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Menos Um Carro

Blog da Mobilidade Sustentável. Pelo ambiente, pelas cidades, pelas pessoas

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Governo abandona o futuro

MC, 22.03.12

Governo abandona a alta velocidade "definitivamente" conta hoje o Público.

Os maiores desafios do século XXI vão ser a globalização, a energia e o ambiente. Por todo o mundo têm surgido, que nem cogumelos, novos projectos de ferrovia de alta-velocidade mesmo em países com os EUA e a China, tradicionalmente apoiantes da opção rodoviária. Falamos de um transporte rápido, que não está dependente de uma fonte de energia que se aproxima dos seus limites, que é o mais eficiente energeticamente, e que é por isso a melhor solução do ponto de vista ambiental e económico, num mundo onde a energia barata acabou.

A Galiza, com menos cidades grandes que Portugal, vai ter várias linhas. A China, bem mais pobre que Portugal, o mesmo. Por cá, uma ferrovia decente é considerada um luxo. Por cá, o futuro é um luxo.

 

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A notícia de hoje é um pouco mais positiva. Santarém arrancou com um projecto de bicicletas públicas partilhadas. Parabéns!

Apita o comboio

TMC, 17.12.10

É o adeus ao comboio, já anunciado nos vários PECs. A salvaguarda do direito à mobilidade a nível regional penderá cada vez mais para o automóvel particular. Um cidadão, um voto, um automóvel.

 

Para viajar entre muitas cidades e povoações será exigido um carro. Veremos, daqui a uns anos, se a administração da CP sofria de má gestão crónica, caso algum operador privado veja sustentabilidade financeira e decida investir emr algum troço.

 


A cidade do país cuja autarquia é responsável por ter entronizado e coroado o automóvel como paradigma da mobilidade também nos surpreende com exposições destas. Outra declaração de boas intenções, mas vale a pena espreitar o que estamos a perder se tivéssemos ruas feitas para todos. No MUDE - Museu do Design e da Moda - em Lisboa está presente a exposição A Rua é de Todos Nós, até dia 20 de Fevereiro de 2011. Nesse mês também haverá um simpósio dedicados aos temas da mobilidade suave e do urbanismo. A não perder.

 

Não à modernização da ferrovia

MC, 21.11.10

Há anos que se discute a "modernização" de linhas ferroviárias como as do Oeste, do Corgo, do Douro, etc. Algumas, como o ramal da Lousã, estão mesmo a ser "modernizadas" - "modernizar" significa eletrificar e/ou retocar a linha. Contudo, a ferrovia nacional tem problemas bem maiores.

Primeiro, a rede nacional não cobre minimamente o território nacional. Cidades grandes como Viseu, e grandes áreas da Grande Lisboa e Grande Porto não são cobertas.

Segundo, o pouco que cobre, cobre mal. Ao contrário das boas práticas europeias, os comboios ficam à porta das cidades, em vez de pararem no centro. Em Évora não passam comboios, apenas se chega por um ramal secundário. Braga e Guimarães apesar de importantes e próximas, não têm ligação. Algumas linhas parecem até que evitam os centros populacionais.

Terceiro, as linhas foram pensadas há século e meio. No interior norte pode ser pitoresco andar aos ziguezagues, mas é um absurdo noutras linhas - inclusive na principal linha do país. Um exemplo concreto, de Tunes (Algarve) a Alcácer-do-Sal, a linha ferroviária (a mesma que liga Lisboa a Faro e onde passa o Alfa) percorre 224km, e não é para passar em mais povoações. A auto-estrada paralela percorre apenas 151km. E como a velocidade de um comboio depende mais da retidão da linha que no caso do automóvel, esta diferença é ainda mais agravada.

"Modernizar" a rede ferroviária, é cristalizá-la e aos três problemas acima. Ao "modernizar" estamos a prolongar a vida de linhas que deveriam ser abandonadas, por mais umas décadas, e a adiar a reformulação da rede. Modernizar é alcatroar as velhinhas estradas nacionais em vez de construir auto-estradas. Mas para o alcatrão houve e há dinheiro, para os carris não.

