O desastre do Tua como indicador de péssimas escolhas políticas
O desastre na linha do Tua faz-se sentir em vários quadrantes. Após o Bloco de Esquerda e os Verdes exigirem o ministro Mário Lino no Parlamento para explicar o sucedido e falar do estado de conservação das várias linhas ferroviárias, outros quadrantes da sociedade fazem-se ouvir.
Torna-se sintomático em Portugal a fuga às responsabilidades, o apodrecimento dos deveres, a culpa morrer solteira. Um relatório preliminar deste acidente parece apontar para a perfeita idoneiadade da linha do Tua e para a competente capacidade da REFER e da CP em conservá-la. Pergunta-se como será possível afirmar tal facto quando cerca de quarenta parafusos foram dados à CP por um grupo de jovens transmontanos e arrancados das linhas sem qualquer instrumento qualificado.
Para quem quiser comentar a actuação da REFER ou fazer qualquer recomendação.
Para quem quiser comentar a actuação da CP ou fazer qualquer recomendação.
Leia-se então as críticas construtivas que os vários utentes fazem à CP, à REFER e, desta maneira, também aos próprios governos que fomentaram esta situação. Se é inegável que o progressivo abandono e corte de vários trechos ferroviários acompanhou o desenvolvimento brutal das autoestradas e vias rápidas em Portugal com o consequente favorecimento do lobby do betão e do automóvel, a qualidade desta opção política parece ser muito fraudulenta quando são as próprias populações a sentirem o peso do progresso e do desenvolvimento prometidos. Até quando?
Lisboa, 30 Ago (Lusa) - A falta de qualidade do serviço prestado pela CP na linha do Oeste é cada vez mais motivo de queixa de utentes e especialistas, que defendem a modernização deste troço para reduzir os automóveis na Grande Lisboa.
No mapa das queixas dos utentes da ferrovia em Portugal, a linha do Oeste tem lugar de destaque, até porque poderia ser uma solução alternativa ao transporte rodoviário para milhares de pessoas que todos os dias se deslocam a Lisboa a partir de Torres Vedras, Caldas da Rainha ou Leiria.
Queixas semelhantes são feitas noutros locais do centro e sul do país como nos ramais da Lousã e de Beja ou na linha da Figueira da Foz. E há mesmo quem defenda uma nova obra - o chamado Arco do Oeste - que ligue a Linha do Norte e do Oeste, na zona de Leiria, para servir aquela região e a cidade de Fátima.
"A Linha do Oeste é o nosso muro das lamentações porque não corresponde minimamente às necessidades das pessoas, é demorada e é uma linha do século XIX", sublinhou Tomás Oliveira Dias, um dos fundadores da Associação de Desenvolvimento de Leiria.
A esta exigência, o Governo promete "fazer a requalificação efectiva e integral da Linha do Oeste que se destina a passageiros e a mercadorias", afirmou há um mês a secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, prometendo a electrificação, eliminação de passagens de nível e rectificações de traçado, bem como uma nova ligação ao sistema ferroviário da Área Metropolitana de Lisboa.
É que a linha termina no Cacém, sem ligação directa à rede da capital, uma situação que o empresário Henrique Neto considera ser desajustada até porque se trata de uma "zona densamente povoada" onde "há rentabilidade" mas "tal como está, o Estado só perde dinheiro".
Para o presidente da Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos de Ferro, Nelson de Oliveira, "a linha do Oeste podia prestar um bom serviço e ser uma acessibilidade compatível com a auto-estrada mas era fundamental estudarem a hipótese de um novo traçado entre Malveira, Loures e Lisboa".
A futura linha do TGV - que ficará a oeste da Serra dos Candeeiros perto da zona Oeste - poderá limitar os prejuízos para a população mas a sua vocação não é o transporte ferroviário suburbano.
Os utentes pensam o mesmo, como explica António Barros, que fundou um movimento cívico de clientes da CP e defende que "há mercado" para a modernização da estrutura.
Mais a norte, a rede do Oeste entronca em Alfarelos na Linha da Figueira da Foz, uma estrutura desadequada, onde a falta de clientes justifica a ausência de investimentos da CP, gerando um círculo vicioso de onde a região não consegue fugir.
Para Carlos Fonseca, especialista universitário nesta área, deveria ser criado um sistema de transportes ferroviários integrados num conjunto suburbano a partir de Coimbra, aproveitando os ramais da Lousã, Figueira da Foz e Cantanhede e as linhas do Norte e da Beira Alta.
Já a possibilidade do Ramal da Lousã vir a ser transformado numa linha de metropolitano ligeiro de superfície, este investigador considera que o projecto, integrado no Sistema de Mobilidade do Mondego (SMM), não terá "pernas para andar".
Criado em Março deste ano, o Movimento de Defesa do Ramal da Lousã (MDRL) exige a realização de um estudo alternativo ao projecto do metro, que se arrasta há cerca de 15 anos, tendo enviado ao Governo um abaixo-assinado com mais de quatro mil assinaturas, do qual ainda não obteve resposta.
