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Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

Menos Um Carro

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Impacte ambiental do carro eléctrico

MC, 20.01.10

A Agência Ambiental Europeia publicou uma análise a vários estudos sobre automóveis eléctricos (resumo aqui). Dados importantes:

 

Entre 1990 e 2006 o sector dos transportes na UE aumentou as suas emissões de Gases de Efeito de Estufa em 35,8%, enquanto todos os outros sectores desceram -13,4% em média. 61% do aumento deveu-se à rodovia.

 

Para o mix energético europeu, o carro eléctrico representa uma poupança de 50% a 65% nas emissões de CO2 por km, havendo mais previsões para o lado dos 50%. É sempre importante lembrar que com preços mais baixos por km haverá um aumento da distância percorrida, e logo a poupança será menor.

 

O documento é muito interessante para quem tiver paciência, eu voltarei a ele nos próximos posts.

 


A ler no Velo Mondial: a introdução de Zonas 30 na Inglaterra levou a uma redução de 41,9% no número de vítimas de acidentes rodoviários.

Resposta

TMC, 19.01.10

Iniciamos aqui uma nova rubrica. Uma vez que a realidade não são as notícias, tentaremos actualizar o número de mortos nas estradas portuguesas para tentar colar mais ao osso essa trágica realidade que nos acompanha e da qual penso não estarmos bem cientes.

 

Uma vez que este governo teve a coragem - ou a honestidade - de contar o número de mortos na estrada tal como é feito no resto da Europa, é previsível que a queda no número de mortes registada nos últimos anos torne a aumentar. Até agora, apenas eram contabilizados as vítimas no local; a partir de 2010 passarão a ser registadas as mortes nos hospitais até 30 dias. E isso obrigará a campanhas e a estratégias mais restritas.

 

A resposta à pergunta feita há uns dias fala por si.

 

Em três anos e 2 meses morreram nas estradas portuguesas 2543 pessoas.

Cerca de 2 pessoas por dia.

Cerca de 16 pessoas por semana.

De 1 a 7 de Janeiro morreram já 18 pessoas.

 

Embora as principais causas de morte em Portugal sejam as doenças cardiovasculares e os vários tumores, os acidentes rodoviários assumem o protagonismo nas causas de mortes não naturais. Estimativas apontam para custos anuais equivalente a uma fracção não negligenciável do PIB. E as feridas abertas por mortes tão estúpidas e súbitas demoram muito a sarar.

 

Claro que as causas são múltiplas. Desde irresponsabilidade individual no que toca a embriaguez, falta de experiência ou fadiga até a problemas estruturais ou de desenho que propiciam uma maior ocorrência de acidentes. Acrescente-se em Portugal ainda alguns factores que considero contribuírem para esta situação:

  1. falta de tradição na justiça em condenar pelo menos um dos envolvidos em acidentes deste género por homícidio involuntário. A nossa cultura de paninhos quentes e irresponsabilização nunca faz doutrina com um caso; não sei se considerarão que a consciência pesada de um dos intervenientes já é castigo suficiente. Não é.
  2. ausência de uma campanha de prevenção rodoviária mais agressiva (com imagens chocantes porque a realidade é precisamente essa) que tenha presença constante nos horários nobres de todas os canais.
  3. falta da presença de uma educação defensiva nas escolas de condução. Por acaso lembro-me que quando tirei a carta a única vez que abordámos a sinistralidade rodoviária o instrutor referiu-se a ela da seguinte maneira: "não estão a tirar uma licença de condução; estão a tirar uma licença de porte de arma".
  4. Alta percentagem de deslocações feitas em automóvel, quer particulares quer de mercadoria, o que aumenta, é claro, as probablidades de acidentes rodoviários.

Parece-me que uma causa recorrente do mesmo fenómeno que são as mortes na estrada não pode merecer outro nome do que um problema de saúde pública. Arrisco aqui uma comparação Embora fumar não seja um acto tão inócuo (aparentemente) como conduzir, e fumar possa dar azo quer a doenças cardiovasculares, respiratórias ou ao cancro do pulmão, hoje em dia consideramos legítimo que quem queira fumar deva pagar a cada ano mais dinheiro pelo seu consumo; confinamo-los a locais próprios para o seu vício  porque de outra maneira prejudicariam a saúde dos demais e não temos qualquer problema em sublinhar nos próprios maços de tabaco quais as consequências prováveis de um fumador descontrolado. Nalguns países são os próprios maços de tabaco que têm imagens do que poderá vir a ser um futuro provável do fumador.