Os EUA têm um projecto de 8 mil milhões de dólares para criar uma rede de comboio rápido. A Suíça está a gastar 7 mil milhões de euros para construir um túnel exclusivamente ferroviário. Espanha abandona a bitola ibérica, e constrói várias linhas com bitola europeia para se ligar ao resto do continente. Antuérpia gastou 1,6 mil milhões apenas para pôr o comboio a passar no centro da cidade, em vez de um ramal. O comboio é o transporte do século XXI e em Portugal deixamo-lo ficar no século XIX. Em duas décadas construímos perto de 2500km de AEs mas apenas algumas dezenas de ferrovia. Se foi possível fazê-lo com o carro, por que não fazer por um transporte mais moderno, mais energetica e logisticamente mais eficiente, e menos inimigo do ambiente e das cidades?

Por isto sou contra a dita modernização da ferrovia nacional. O próprio presidente da CP parece concordar, como se vê nesta citação no A Nossa Terrinha.

 

Adenda: uma boa notícia, Algarve 13 minutos mais próximo em comboio pendular.

 

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A União Europeia publicou recentemente um pequeno documento, a promover a ferrovia de alta-velocidade.

Obituário: a linha do Tua

TMC, 11.11.10

A avalanche de ataques ou, em linguagem moderna, justificações para o encerramento da linha do Tua constituiu-se por vários argumentos, todos eles bastante fracos. Podemos agrupá-los no par "factos/interpretação unívoca desses factos".

 

1- acidentes com vítimas mortais desde 2008/a linha não é segura

2- poucos utilizadores/a linha não é viável 

3- o modelo de negócio da linha do Tua é oneroso e insustentável/uma linha de comboio só deve ser mantida se houver sustentabilidade financeira

4- a auto-estrada de Trás-os-Montes vai ser feita/quem tem uma auto-estrada pode dispensar uma linha de comboio

5- a linha do Tua não é fundamental para garantir o direito à mobilidade das populações/o direito à mobilidade em meios rurais pode ser garantido pelo automóvel e por táxis

6- ou a linha do Tua ou a barragem do Tua/o futuro são as energias renováveis, por isso devemos fechar a linha do Tua

 

 

Os argumentos 1 a 3 baseiam-se numa análise simplista porque sincrónica; ignoram que a situação actual de insegurança, de relativamente poucos passageiros e de insustentabilidade financeira devem-se a políticas anteriores do governo e à incúria da CP e REFER que conduziram precisamente ao actual de estados de coisas; a situação da linha do Tua é diagnosticada como se o seu estado estivesse desligado das condições que o provocaram. Ora, quase todas as linhas de comboio em Portugal são insustentáveis financeiramente, mas não é por isso que devem ser tomadas como dispensáveis; além do mais, quase todas elas sofrem manutenção frequente da REFER (no caso do Tua, a última foi em 1991) e têm horários adequados porque são indispensáveis para a mobilidade das pessoas que prescindem ou preferem não usar o automóvel para as suas deslocações.

 

E com isto chegamo aos argumentos 4 e 5. Em 1991, a linha do Tua foi fechada entre Bragança e Mirandela. O argumento da altura, além da falta de passageiros, consistia na construção da alternativa rodoviária do IP4. Vinte anos e cerca de 200 mortos depois, a situação repete-se com a auto-estrada transmontana a servir agora de bode expiatório para a sangria das ligações ferroviárias. O número de passageiros, assim que trasladados para os autocarros caiu abruptamente. E, estranhe-se, não há agora cenários analíticos que equacionem o desenvolvimento da região com a auto-estrada & com a linha de comboio; ambos os modos de transporte parecem confrontar-se por exclusão e nunca servirem como complementares ao serviço das populações. Para além do mais, o direito à mobilidade é muito diferente da democratização pelo automóvel, algo que o estado assume implicitamente: eu não sou obrigado a tirar a carta, mas devo ser capaz de ter acesso em condições satisfatórias aos serviços mínimos. Ponto. Se não gostam, mudem a constituição.

 

Por último, o ponto 6. A barragem do Tua dará cerca de 0,4% de acréscismo à produção de energia eléctrica nacional; por sua vez, o crescimento do consumo de energia eléctrica tem crescido 3% ao ano.  Equacionar a perda de uma estrutura centenária como necessária ao futuro do país e misturá-la com o misto de publicidade masturbatória da EDP e deste governo cada vez que falam nas energias renováveis deveria chocar.

