Na Vila de Abajo havia uma rua estreita onde existia uma serração. O negócio foi crescendo, e o pavilhão tornava-se demasiado pequeno. Por vezes era necessário trabalhar as tábuas no exterior porque eram demasiado grandes, outras tinham que ser pousadas cá fora porque o armazém estava cheio. Os automobilistas que passavam na rua de duas faixas, aceitavam um pouco a contra gosto esta ocupação da rua, mas por simpatia nunca mostraram o seu desagrado. Tratava-se de espaço público, logo a serração também o poderia usar.
O negócio continuou a expandir-se, e as ocupações de uma faixa da rua tornaram-se permanentes. A circulação foi gravemente afectada, tendo sido causados inúmeros acidentes graves devido à circulação em sentido contrário na rua que agora apenas tinha uma faixa. A situação tornava-se insuportável e alguns automobilistas faziam-se ouvir. A serração retorquia perguntando "mas é impossível trabalhar sem ocupar a rua", e os automobilistas calavam-se.
Seguiram-se queixas para as autoridades, que alinhavam pelo diapasão da serração: sem aquele espaço eles não podem trabalhar. A serração, e até a grande maioria dos automobilistas apesar de desagradados, defendia que o incómodo não era assim tão grande, ainda existia uma outra faixa de circulação que estava normalmente livre. Na realidade, a culpa era da Junta, porque ela deveria pagar por um pavilhão novo. Afinal, a serração pagava impostos e até tinha uma licença de funcionamento da Junta!
Dizia-se que na Vila de Arriba, as serrações eram proibidas de tal ocupação, que eram obrigadas a mudarem-se de instalações. A maioria discordava contudo desta solução, onde é que a serração iria arranjar dinheiro para o pavilhão? Como é que poderiam sobreviver com esse custo acrescido? Alguns controlos ocasionais da polícia não eram interpretados com uma punição e um modo de pressionar a serração a mudar-se, eram pura e simplesmente caça à multa! Logo uma cobrança pelo uso do que é público!
Alguns automobilistas radicais começaram a colar um autocolante nas tábuas, a pedir respeito pela circulação. A serração ficou fula, muitos automobilistas discordavam porque o arrancar do autocolante atrasava o trabalho da empresa, e dizia-se que alguma polícia achava que os radicais até mereceriam uns bons tabefes.
Ao fim e ao cabo todos perguntavam aos radicais: mas onde é que queres que eles ponham as tábuas?
E agora troque-se serração por automobilista, automobilista por peão, pavilhão por estacionamento pago, etc. e releia-se
Foto tirada por um leitor no Forúm Social Mundial em Belém, Brasil: