Como não andar de carro?
Como tentei mostrar aqui, o automóvel não é apenas um objecto banal. Mesmo que apenas o fosse, teríamos de contar com as suas consequências físicas mais directas, como a sinistralidade, o ruído e a poluição atmosférica.
É ao nível do urbanismo que o automóvel tem efeitos mais perniciosos. A sua presença invisível preside à própria expansão urbana e ao planeamento dos respectivos acessos. Gera a fragmentação do território por criar uma assimetria evidente entre os locais de trabalho e locais de residência; o automóvel é a solução universal de mobilidade que nos é imposta mas sem que a razão o justique. Detectar esta responsabilidade dos urbanistas no planeamento do território é descobrir as próprias condições a que temos de obedecer se nos quisermos deslocar para determinado local. Acima de tudo, o território desenhado segundo o automóvel é uma forma de controlo irresponsável.
Graças ao Gabinete de Estudos e Planeamento do IST, estamos em condições de fazer um pequeno exercício. Em todos os anos são feitos inquéritos aos alunos caloiros e uma das perguntas feitas é a sua opção de mobilidade. Antes de vos mostrar os resultados, deixo-vos com umas fotografias aéreas da área de cada campus (Alameda e Taguspark).
IST-Alameda (azul), em plena cidade de Lisboa:
IST-Taguspark (a amarelo), algures em Oeiras:
A diferença de densidade urbanizada é óbvia, apesar da distância a eixos rodoviários principais ser semelhante. As áreas verdes (jardins e arborização) na primeira figura são a excepção enquanto que na segunda são a regra (terrenos aráveis); a área urbana está fragmentada e algo isolada mas é possível sair desse isolamento porque há estradas que a podem ligar ao mundo.
A oferta de transportes públicos para cada um dos diferentes pólos consta da página de apresentação do IST e a diferença é abismal. Apesar do pólo da Alameda possuir vários departamentos de transportes (CESUR e DTEA) e de autoridades académicas em termos de planeamento, transportes e urbanismo, os passeios do próprio campus é usado como um parque de estacionamento. Ainda assim, os resultados são evidentes:
As percentagens ultrapassam os 100% devido às viagens de ida e volta poderem ser feitas de forma diferente e de cada viagem poder ainda ser multimodal. Confesso que esperava um menor peso do transporte público nas deslocações para o Taguspark. Mesmo assim, diga-se que é um autocarro construído para o efeito: serve os alunos e pouco mais, o que é a antítese de um transporte público porque recolhe apenas alunos para os largar todos num destino final; um bom transporte público serve todo o percurso do seu trajecto, não apenas um ponto.
Como ir a pé ou de bicicleta para o Taguspark? É sequer possível?
É óbvio que a possibilidade de ficar apeado no Taguspark é maior para alguém que não tenha automóvel (36% dos utilizadores contra 14% da Alameda); além disso, os horários dos transportes públicos não são tão flexíveis. No fundo foi feita uma escolha de localização para o Taguspark que discrimina valências de mobilidade mais eficientes, justas e acessíveis. O ordenamento do espaço condiciona a maneira como nos deslocamos porque ele foi pensado de acordo com o conceito automóvel...como não andar de carro?