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Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

Menos Um Carro

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Bicicletada/Massa Crítica HOJE em Lisboa, Porto, Coimbra e Aveiro

MC, 30.10.09

 

 

Vem encher as ruas de Lisboa, Porto, Aveiro e Coimbra de bicicletas.


Aveiro - Encontro às 18h30 e saída às 19h00, no Forum Aveiro, ao lado da Capitania;
Coimbra - Encontro: Largo da Portagem, junto à estátua do Mata Frades;
Lisboa - Encontro: das 18:30 Marquês Pombal, no início do Parque Eduardo VII
Porto - Concentração na Praça dos Leões.

O tráfego é contra-intuitivo* III (Elasticidade de Procura)

MC, 29.10.09

Elasticidade de Procura é uma expressão em economês que se refere à variabilidade na quantidade consumida de algum produto/serviço dependendo de algum factor, normalmente o preço. Aqui refiro-me à variação do número de viagens que uma pessoa faz dependendo do preço ou de outro tipo de custos (ex. restrição ao trânsito).

Quando digo que esta variação é contra-intuiva penso em afirmações como "as pessoas têm que se deslocar", "têm que deixar o carro em algum lado", "não vão deixar de andar de carro", etc. que por não  fazerem muito sentido levam a argumentos inválidos quando se debate a mobilidade. Há 3 equívocos que se sobrepõem: assumir que o número de deslocações por pessoa é fixa, que os pontos de partida e chegada são fixos e que o meio de transporte é fixo.

 

Tomemos como exemplo simples a deslocação casa-escola, que é uma das principais causas de congestionamento nas cidade e imaginemos que é criada uma forte barreira ao automóvel, como aumento da gasolina ou restrição do estacionamento.

Num primeiro momento haveria crianças que deixariam de ser levadas de carro e passariam a ir a pé ou de autocarro. Istoé haveria mudança modal.

Com o decorrer do tempo haveria país a conjugar os esforços, transportando várias crianças no mesmo carro. Ou seja redução do número de deslocações.

 

No fim do ano lectivo muitos pais interrogar-se-iam se valeria a pena manter os filhos numa escola longe de casa. Haveria alteração do percurso.


Outro exemplo vem da subida do preço dos combustíveis que se deu o ano passado, que levou a uma diminuição de deslocações em automóvel e a um aumento histórico da utilização dos transportes públicos. Por curiosidade, em economia de transportes os estudos apontam para uma elasticidade em relação ao preço do combustível de aproximadamente -0,25  e de -0,90 no curto e longo prazo. Traduzindo, se o preço dos combustíveis aumentar 10% devemos esperar uma redução na sua compra (logo no seu e no uso do automóvel) de 2,5% no imediato, e de 9% depois de as pessoas se ajustarem totalmente às novas condições.

 

*Devo dizer que para um economista este conceito não é contra-intuitivo, mas infelizmente  é um erro frequente na área dos transportes. Por exemplo, em alguns estudos de tráfego é assumido que o número de viagens é fixo. Ou seja trata-se a deslocação de pessoas como  uma quantidade fixa de água, sendo que o objectivo é distribuir bem os canos para que ela escorra bem de um lado para o outro. Na realidade a quantidade de água não é fixa.


A propósito, a CM de Lisboa está de parabéns por ter criado um sistema de transporte escolar. Esta medida faz mais pela mobilidade da cidade,do que muitas coisas que se discutem por aí.

O lóbi dos popós também teve um projecto de transporte escolar, que apresentou durante a campanha em nome da candidatura do Santana (ou terá sido ao contrário?) e que era baseada em... popós.

O tráfego é contra-intuitivo II (Evaporação de tráfego)

MC, 26.10.09

Nas conversas de café, e infelizmente em discussões políticas e pseudo-técnicas, assume-se que o fecho de uma rua ao trânsito automóvel (ou o seu condicionamento) leva ao aumento do trânsito nas imediações. A intuição diz que quem passava nessa rua terá que desviar caminho entupindo os percursos alternativos próximos. Este raciocínio esquece que a maioria dos percursos não começa imediatamente antes nem acaba imediatamente depois da rua encerrada, logo as alternativas podem estar bem longe do local em causa. Mas esquece também que as dificuldades causadas ao automóvel podem tornar o transporte público, a bicicleta e o andar mais atractivos. Esquece ainda que há percursos que só eram feitos porque havia ali uma facilidade de passagem, que deixarão assim de ser realizados.

