laterais do jornalista como  "redução substancial do número de autos levantados pela GNR e, consequentemente, das receitas com a cobrança das multas" e "a receita da cobrança de multas também reduziu substancialmente."


3. A TSF tem uma pequena reportagem intitulada Quando os árbitros iam de metro que nos fala daquilo que hoje seria "impensável", já que hoje os árbitros são sempre transportados "por motoristas", nos anos 60 os árbitros iam de transportes públicos para os jogos! Até para visitar monumentos o "transporte era o mesmo: o metro".

 

Eu que não tenho carro, devo ter uma vida miserável e ainda não reparei nisso.


A ver no blog do Nuno Gomes Lopes, uma comparação das redes ferroviárias portuguesa e inglesa.

 

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