 

Acho que a comparação é válida porque há muitos pontos em comum. Quanto à vantagem pessoal, um fumador argumentaria que precisa do seu vício para trabalhar, para se concentrar, para simplesmente estar com alguém enquanto conversam. Parece-me precisamente a conversa daqueles que não se vêem a si próprios sem o seu automóvel. Convencidos da própria vantagem individual, atropelavam (no caso do tabaco, até bem há pouco tempo) os malefícios induzidos nos outros, até serem restritos a locais próprios. O mesmo espero que acontença com o automóvel: a sua entrada irrestrita nas cidades tem consequências danosas para o espaço público e para a saúde dos cidadãos, devendo de futuro os seus utilizadores pagarem cada vez mais por essa vantagem injustificada.

 

Finalmente, não vejo porque a tão laudatória e ridícula publicidade automóvel, presente em qualquer jornal, revista ou placard, não apresenta uma das consequências possíveis do uso generalizado do automóvel ao invés do seu apelo à potência, à velocidade ou à ecologia do veículo. No caso do tabaco as mensagens são explícitas: FUMAR PROVOCA O CANCRO PULMONAR MORTAL. Bom, pode não provocar, é claro. Mas isto é tão exacto como dizer que CONDUZIR PROVOCA O ACIDENTE RODOVIÁRIO MORTAL.

 

Sou fumador.

Menos 4 milhões de carros

António C., 15.01.10

Qualquer produto que exista no mercado está sempre sujeito às seguintes fases do ciclo de vida do produto. Desde a fase de desenvolvimento à fase de declínio o percurso passa sempre por estas 4 fases representadas na figura.

 

 

Obviamente que o tempo correspondente a cada uma destas fases varia de produto para produto sendo que o maior exemplo para a fase de maturidade mais curta seguindo uma fase de grande crescimento é o Tamagotchi . Mas de resto essa foi uma excepção que quase ninguém se recorda. Um produto que vendeu imenso e numa questão de meses saíu do mercado, podendo apenas ser agora uma raridade escondida numa qualquer loja de artigos chineses para os mais saudosistas.

 

Numa aula de empreendorismo e inovação em 2008, falava-se deste ciclo dos produtos e um professor, referiu que uma excepção a este ciclo seria o da Indústria automóvel, porque uma vez atingida a fase de maturidade, esta se iria prolongar indefinidamente e não era prevísível a entrada na fase de declínio.

 

Na altura comentei que se o andar a pé ou transporte público de qualidade em massa viesse a ser visto como fonte de bem estar pelas pessoas então o automóvel também teria o seu declínio como qualquer outro produto.

 

Ora que nos chegam agora notícias, que na maior sociedade automobilizada do mundo, apenas num ano o parque automóvel diminuiu em 4 milhões de unidades.

 

 

Este valor representa apenas 1,6% de diminuição do parque automóvel, mas mesmo assim mostra que foram enviados para abate 14 milhões de automóveis e "apenas" foram comprados 10 milhões.

 

Podemos estar assim a assistir ao declínio do produto que o tal professor afirmava ter uma fase de maturidade contínua e prolongada no tempo. É óbvio que se podem atribuir estes valores à crise internacional que se viveu em 2009, mas será também interessante perceber se a Indústria terá capacidade para criar um novo ciclo, nomeadamente com a implementação dos carros eléctricos. Carros estes, que para já, do ponto de vista funcional não terão tantas "supostas" vantagens como os veículos a combustão.

 

Ou seja, estarão os consumidores prontos para gastar dinheiro num produto que tem uma cápsula igual, mas que não lhes garante, nem o status, nem a utilidade dos carros de outrora?

 

Esperemos que estes indicadores sejam o indício de uma tendência e que mais notícias como esta de aposta em transportes colectivos nos cheguem do outro lado do atlântico.

 

Por fim, agradeço ao nosso leitor e amigo CM que nos enviou estes links e me inspirou para este artigo.

Portugal, país pobre que move mundos e fundos pelo automóvel

MC, 15.01.10

Apesar de Portugal ser apenas o 18º ou 19º país mais rico da UE, não me para de espantar os imensos recursos que parece ter quando está em causa o automóvel. Ele é a zona da Europa com mais auto-estradas, terceiro lugar em número de carros por pessoa, maior crescimento da rede de auto-estradas, etc.

Há pouco tempo referi a compensação que em Portugal é paga a quem se desloca em trabalho na sua própria viatura, um valor tabelado em Diário da República, que é de 0,40€ por km.

Numas buscas no google, tirei o valor que mais vezes encontrei para vários países:

 

Inglaterra: 0,40 libras por milha, 0,28€ por km

França: 0,50€ por km

Espanha: 0,32€ por km

Holanda: 0,19€ por km

(Na Alemanha e Itália as ajudas de custos dependem aparentemente do automóvel).