Há muitos estudos em transportes que mostram que o encerramento de uma rua não leva obrigatoriamente a congestionamentos nas imediações. Um estudo da University College of London faz um levantamento de 62 casos de restrições ao trânsito e conclui que houve uma redução média de 21,9% do tráfego na zona em torno da intervenção. Em apenas 11 dos casos houve um aumento de tráfego. Neste documento da Comissão Europeia é dito que há um período inicial de confusão que rapidamente é seguido pela evaporação de tráfego. São analisados oito casos de sucesso, onde as previsões catastrofistas não se concretizaram.

 

A evaporação de tráfego é melhor entendida se pensarmos no seu oposto, a indução de tráfego. Quando há um aumento da capacidade da rede viária, nos primeiros meses há uma redução do congestionamento mas isto é sol de pouca dura. Há tráfego que é desviado de outras vias congestionadas, há mudança modal dos transportes públicos para o agora mais apetecível automóvel, há deslocações que dantes não eram feitas (como idas ao hipermercado depois de existir uma via-rápida até lá).

Os lisboetas têm dois excelentes exemplos da evaporação de tráfego.

1. Como nota e bem o vereador Sá Fernandes, quando a Av.Duque de Ávila foi fechada não houve um aumento do congestionamento no Saldanha. O caso é ainda mais cómico quando quem critica o seu encerramento definitivo prevendo os congestionamentos daí decorrentes, se esquece que avenida já está encerrada há muito (se bem que com carácter temporário)!

2. Túnel do Marquês versão marcha-atrás. Dir-se-ia que o seu encerramento entupiria a "Avenida" Joaquim António de Aguiar e toda a zona do Rato, Marquês e Campolide. Mas quem se lembra da zona antes das obras do túnel, sabe que a situação era sensivelmente a mesma que hoje.

 


Posta recomendada sobre uma corrida modal bem radical em São Paulo: bicicleta contra helicópetro no Apocalipse Motorizado.

A cidade como corpo (II)

TMC, 24.10.09

A metáfora que encara a cidade como corpo tem várias qualidades interpretativas. Para além do mais, não devemos só apreciar o seu valor metafórico; uma cidade deve ser, tanto quanto possível, um corpo, nomeadamente, um corpo orgânico.

 

E porquê? Um corpo orgânico tem unidade; as suas partes não são completamente autónomas, antes necessitam de colaborar para que o conjunto possa funcionar; um corpo não é apenas o conjunto dos seus orgãos, das suas partes, mas sim uma certa maneira destes funcionarem. Uma qualquer maleita  é rapidamente restaurada localmente enquanto que um dano mais grave numa certa parte pode, de facto, afectar todo o corpo, torná-lo doente.

 

(clique na opção Ver imagem do FireFox para ver maior - talvez o maior nó rodoviário do país; o planeamento não existe: o que há é uma camada de estruturas adicionadas a outras em diferentes momentos: agrícola urbana, rodoviária, eléctrica: os interstícios sem uso e função assinalam este modo de construír)

 

Ora, as nossas cidades, no seu desenvolvimento, assemelham-se a tudo menos a um corpo. Ameaçam tornar-se numa amálgama disforme de partes sem qualquer conexão, um conjunto híbrido sem identidade; são apenas um amontoado de pessoas, de prédios, de vias de ligação. Ao chamarmos-lhes cidades pressupõe-se de imediato a sua unidade (porque agregamos tudo isso num substantivo), mas, como atestam os conflitos entre peões e automóveis e a dispersão urbana, as cidades s parecem ser mais modos descontrolados de crescimento de certas partes de um conjunto de coincidências espaciais.

 

As nossas cidades não funcionam como corpo porque não cresceram num sentido natural: os seus constituinte têm sido construídos de modo avulso. As cidades estão doentes. E tal como não existe um único médico que trate de todas as maleitas de um corpo, dada a sua complexidade, não devemos relegar para as autarquias a elaboração de um plano geral que simultaneamente diagnostique e restaure a saúde da cidade. 

 

(clique na opção Ver imagem do FireFox para ver maior; a famigerada Praça de Espanha, um corpo estranho entre bairros residenciais; talvez esta aberração queira compensar a existência nas proximidades do excelente jardim da Gulbenkian?)