 

Hoje nada disto interessa porque o último reduto de defesa da conservação da linha foi arquivado. O Ministério do Ambiente e a REFER já tinham lavado as suas mãos; só faltava ao Ministério da Cultura a sentença final para abrir o caminho à EDP.

 

Claro que o que se passa em Trás-os-Montes é quase indiferente a muitas das elites lisboetas que à mínima causa da moda dão o peito às balas: oxalá um dia o aturem.

 

Vigília pela Linha do Tua

TMC, 16.09.10

Neste sábado dia 18 de Setembro de 2010, das 18h à meia-noite, o Largo Camões, em Lisboa, será palco de uma vigília pela Linha do Tua.

 

A iniciativa está aberta a todos os interessados na conservação desta linha ferroviária de via estreita que até há cerca de dois anos ligava o interior transmontano à Linha do Douro.

 

A intenção de trazer o protesto para os paços da capital foi promovida por várias organizações de cidadania da região de Trás-os-Montes e vem na sequência de vários acontecimentos deste último ano.

 

O filme Páre, Escute e Olhe contribuiu para a sensibilização acerca dos riscos associados à construção de um paredão anexo à região do Douro vinhateiro, património mundial da humanidade; a obra de Jorge Pelicano não pretendeu apenas ser uma resposta à cómica lavagem de imagem promovida pela EDP acerca das vantagens das barragens, como a activa conivência de orgãos informativos como a TSF ou de outros que, pura e simplesmente, negligenciaram através do silêncio novos desenvolvimentos do conflito entre os interesses das populações locais e a construção da barragem que acarreta o desaparecimento da linha. A construção da barragem de Foz Tua é algo dado como adquirido, os movimentos de contestação das populações locais e outros de cariz ambiental não são referidos e a imagem que prevalece é a de que a EDP e este governo estão no trilho certo no que concerne às metas das energias renováveis.

 

Entretanto, o colectivo GAIA tentou divulgar e promover o debate em torno da questão junto das populações das aldeias ribeirinhas. Segundo testemunhos presenciais, a percepção colectiva é a de que os impactes devido ao desaparecimento da linha seriam negativos; revolta e esquecimento eram também vocábulos que surgiam associados.

 

Outra boa notícia é a suspensão da construção e das obras de instalação da barragem de Foz Tua devido à possibilidade de classificação da Linha do Tua como património arquitectónico nacional; enquanto o processo de apreciação classificativo estiver a decorrer, o troço estará salvaguardado. Se o resultado do processo for o esperado, a barragem poderá ter de ser excluída, uma vez que a cota de preserevação da Linha do Tua seria tão baixa que os objectivos iniciais não teriam qualquer possibilidade de cumprimento.

 

Face ao que foi dito, considero que a vigília de sábado concentra características particulares que a destacam de muitas outras:

 

- é uma luta política, apartidária e sem qualquer apoio recorrente dos partidos políticos (se obviarmos Os Verdes);

- é uma luta pelo direito à mobilidade ferroviária que vai contra a tradição política que tem privilegiado os transportes e os acessos rodoviários;

- é uma luta que sublinha que os problemas de uma região (desertificação e interioridade) estão a ser mal geridos e até fomentados pelo centralismo político lisboeta;

- é uma luta contra o logro dos governantes, pela saúde do debate público e pela adesão aos factos;

- é uma luta que representa a distância entre os problemas reais das populações do interior e a consciencialização para esses problemas por parte dos políticos e da população do litoral

- é uma luta que pela dimensão mediática que tem (quase nula) e a que deveria ter aponta para o divórcio que existe entre duas portugalidades: a urbana/litoral e a rural/interior;

 

Trata-se de uma causa sobre um problema concreto - o hipotético desaparecimento de um meio de transporte ferroviário - para o qual poucas pessoas estão sensibilizadas. Atribuo isso à localização geográfica do problema: o interior português. Lá há pouca massa crítica, logo a partidirização e a mediatização desse problema não são tão relevantes e eficazes; o paradoxal é que a geografia, por vezes, não parece assim tão relevante: a recente ameaça de morte por lapidação de uma iraniana concentrou várias centenas de pessoas. Não estou a comparar a dimensão moral de uma morte por arremesso de pedras ao desaparecimento de uma linha de comboio, mas apenas a apontar que a indiferença ou a mobilização a uma causa parecem por vezes ultrapassar as distâncias geográficas.