No sul, uma comissão de utentes defende a reactivação do ramal que ligava as cidades alentejanas de Beja e Moura, encerrado em 1989. O líder desta estrutura, Joaquim Medeiros, considera que o ramal foi "desactivado por motivos políticos", visando "isolar o Alentejo".
Numa altura em que se aguarda no Alentejo a implementação do comboio de alta velocidade (TGV), entre Lisboa e Madrid, com passagem por Évora, Joaquim Medeiros contrapõe que um metro de superfície entre Beja e Moura teria muito mais utilidade, até para o desenvolvimento turístico de Alqueva.
"Então, enquanto o povo anda de carroça, andam os outros, os senhores do dinheiro, a voar de TGV?" - critica, desalentado.
A falta de investimentos que tornem o caminho-de-ferro num transporte competitivo é uma acusação que associações de utentes e empresários de todo o país fazem à CP e à REFER, contestando o estado de muitos troços.
As linhas ferroviárias do nordeste transmontano, do Vouga, da Lousã, do Oeste e Algarve são exemplos dessa falta de investimento que se reflecte também na ausência de horários adequados e de condições de conforto que inviabilizam a possibilidade do comboio ser um meio alternativo ao automóvel.
Estas são algumas das acusações feitas pela Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos-de-ferro (APACF), recordando que estas linhas «estão situadas em regiões densamente povoadas ou em zonas turísticas e não têm as condições para servir nem as comunidades nem os turistas».
Recentemente, a REFER investiu na modernização da linha entre Braga e Porto e os resultados são surpreendentes até para a CP devido à forte adesão dos clientes.
Em 2007, viajaram de comboio entre Braga e Porto 5,1 milhões de utentes, um número que a CP só esperava atingir em 2014.
Mas no resto do país, ainda existem muitos locais que poderiam ser sujeitos a investimentos semelhantes, como defende o presidente da APACF, Nelson de Oliveira, dando como exemplo a Linha do Vouga (Oliveira de Azeméis/Espinho e Águeda/Aveiro) que «tem enormes potencialidades e podia servir uma região populosa, mas necessita de uma modernização profunda».
Críticas semelhantes faz Arménio Matias, presidente da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento do Transporte Ferroviário, que aponta a linha do Minho, no troço entre Minde e Valença, como uma zona que deveria merecer a atenção da REFER e da CP.
Esse troço «devia ser modernizado porque está numa zona economicamente importante, tem população mas tal como está é mais um caso de falta de lucidez», salientou.
Na Linha do Oeste (Figueira da Foz/Cacém), o problema não é o abandono pois «a infra-estrutura está em bom estado» mas verifica-se «uma desadequação da oferta face à procura e por isso também acaba por não servir as pessoas», critica o presidente da APACF.
Neste caso, Nelson de Oliveira sustenta que «o traçado entre Malveira e Lisboa devia ser alterado para permitir uma ligação rápida à capital e tornar a ferrovia competitiva face à auto-estrada».
Com a mesma opinião, o empresário Henrique Neto da Marinha Grande recordou à Agência Lusa que «não há nenhuma cidade europeia como Lisboa que não tenha à sua volta várias linhas de caminho-de-ferro, porque o automóvel não é o meio de transporte ideal para quem trabalha ou faz negócios».
«O problema do abandono do caminho-de- ferro é um crime», acusou Henrique Neto defendendo que deveria existir uma «ligação rápida e directa entre Lisboa e Leiria».
Já em relação ao sul do país, Nelson de Oliveira identifica vários problemas na linha do litoral algarvio, entre Vila Real de Santo António e Lagos, onde se «demora cerca de três horas a percorrer quando de carro se faz em menos de metade do tempo».
No nordeste transmontano, «as linhas estão muito abandonadas» mas, «com isto, não quero dizer que sejam inseguras», salientou, pouco mais de uma semana depois do acidente que causou um morto e vários feridos entre os 47 ocupantes da carruagem, a maioria turistas, que seguia de Mirandela para o Tua.
A carruagem descarrilou próximo da estação da Brunheda, numa zona onde já ocorreram quatro acidentes num ano e meio, que provocaram quatro mortos.
«Estas linhas (do nordeste transmontano) têm interesse para as comunidades locais e também em termos turísticos porque são zonas com uma paisagem lindíssima», disse Nelson de Oliveira fazendo uma analogia com a Suiça.
Naquele país, «há serviços de caminho de ferro para o tráfego turístico e penso que estas regiões como o vale do Douro não ficam nada atrás das paisagens Suíças, mas aqui as nossas carruagens nem sequer dão para baixar as janelas e tirar fotografias», observou.
Apesar das críticas, Nelson de Oliveira reconhece o esforço de modernização nas Linhas do Norte e na linha que liga Lisboa a Faro mas considera que essa estratégia «não chega» pois «o que se vê é que para as estradas há sempre dinheiro».
«O comboio é o meio de transporte do futuro para pessoas e mercadorias», concluiu por seu turno Henrique Neto, lamentando «o facto dos governos terem enveredado pelo transporte rodoviário com custos económicos, energéticos e ambientais elevadíssimos».
A Lusa questionou a REFER e a CP sobre as condições oferecidas aos passageiros nestas linhas mas até ao momento não obteve resposta.