 

Até porque os urbanistas, arquitectos e responsáveis pelo planeamento, qual corpo médico urbano, têm por hábito a cura de algumas partes como se estivessem desligadas das outras. Isso é totalmente inadmissível. No caso humano, seriam acusados imediatamente de negligência e falta de profissionalismo - por óbvio desconhecimento da anatomia do corpo - mas na cidade, a omissão e o esquecimento de outros constituintes é o que ocorre com mais frequência. Porquê?

 

A minha opinião é que, tal como um indivíduo não é só a sua mente, também a cidade não pode ser a sua autarquia, o seu corpo dirigente. Há problemas que têm de ser resolvidos e sarados pelo próprio corpo e sem a necessidade de intervenção da mente: uma ferida cicratiza--se sozinha, sem a nossa intenção. Ao mesmo tempo, a autarquia deverá saber quais as partes da cidade a tratar porque, tal como num corpo, a sua pele, o seu sistema nervoso, lhe comunica as respectivas necessidades.

 

(clique na opção Ver imagem do FireFox para ver maior; Lumiar, Lisboa, séc. .XXI: haverá alguma fotografia que denuncie maior amálgama urbana do que esta? É praticamente possível a um leigo fazer a arqueologia dos seus constituintes)

 

Seguindo esta metáfora, se os cidadãos são realmente a pele da cidade, o que há, hoje em dia, é um entorpecimento, uma autêntica anestesia geral; ao mesmo tempo, se as cirurgias urbanas se limitarem a obras desligadas do contexto, o que aparecem são baldios, guetos, não-lugares, espaços com apenas uma  de várias modalidades possíveis - um corpo não tem constituintes supérfluos, as nossas cidades primam pelo desperdício. À irresponsabilidade dos urbanistas segue-se a despreocupação e o alheamento dos cidadãos. O seu espaço é unicamente o privado e qualquer problema público é relegado em exclusivo para a junta de freguesia ou para a edilidade.

 

 (clique na opção Ver imagem do FireFox para ver maior; Av. Conde Valbom: um bom e raro exemplo em que a parte (tal como um orgão serve o corpo) - existe mas servindo toda a cidade: os automóveis podem circular mas, tal como o piso indica, não há separação entre o espaço dos peões e o espaço dos veículos a motor; há arborização, esplanadas, bancos para relaxar, comércio: estaremos mesmo em Lisboa?)

Acalmia de tráfego IX

MC, 23.10.09

Um truque muito simples para diminuir as velocidades praticadas dentro da cidade: esquinas dos passeios (quase) rectas. Isso obriga os automóveis a descreverem uma curva muito apertada, logo a diminuirem a velocidade com antecedência.

 

Para entender o quão importante isto é, basta pensar no Largo do Rato em Lisboa - um local que ao menos tem o mérito de ser um catálogo de exemplos do que não fazer numa cidade. Reparem o quão suaves são as diferentes trajectórias que por sua vez vão induzir grandes velocidades.

 


A não perder, uma excelente réplica do Duarte Mata (responsável da CML pelo plano de ciclovias) a mais uma reaccionária manifestação de desprezo pela bicicleta da parte do PCP.

O automóvel é o meio de transporte urbano mais estúpido que existe III

MC, 23.10.09

Nesta posta imperdível do Cenas a Pedal, encontrei um video perfeito para mostrar a ineficiência do automóvel como meio de transporte urbano. São três faixas exactamente do mesmo tamanho, uma para bicicletas, outra para autocarros e a última para automóveis. Reparem que há um trânsito intenso na primeira e na terceira - ou seja só não passam mais pessoas na faixa porque é impossível - e que se trata de uma rua a subir (logo a bicicleta estaria à partida em desvantagem).

Agora contem quantas pessoas vêem a passar em cada faixa.

 

De bicicleta contei 125 no primeiro minuto.

Passam 29 automóveis, o que multiplicado pelo número média de pessoas num automóvel 1,3, resulta em 38 pessoas.

Não há tráfego intenso de autocarros, mas passam logo dois em 12 segundos. Se o fluxo de autocarros se mantivesse teria havido 10 autocarros, que ultrapassariam em muito  as pessoas de carro em número de passageiros. Provavelmente até as bicicletas.

 

Nas cidades, onde o espaço não é infinito (nem mesmo nas auto-estradas dos subúrbios como sabe muito bem quem as entope diariamente) o automóvel é o pior método para transportar pessoas de um lado para o outro.