 

A pergunta que fica é: porque é que existe essa indiferença para com a linha do Tua e para o interior em geral? Se a constituição portuguesa abrange todas as geografias, como é que se instalou no debate público uma afectividade próxima às causas de minorias discriminadas (pela classe, cor, raça, sexo) mas ao mesmo tempo os problemas das populações do interior não são parte dessa lista? Porquê tanto silêncio?

 

 

A propósito do TGV

TMC, 05.09.10

Reproduzo o artigo de Armando Pires no Público de hoje (penso não existir nenhuma ligação):

 

Paul Krugman não defende o TGV

 

Paul Krugman (Nobel da Economia em 2008), devido ao papel central que atriui aos custos de transporte no comércio internacional e na localização da actividade económica, tem sido citado pelo actual governo na defesa do TGV. Em particular, advoga-se que o TGV - ao diminuir o tempo de ligação e, como tal, os custos de transporte entre Lisboa e Madrid - irá aumentar as trocas comerciais e favorecerá uma distribuição mais equitativa da actividade económica na península Ibérica. Mas é mesmo isso que as teorias desenvolvidas por Krugman prevêem? Não necessariamente.

 

De facto, Krugman demonstra que uma redução dos custos de transporte tenderá a conduzir à aglomeração da actividade económica nos centros económicos. Isto acontece porque, ao localizarem-se nos mercados centrais, os agentes económicos podem simultaneamente servir as regiões periféricas com taxas de transporte favoráveis e explorar as vantagens da aglomeração nos centros económicos (economias de escala e spillovers tecnológicos). Assumindo que os centros económicos da península Ibértica são Madrid e Lisboa, isto poderia revelar-se benéfico para Portugal se os ganhos de Lisboa compensassem as perdas nas restantes regiões. Infelizmente, Lisboa não é um centro económico a nível ibérico. Num trabalho meu (ver referência abaixo) demonstrei que existem três centros na península Ibérica: Madrid, Catalunha e País Basco. Lisboa - a região mais central de Portugal - só é marginalmente mais central que a região mais periférica de Espanha, a Galiza. Sendo assim, segundo as teorias de Krugman, Portugal sairia perdedor com uma redução dos custos de ligação a Espanha.

 

Curiosamente, Krugman chegou a analisar um caso semelhante ao de Espanha e Portugal: dois países, cada um com o seu centro económico (Madrid e Lisboa), mas em que um deles é mais periférico que o outro (assim como Madrid é mais central que Lisboa), mas em que um deles é mais periférico que o outro (assim como Madrid é mais central que Lisboa). Nesta situação, Krugman defende que a melhor estratégia do país com o centro mais periférico (Portugal) é desenvolver as redes de transporte internas, de forma a permitir ao seu centro explorar o seu hinterland. Para Krugman, só quando Lisboa se tornar um centro ibérico é que se deve reduzir os custos de transporte entre Madrid e Lisboa.

 

Neste sentido, o desenvolvimento da infra-estrutura rodoviária e ferroviária em Portugal apresenta-se como prioritário. No entanto, enquanto os sucessivos governos apostaram na primeira, a segunda tem sido bastante negligenciada. O desinvestimento ferroviário é ainda mais preocupante, pois é sabido, da experiência do TGV noutros países, que este só é eficaz se interligado com as linhas de comboios convencionais. Ora, enquanto estas estão amplamente desenvolvidas em Espanha, tal não é o caso em Portugal. Corre-se, pois, o risco de o investimento no TGV se revelar ineficiente. Para além do mais, a existência de uma rede ferroviária forte em Portugal poderia ser a alternativa que as populações defendem às estradas pagas. No entanto, a mentalidade rodoviária está tão enraizada que a opção ferroviária não é sequer considerada na discussão sobre as Scut.

 

Todo este debate se mantém com ou sém o défice externo, mas ganha especial relevância no contexto actual, em que os investimentos públicos se devem restringir aos que de facto têm potencial para promover o crescimento tão ansiado da economia portuguesa.

