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Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

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Os carros eléctricos nunca serão "emissões zero"

MC, 02.01.09

Ouve-se muitas vezes falar nos carros eléctricos como sendo veículos de "emissões zero" (até o próprio PM o repete até à exaustão). Quando se contrapõe que 69% da produção actual de energia eléctrica em Portugal provem de fontes fósseis (dados de 2007 DGEG), a resposta usual é que em teoria toda a energia gasta nos automóveis poderiam ser de origem renovável.

Usar este subterfúgio do cenário hipotético, é uma desresponsabilização ingénua de quem quer manter o paradigma actual da mobilidade. "Andar de carro até poderia ser verde, se eles (a responsabilidade é sempre de outros) produzissem energia de modo sustentável".

 

Mas será que este cenário é minimamente realista? Segundo dados da DGEG referentes a 2006, o sector dos transportes consumiu 6900ktep de energia final, enquanto o consumo de electricidade se ficou pelos 4100ktep. Dado que o automóvel privado leva uma fatia de leão do sector dos transportes (88% no transporte de passageiros que inclui a ferrovia, 98% do consumo total de gasolina, 84% do consumo total de gasóleo) parece-me justo concluir que a energia gasta em automóveis privados é maior do que todo o consumo final de electricidade no país.

De onde viria esta energia então? A hidroeléctrica está muito próxima do seu limite máximo, e as restantes energias renováveis apenas fornecem 9% da produção total. Se* contarmos com as perdas de energia no carregamento e utilização da bateria (apenas 81% é aproveitada, o que é um problema bem menor nos veículos a combustíveis), então seria necessário multiplicar a produção de electricidade eólica/solar/ondas por 20 para fazer movimentar os automóveis eléctricos! Alguém acha que isto é fazível?

 

Nestas contas assumo que a utilização do automóvel se manteria constante. Dado que o custo por km é menor num carro eléctrico face ao convencional  (o preço de aquisição é que é maior), é de esperar que o número de quilómetros percorridos seja então maior, o que ainda agravará mais o problema.

 

De resto, a falta de cabimento dos argumentos do "em teoria", no que toca à mobilidade, pode ser vista ao pensarmos numa solução que poderia ser aplicada amanhã, sem qualquer investimento ou inovação tecnológica. Uma solução que em teoria tornaria a mobilidade automóvel muito mais eficiente e menos inimiga do ambiente. Bastaria que os carros levassem 5 pessoas em vez das 1,3 ou 1,4 actuais. Seria um quarto (são fenómenos que crescem mais do que proporcionalmente com o número de veículos) da poluição, um quarto do congestionamento, um quarto de sinistralidade, um quarto de energia consumida. Tudo ao alcance de todos, muito simples e bonito, só que... não funciona.

 

* As perdas de energia na produção e transporte de electricidade já estão contabilizados, por me estar a referir ao consumo final de energia.

 

P.S. Há ainda outro problema técnico, que é a inconstância da produção das fontes renováveis. Só há energia eólica quando há vento, só há energia solar quando há sol. Como os automobilistas não vão ficar à espera do vento/sol para poderem carregar as baterias, a ideia das "emissões zero" entra definitivamente no campo da ficção científica.

 


A ver: uma entrevista do Guardian a Fatih Birol, presidente da Agência Internacional de Energia, onde ele vai admitindo a algum custo que a AIE considera agora que a extracção de petróleo irá cair muito mais rapidamente do que o esperado, e que chegaremos ao pico do petróleo daqui 10 anos. Versão texto com mais informação aqui.

Obrigado Mário

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