 


A (re)ver, um vídeo que já coloquei nos primórdios do blogue, exactamente com a mesma ideia mas só autocarro vs automóvel.

 

Aceitar as migalhas da ditadura do automóvel?

MC, 22.10.09

Correndo o risco de ser polémico entre pessoas amigas que normalmente concordam comigo, não posso de deixar de notar que a submissão à lógica da sociedade automóvel está mais difundida do que se possa julgar. Muitas críticas ao paradigma automóvel são também elas feitas do ponto vista desse próprio paradigma.

Eu detesto a atitude do "sê realista, exige o impossível", não está em causa um radicalismo utópico da minha parte. Falo sim em vários casos que não passam de tiros no pé. Concretizo:

 

1. Vai ser construída uma ponte para peões e ciclistas sobre a 2ª circular em Lisboa (uma via-rápida dentro da cidade) e tenho lido imensos elogios à ideia. Claro que estaremos melhor com a ponte do que sem ela, mas isso não faz da ponte uma boa notícia.

Aceitar a ponte é aceitar que o local do peão e da bicicleta não é à superfície, mas por baixo ou por cima dela. Numa cidade humana, os peões e a bicicleta têm que andar na rua. não ficam com as migalhas do automóvel. Uma estrutura do género da ponte é algo que se vai manter durante longuíssimos anos, logo vai ajudar a prolongar a actual lógica da predominância do automóvel no espaço urbano, ironicamente sob a capa do pró-peão e pró-bicicleta.

 

2. O movimento pela manutenção das poucas linhas ferroviárias em Trás-os-Montes está em grande com um interessante documentário e várias iniciativas. Aquelas linhas têm um potencial turístico, logo económico, interessante e isso não pode ser descurado. Mas não serão algumas linhas que só servem algumas centenas de pessoas e que só permitem velocidades baixas que vão revolucionar a região. Trás-os-Montes (ou outra qualquer região abandonada) precisa é de ter pequenas cidades onde os jovens tenham possibilidades, onde haja equipamentos sociais e comércio para que não fuja tudo para Lisboa e Porto.

Deste ponto de vista o que é realmente uma vergonha é Bragança, Chaves e Macedo não terem comboio. Vila Real e Mirandela ainda têm linha (com comboios a 20km/h) que nem sei se ainda funciona. Isto sim é importante para a região.

 

3. A Avenida das Forças Armadas em Lisboa (que liga duas praças centrais da cidade) está tão apinhada de viadutos de vias-rápidas urbanas, que é impossível fazer a avenida a pé. Numa série de reportagens da SIC chamava-se a atenção para existência de uma barreira de betão onde deveria haver uma passadeira. A situação é tão grave que a inexistência da passadeira onde os automóveis passam a 90km/h, é apenas a cereja em cima do bolo.

 

4. Quando se pensa no quanto custa o uso do automóvel ou no quanto espaço urbano tem que ser sacrificado para que uma única pessoa se possa deslocar de automóvel, fazem-se cálculos que deixariam o lóbi-automóvel bem orgulhoso. O custo não é só a gasolina, nem o espaço necessário se resume à área física do automóvel.

 

Espero que os "visados" não se sintam ofendidos, nós estamos todos do mesmo lado, mas precisamos de ver o mundo por outros olhos.

 


Foto do Apocalipse Motorizado que mostra o mesmo tipo de atitude vinda de cicloativistas de Curitiba, numa acção em que pintaram a sua própria ciclovia. Reparem na sua diminuta largura e no mau estado do piso. Neste caso os automobilistas até agradecem que os ciclistas se confinem àquela bermazinha.

Dos leitores: "wiki" das ciclovias de Lisboa e auto-estradas paralelas

MC, 20.10.09

1. O leitor F.S. depois de não encontrar nenhuma informação online sobre as ciclovias existentes em Lisboa, decidiu ele próprio criar um mapa público com as ciclovias existentes. O mapa está em ciclovias.pt.vu e todos as contribuições são bem-vindas. É só enviar um pedido de acesso para

Adenda: um leitor deixou um pdf da CMLisboa com o plano das ciclovias.

 

2. O leitor J.M envia uma foto que mostra o absurdo do alcatrão em Portugal. Circulando numa das auto-estradas que ligam Lisboa a Porto, tirou a uma fotografia à sua auto-estrada paralela! Sim, elas estão tão próximas que dá para dizer adeus.