 

Referências: Pires, Armando, 2005, Market Potential and Welfare: Evidence from the Iberian Peninsula, Portuguese Economic Journal, 4, 107-127.

 


O Público de hoje (o único jornal que ainda não adoptou o acordo ortográfico) contém ainda mais duas referências à mobilidade sustentável.

 

A crónica de Carlos Fiolhais versa sobre as diferenças civilizacionais da Alemanha e Portugal no âmbito dos transportes públicos. Está aqui.

O caderno CIDADES apresenta na reportagem "Gente feliz sem carro" vários testemunhos de lisboetas e portuenses que não precisam do carro para viverem as suas vidas. E gostam disso! Pode ser consultado aqui, mas aproveitem, porque em breve deixará de estar em linha. 

Pelo comboio no centro da cidade (editada)

MC, 17.03.10

Em contraste com o automóvel que entra facilmente pelas nossas cidades adentro (Lisboa tem uma via-rápida que acaba no Marquês de Pombal...), os comboios  de longa distância têm as suas estações bem longe dos centros urbanos de Lisboa, Porto e Coimbra. Tanto no primeiro como no segundo caso são situações absurdas que contrariam as boas práticas europeias.

Sempre que comento isto dizem-me que as Gares do Oriente, Campanhã e Coimbra B têm "boas ligações"  por isso pouco importa se estão no centro ou não. Mais uma ligação, implica mais uma mudança, mais uma espera, mais um stress, mais um bilhete, mais uma incerteza. Hoje tenho dois exemplos do quão é importante levar as pessoas directamente aos centros, para diminuir as ligações.

 

1. Até há uns meses, nem todas as linhas do Metro de Lisboa se cruzavam. Com o prolongamento, e note-se que não houve a abertura de nenhuma estação nova, da linha vermelha houve vários percursos onde foi reduzido o número de ligações - e as que existiam já eram "boas".  Apenas com esta melhoria, houve em média um aumento de de 40% no número de passageiros da linha vermelha nos últimos meses, face ao ano anterior.

 

2. Antuérpia estava até há pouco na mesma situação que Lisboa, Porto e Coimbra: a estação com mais comboios estava longe do centro (4km enquanto a do Oriente está a 9km), mas alguns dos comboios partiam da estação central. Para os passageiros dos restantes, era necessário mudar. Foram gastos 1,6 mil milhões de euros para desviar a linha por túnel de modo a que todos os comboios parassem no centro. É difícil comparar números de passageiros (porque há novas linhas), mas o valor gasto mostra que havia sérios benefícios em causa.

 

Concluindo, bem sei dos custos e da dificuldade inerente - mas se esses argumentos nunca são suficientemente fortes no caso do automóvel, porque serão no comboio? Em Lisboa, porque não fazer uma estação central em Entrecampos/Rego? No Porto e em Coimbra, porque não tornar São Bento e Coimbra A em estações de passagem dos comboios principais através de túneis?


A ler: um texto de José Vítor Malheiros sobre quem "pertence à categoria dos sub-humanos: um peão".

E agora?

TMC, 25.01.10

A CP tem uma dívida de 3,8 mil milhõs de euros e a REFER  tem outra de quase nove mil milhões de euros. Ninguém questiona a sua relevância social mas, curiosamente, há cada vez menos pessoas a andar de comboio em Portugal. A falta de rentabilidade e as baixas taxas de utilização têm sido os argumentos usados para os fechos das de algumas linhas ou para a redução dos horários. Ao mesmo tempo, justifica-se a falta de investimento e manutenção que poderiam atrair mais clientes para essas linhas do mesmo modo. É um círculo vicioso e falacioso.

 

Perante este diagnóstico do absurdo, qual é a solução? Privatizar?

Ainda o investimento ferroviário em Portugal

TMC, 13.01.10

Na linha do texto de ontem, saíram hoje duas notícias no Público bastante pertinentes.

 

Podem consultá-las aqui e aqui. Os sublinhados são meus:

 

Até 2012, a Refer vai afectar até 35 por cento do seu orçamento a empreitadas relacionadas com o projecto do TGV, destacando-se a remodelação das estações do Oriente e de Campanhã, as ligações à alta tensão da Rede Eléctrica Nacional e a componente de linha convencional na ponte Chelas-Barreiro e eixo Porto-Vigo, tudo isto num total de 1200 milhões de euros.