 

Apesar dos custos de manutenção serem à partida mais baixos por cá, dos preços dos combustíveis estarem abaixo da média, Portugal consegue canalizar mais dinheiro para quem anda de carro do que muitos países europeus.

 


Estão aí mais duas cicloficinas (reparação gratuita de bicicletas!) em Lisboa e agora também no Porto:

Lisboa: Domingo 17 às 15h no Jardim Fernando Pessoa (entre Av. Madrid, Av. Roma e Av. João XXI)

Porto: 5ª-feira dia 21, na CASA VIVA Praça do Marquês nº 167

Porquê cidades com menos carros?

MC, 13.01.10

Eu sei que me repito a falar de Veneza mas como não posso enviar todos para lá, fica aqui um curto vídeo do dia-a-dia da vida em Veneza, sem qualquer edição.

Trata-se de Veneza - uma cidade viva que funciona sem um único carro - mas poderia ser também Copenhaga, Amesterdão, Bremen, Estocolmo, etc. cidades onde automóvel é secundarizado. Quando vivemos dentro do paradigma automóvel (aka cidades portuguesas) não nos apercebemos que o problema da mobilidade automóvel não são só as questões ambientais, são também de qualidade de vida, saúde, ruído, uso do espaço público (as crianças brincam na rua!), direito à cidadania (os velhotes saem de casa!), etc. Esquecemo-nos das enormes e gravosas consequências que a escolha dos outros em abusar do automóvel tem na nossa vida.

 

 


A não perder esta posta do Passeio Livre com multas passadas por crianças espanholas e italianas a carros que insistem em ocupar o espaço do peão, algo que a EMEL fez por cá durante um dia.

 

Ainda o investimento ferroviário em Portugal

TMC, 13.01.10

Na linha do texto de ontem, saíram hoje duas notícias no Público bastante pertinentes.

 

Podem consultá-las aqui e aqui. Os sublinhados são meus:

 

Até 2012, a Refer vai afectar até 35 por cento do seu orçamento a empreitadas relacionadas com o projecto do TGV, destacando-se a remodelação das estações do Oriente e de Campanhã, as ligações à alta tensão da Rede Eléctrica Nacional e a componente de linha convencional na ponte Chelas-Barreiro e eixo Porto-Vigo, tudo isto num total de 1200 milhões de euros.

 

Quando perguntarem ao governo acerca da falta de investimento na ferrovia, é previsível que o remate seja de que nunca se investiu tanto na ferrovia como nos últimos anos...porque o aumento do investimento corresponderá quase exclusivamente à construcção do TGV Foi precisamente para este aspecto necessariamente complementar que o PCP chamou as atenções.

 

A Linha do Norte terá a maior parcela, mas os 77 milhões que lhe estão afectos não significam um verdadeiro rearranque do projecto que foi mandado parar na primeira legislatura de José Sócrates. Só a partir de 2011 é que os trabalhos serão significativos [...]

 

Prioridades.

 

Um outro projecto herdado do tempo de Durão Barroso e mandado congelar por Sócrates é o da continuação da modernização da Linha do Douro, entre Caíde e Marco de Canaveses, que vai arrancar este ano com 14 milhões (88 milhões até 2012). Mas o Douro tem um bónus: a electrificação vai prosseguir até à Régua, com os trabalhos a começar em 2012 e a prolongar-se por mais seis anos.

 

A Linha do Douro é capaz de ser das linhas com maior potencial pela sua putativa ligação a Espanha (que a ex-secretária de Estado mandou, e bem, restaurar) e pela envolvente paisagística mas quem a conhece sabe bem o estado de abandono a que está a votada e a falta de conservação e qualidade das carruagens. Um passeio nela dá bem conta do cemitério de apeadeiros que testemunham as antigas linhas de via estreita.

 

A modernização da Linha do Oeste continua a ser um projecto adiado, mantendo-se este corredor ferroviário - que atravessa uma das regiões com maior densidade populacional do país - a funcionar com um sistema de exploração idêntico ao dos fins do século XIX

  

Ausente está também qualquer ligação a Viseu, que continua a ser uma das maiores cidades da Europa continental que não estão ligadas ao caminho-de-ferro.

 

Está mesmo a pedir uma auto-estrada. Por questões de justiça.

 

Mais demagogia

TMC, 12.01.10

A diferença no afã de investimento público deste govern para os anteriores é a verborreia justificativa. Compreende-se, uma vez que mais auto-estradas e acessos tornam-se cada vez mais suspeitos num país habituado a projectos tão visionários.  De resto, todos os governos têm partilhado a mesma paixão pelo asfalto e a ilusão sinonímica entre "desenvolvimento" e "acessos". Falta-nos imaginação.