 

Não esquecer que está a ser construida uma terceira auto-estrada paralela. No local da foto ainda não se sabe se será a 2 ou a 3km destas duas.

 


Fotos a ver no CidadaniaLx: avenidas centrais de Lisboa transformadas em perfil de via-rápida.

A cidade como corpo (I)

TMC, 20.10.09

Eis outra notícia que assinala a incompetência e falta de preparação dos responsáveis pela rede rodoviária nacional. O Observatório de Segurança de Estradas e Cidades assinala que a própria formação em engenharia civil não salvaguarda todas as considerações para de segurança nas estradas, nomeadamente no fenómeno conhecido como hidroplanagem.

 

Isto corresponde à minha ideia de que a sinistralidade rodoviária não se deve apenas a hipotéticas distracções humanas ou  a esporádicas transgressões do código da estrada. Não estou a argumentar no sentido de que o desenho e o planeamento urbano condicionam totalmente os automobilistas e os peões ao ponto de não ser possível a atribuição de imputabilidade; mas sem dúvida que a própria estrutura física influencia o comportamento.

 

Ora, quem projecta, elide e delimita as nossas estradas, passeios e edifícios tem uma tremenda responsabilidade: o planeamento urbano deve orientar-se não só pela natureza dos constituintes móveis da cidade mas sobretudo pela natureza das relações que esses constituintes manterão entre si. Se um automóvel é por natureza um veículo que pesa algumas toneladas, alcança velocidades vertiginosas (a base compativa de velocidades deve ser sempre a humana) e o peão é por natureza indisciplinado no sentido que tem muito mais mobilidade - reparem como os automóveis só vão onde as estradas os deixam e segundo o que o código da estrada permite, ao invés que o peão vai onde quer - qualquer modificação na estrutura física da cidade terá de ter estas características em conta.

 

Se as ruas, os passeios e as praças forem projectadas tendo em conta apenas a natureza de um elemento móvel e não a relação entre os vários elementos móveis, o que acontece é a segregação de uns através do domínio de outros. É o que observamos nas nossas cidades:

 

- avenidas cuja largura e linearidade convidam a altas velocidades

- passeios diminutos que mesmo assim são galgados

- sacrífico generalizado do espaço público ao espaço automóvel

- domesticação da liberdade pedonal a guetos de atravessamento (também conhecidos por passadeiras)

- falta de arborização: quem está debaixo de um tejadilho metálico já tem sombra; ao mesmo tempo, as árvores na cidade são dissuassoras de altas velocidades para além dos seus inúmeros efeitos benéficos

- os buracos nos passeios, os baldios e jardins abandonados precisam de anos de denúncias para serem restaurados; os buracos nas estradas depois de uma chuvada são arranjados em poucos dias

 

Estes são os aspectos mais passivos de um planeamento conceptualmente segregador; a interacção física propriamente dita entre os vários modos, quando ocorre, resulta invariavelmente no prejuízo do elemento mais frágil; e entre a morte e o bem-estar há muitos graus de insegurança e incomodidade. Os acidentes não ocorrem apenas devido ao desleixo dos intervenientes; antes, são proporcionados pela sobreposição deficiente da estruturas dos nós rodoviários à estrutura pedonal, uma sobreposição que tomou em conta apenas a natureza de um dos intervenientes.

 

Passeios Largos?

MC, 19.10.09

Da rua mais estreita dos bairros históricos às grandes avenidas, todas as vias de Lisboa garantem ao automóvel 2,5m de espaço de circulação ao longo da via. Alguém sabe de pelo menos uma via onde o peão tenha direito a tamanho privilégio, descontando as (poucas) ruas pedonais?

Não vale a pena pensar nas avenidas mais largas porque na Fontes Pereira da Melo há uma secção onde nem passeio existe, na da República nem 1,5m, na da Liberdade e de Roma é um espectáculo que se vê em baixo. E já nem me queixo de barreiras temporárias como tapumes ou carros mal estacionados, queixo-me de situações permanentes.


( Esta posta é a pensar em Lisboa, mas aplica-se certamente a todas as cidades do país)


A ler no Passeio Livre o resumo do debate sobre peões antes das eleições em Lisboa, não pelo resumo em si que pouco tem de interessante apenas para constatar que, mesmo quando o tema é o peão em exclusivo absoluto, o que se acaba por debater é... o popó. Ao ponto de até o jornalista da TSF ter sido enganado.

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