 

Quando perguntarem ao governo acerca da falta de investimento na ferrovia, é previsível que o remate seja de que nunca se investiu tanto na ferrovia como nos últimos anos...porque o aumento do investimento corresponderá quase exclusivamente à construcção do TGV Foi precisamente para este aspecto necessariamente complementar que o PCP chamou as atenções.

 

A Linha do Norte terá a maior parcela, mas os 77 milhões que lhe estão afectos não significam um verdadeiro rearranque do projecto que foi mandado parar na primeira legislatura de José Sócrates. Só a partir de 2011 é que os trabalhos serão significativos [...]

 

Prioridades.

 

Um outro projecto herdado do tempo de Durão Barroso e mandado congelar por Sócrates é o da continuação da modernização da Linha do Douro, entre Caíde e Marco de Canaveses, que vai arrancar este ano com 14 milhões (88 milhões até 2012). Mas o Douro tem um bónus: a electrificação vai prosseguir até à Régua, com os trabalhos a começar em 2012 e a prolongar-se por mais seis anos.

 

A Linha do Douro é capaz de ser das linhas com maior potencial pela sua putativa ligação a Espanha (que a ex-secretária de Estado mandou, e bem, restaurar) e pela envolvente paisagística mas quem a conhece sabe bem o estado de abandono a que está a votada e a falta de conservação e qualidade das carruagens. Um passeio nela dá bem conta do cemitério de apeadeiros que testemunham as antigas linhas de via estreita.

 

A modernização da Linha do Oeste continua a ser um projecto adiado, mantendo-se este corredor ferroviário - que atravessa uma das regiões com maior densidade populacional do país - a funcionar com um sistema de exploração idêntico ao dos fins do século XIX

  

Ausente está também qualquer ligação a Viseu, que continua a ser uma das maiores cidades da Europa continental que não estão ligadas ao caminho-de-ferro.

 

Está mesmo a pedir uma auto-estrada. Por questões de justiça.

 

Tram-trains

MC, 09.01.10

O tram-train é um comboio que é eléctrico (trem que é bonde em brasileiro) e um eléctrico que é comboio. É um veículo que está preparado para funcionar tanto a velocidades altas e poucas paragens como a velocidades baixas e muitas paragens. Muito mais importante ainda é  circularem nos dois sistemas diferentes, dentro e fora da cidade, que usam sistemas de alimentação eléctricos diferentes (voltagem, etc.). Pensem nos cabos que há nas linhas da CP e nos cabos dos eléctricos/trolleys citadinos e só daí perceberam a diferença.

O tram-train nasceu nos anos 80 em Karlsruhe, quando a cidade se apercebeu dum problema que estava a afastar muita gente dos transportes públicos: quem morava fora da cidade podia chegar facilmente à cidade de comboio, mas o comboio não os deixava onde queriam. Para a maioria era necessário mudar para o eléctrico (o que implica desconforto, mais uma espera, mais um horário a saber, mais incerteza no tempo de viagem, etc.) para chegarem ao destino final. A solução passaria por ter um comboio que vinha de longe e entraria pela cidade dentro (aqui fica a minha dedicatória a quem acha irrelevante o facto de as principais estações de Lisboa, Porto e Coimbra estarem longe do centro, porque "têm boas ligações"). Com um pouco de imaginação de engenheiro, o sistema híbrido foi criado e inaugurado em 1991. A solução foi um sucesso, tendo sido alargado a outras linhas de Karlsruhe e a várias cidades por todo o mundo.

 

Esta semana há notícias da chegada de um tram-train ao Porto, na linha da Póvoa. Não é exactamente um tram-train no verdadeiro sentido da palavra, mas um eléctrico que está preparado a atingir grandes velocidades (100km/h) quando circula nas linhas sub-urbanas. Tem ainda a capacidade de devolver à rede eléctrica a energia cinética (energia do movimento) quando trava, poupando assim até 30% do consumo.

 


A ler o artigo Do Cars Cause 100.000 US Deaths a Year no blog do Carbusters, onde se mostra que os homicidios ligados à sinistralidade automóvel são apenas uma parte do grave problema de saúde pública que é a ditadura automóvel.