 

Começa-se a ler ingenuamente uma notícia com esperanças de uma visão nova para o interior e a sua desertificação e saem-nos pérolas destas:

 

[...]] toda a vida ter visto a região do Pinhal ser esquecida, fazer esta adjudicação significa que a minha vida política não foi em vão.

 

Parece portanto que o principal problema do Pinhal Interior é não ter acessos e ter sido, por isso, esquecido. A receita para o interior está dada: alarguem os IPs para auto-estradas e levem-nos  até às cidades do interior e para várias aldeias que o desenvolvimento chegará num ápice. Claro que isto também é uma coincidência e põe-me logo a pensar no que seria Portugal daqui a uns anos se um certo ministro das obras públicas tivesse ido para uma empresa como a CP ou a REFER em vez de ter aterrado numa empresa especializada em estradas e pontes. As nossas ligações ferroviárias definham, e claro que nem são consideradas como soluções.

 

É a fragilidade óbvia desta "solução" para o interior e a facilidade com que ela vinga que me assusta. Fico com a impressão que a sociedade portuguesa não é capaz de questionar estas escolhas de desenvolvimento para o seu território apesar delas cheirarem cada vez pior e serem cada vez mais mal desculpadas.

 


É um círculo vicioso: convidam, através do mercado imobiliário e acesso gratuitos, as pessoas a saírem de uma Lisboa cada vez mais desagradável; a circulação automóvel desenvolve-se e vem na sua maioria de concelhos límitrofes e aos poucos deixa de haver alguém para defender, enquanto afectado, a qualidade de vida de um certo bairro: boas iniciativas como esta vão voltar a esbarrar no que substituiu os habitantes de Lisboa.

 


A votação para o Orçamento Participativo da cidade de Lisboa acaba dia 15 e notou-se muita revolta contra o protagonismo do automóvel. Pessoalmente, fiz algumas propostas em torno da defesa do peão (o ano passado ganharam as bicicletas) e não queria por isso deixar de apelar ao voto numa delas e noutras que considero muito pertinentes:

 

1) Pedonalização da Rua Garret

2) Alargamento dos passeios da Rua do Arsenal

3) Descongestionamento da circulação pedonal no Chiado e Camões

 

Só há um voto. A escolha é vossa mas votem!

 

 

Tram-trains

MC, 09.01.10

O tram-train é um comboio que é eléctrico (trem que é bonde em brasileiro) e um eléctrico que é comboio. É um veículo que está preparado para funcionar tanto a velocidades altas e poucas paragens como a velocidades baixas e muitas paragens. Muito mais importante ainda é  circularem nos dois sistemas diferentes, dentro e fora da cidade, que usam sistemas de alimentação eléctricos diferentes (voltagem, etc.). Pensem nos cabos que há nas linhas da CP e nos cabos dos eléctricos/trolleys citadinos e só daí perceberam a diferença.

O tram-train nasceu nos anos 80 em Karlsruhe, quando a cidade se apercebeu dum problema que estava a afastar muita gente dos transportes públicos: quem morava fora da cidade podia chegar facilmente à cidade de comboio, mas o comboio não os deixava onde queriam. Para a maioria era necessário mudar para o eléctrico (o que implica desconforto, mais uma espera, mais um horário a saber, mais incerteza no tempo de viagem, etc.) para chegarem ao destino final. A solução passaria por ter um comboio que vinha de longe e entraria pela cidade dentro (aqui fica a minha dedicatória a quem acha irrelevante o facto de as principais estações de Lisboa, Porto e Coimbra estarem longe do centro, porque "têm boas ligações"). Com um pouco de imaginação de engenheiro, o sistema híbrido foi criado e inaugurado em 1991. A solução foi um sucesso, tendo sido alargado a outras linhas de Karlsruhe e a várias cidades por todo o mundo.

 

Esta semana há notícias da chegada de um tram-train ao Porto, na linha da Póvoa. Não é exactamente um tram-train no verdadeiro sentido da palavra, mas um eléctrico que está preparado a atingir grandes velocidades (100km/h) quando circula nas linhas sub-urbanas. Tem ainda a capacidade de devolver à rede eléctrica a energia cinética (energia do movimento) quando trava, poupando assim até 30% do consumo.

 


A ler o artigo Do Cars Cause 100.000 US Deaths a Year no blog do Carbusters, onde se mostra que os homicidios ligados à sinistralidade automóvel são apenas uma parte do grave problema de saúde pública que é a ditadura automóvel.